Jornada
Triste, triste,
é não respeitar o silêncio
depois de tanto tempo calado
Triste, triste,
é querer entrar numa casa habitada
sem ao menos bater à porta,
e subir de quatro em quatro
a escada de qualquer lado
sabendo que é no caminho
que se encontra o achado
Igualmente triste, senão mais
é confundir a virtuosa ausência de estratégia
com a brutalidade de quem abalroa um barco
usando palavras suaves
sem qualquer cuidado
Entretanto, há terramotos em Itália
e fome perto de minha casa.
Há o amar sem amor em quase todas as casas do meu bairro
(única coisa proibida por Thiago de Mello, no ano em que nasci)
E há muita gente descontente e habituada
com a vida com que leva
É sem dúvida triste, sabendo da importância de tudo isso,
parecer que tudo passa ao lado
No meio deste tudo fica,
como irónico e curioso registo
o embaraço de um agnóstico
perante os seus excessos
- os seus pecados.
Tão bom seria ir à missa
e vir de lá perdoado.
Triste, triste, é pensar
Que a biblioteca de Alexandria não está lá
Imperdoável e triste é, sabendo isto,
deixar de procurar moinhos
onde crescer
e fazer pão
Rui A.
Publicado em 6 de Agosto de 2012