Não pode o poema circunscrever o medo, dar-lhe o rosto glorioso de uma fábula ou crer intensamente na sua aura. Nós permanecemos, quando escurece à nossa volta o frio do esquecimento e dura o vento e uma nuvem leve a separar-se das brumas nos começa a noite. Não pode o poema quase nada. A alguns inspira uma discreta repugnância. Outras vezes inclinamo-nos, reverentes, ante os epitáfios ou demoramo-nos a escutar as grandes chuvas sobre a terra. Quem reconhece a poesia, esse frio intermitente, essa persistência através da corrupção? Quase sempre a angústia instaura a luz por dentro das palavras e lhes rouba os sentidos. Quase sempre é o medo que nos conduz à poesia. Luis Filipe Castro Mendes