O que não daria eu pela memória De uma rua de terra com baixos taipais E de um alto ginete enchendo a alba (Com o poncho grande e coçado) Num dos dias da planície, Num dia sem data. O que não daria eu pela memória Da minha mãe a olhar a manhã Na fazenda de Santa Irene, Sem saber que o seu nome ia ser Borges. O que não daria eu pela memória De ter lutado em Cepeda E de ter visto Estanislao del Campo Saudando a primeira bala Com a alegria da coragem. O que não daria eu pela memória Dos barcos de Hengisto, Zarpando do areal da Dinamarca Para devastar uma ilha Que ainda não era a Inglaterra. O que não daria eu pela memória (Tive-a e já a perdi) De uma tela de ouro de Turner, Tão vasta como a música. O que não daria eu pela memória De ter sido um ouvinte daquele Sócrates Que, na tarde da cicuta, Examinou serenamente o problema Da imortalidade, Alternando os mitos e as razões Enquanto a morte azul ia subindo Dos seus pés já tão frios. O que não daria eu pela memória De que tu me dissesses que me amavas E de não ter dormido até à aurora, Dissoluto e feliz. Jorge Luis Borges