Em alguns invernos mais chuvosos, em Miragaia que foi a Madragoa de Pedro Homem de Mello, o Douro salta a margem e entra pelos arcos onde se demora no rés-do-chão das casas, por duas madrugadas. Mas são os estendais, à janela agitados pelo vento nas abertas da chuva, que nos trazem a urgência e a constância dos corpos, nas mangas pendentes de camisas, camisolas ou na roupa interior, última margem dos íntimos rios, onde os poliesteres aboliram os felpos, os linhos as cambraias. Só a cor branca dos lençóis teima lá no alto, a abrir velas ao desejo do sol e à memória de obscuras lavadeiras, que faziam heróicas barrelas na espuma inocente do sabão. Inês Lourenço