Ao Longe os Barcos de Flores...
(em memória de Amélia Pais, com o apoio de um leitor/autor muito especial)
Só, incessante, um som de flauta chora,
viúva, gracil, na escuridão tranquila.
- Perdida voz que de entre as mais se exila,
- Festões de som desimulando a hora
Na orgia ao longe, que em clarões scintila
e os labios, branca, do carmim desflora…
Só, incessante, um som de flauta chora,
Viúva, gracil, na escuridão tranquila…
E a orchestra? E os beijos? Tudo a noite, fora,
cauta, detem… Só modulada trila
a flauta flebil… Quem ha-de remil-a?
Quem sabe a dor que sem razão deplora?
Só, incessante, um som de flauta chora…
Quem poluiu, quem rasgou os meus lençoes de linho,
Onde esperei morrer – meus tão castos lençoes?
Do meu jardim exiguo os altos girasoes
Quem foi que os arrancou e lançou no caminho?
Quem quebrou (que furor cruel e simiesco!)
A meza de eu cear, - taboa tosca de pinho?
E me espalhou a lenha? E me entornou o vinho?
- Da minha vinha o vinho acidulado e fresco…
Oh! minha pobre mãe!... Não te erguas mais da cova.
Olha a noite, olha o vento. Em ruina a casa nova.
Dos meus ossos o lume a extinguir-se breve.
Não venhas mais ao lar. Não vagabundes mais,
Alma da minha mãe… Não andes mais á neve,
De noite a mendigar ás portas dos casaes.
Camillo Pessanha
Publicado em 5 de Agosto de 2012