Escrever – do pássaro ao goraz que passava
Escrever é libertar o pássaro que há em mim a querer voar pelos teus telhados - planar seguro e olhar sobranceiro um deserto inconsciente da sua aridez, incapaz da ilusão de uma grandeza insólita, de algum espaço preenchido, de algum metro justificado.
O deserto não tem alma, por isso o deserto não sabe destas coisas.
Escrever é libertar o pássaro e esmagar paredes que afinal não estão lá - é um exercício de estilo mesmo quando o estilo não é exactamente o da cornucópia perfeita ou do enternecedor círculo desastrado.
Escrever é lutar contra o talento que é sempre escasso para ti que querias ser um génio ainda por cima um génio reconhecido por todos aqueles cujo critério admiras e respeitas – para ser franco, já agora, de todos os outros também – imensos coros indecisos entre o aplauso e a aclamação. Querias o rabo e a orelha a rendição do animal público. Esmagado pela tua arte, embasbacado de prodígios e estonteado de tanto voo.
Escrever é começar com frases banais sem saber do fim da estrada ou se ela existe ou se ela acaba. Escrever é inocência culpada, arbitragem tendenciosa das tuas vontades no manancial de verbos e advérbios que conheces de passagem, manipulação alquímica de sabores tentação de fazer algo. Escrever é o acto solitário de quem quer ser vertido e enriquecido pela natural beleza criada.
Escrever é um ajuste de contas vaidoso com a tua sombra ao meio-dia.
Escrever foi pássaro ali atrás a querer voar libertado contra o talento que já te parece pouco. Escrever é já ambição de bando e cardume; qualquer animal bonito se pode representar neste plano magnífico – não o goraz que tem um nome repelente e sem classe mesmo sendo um goraz libertado ou um goraz papado.
O goraz é excluído de uma forma geral e como tal merece ser tratado e mencionado pois até um goraz merece a sua pequena oportunidade.
Rui A.
Publicado em 13 de Dezembro de 2012