Porque é tão ansiosamente que espero por ti? Sabias ocultar entre os teus menores movimentos a lembrança de um corpo e de um ardor sem música nem esquecimento possível. Quantas cidades atravessámos, quantos «grandes são os desertos e tudo é deserto», quanto alimento para os cães da memória! Deixa-os, consente o esquecimento, solta com raiva das tuas veias a música, regressa ao lugar donde partiste. Peço-te, regressa. Nós nunca acordamos conformes, nenhuma cifra nos devolverá o número mágico, vestimo-nos sem convicção e pedimos emprestadas fórmulas antigas. Da nossa idade guardámos alguns emblemas, alguns maneirismos. Acredita-me: é o momento de nos abandonarmos à necessidade, de açularmos os cães, de sermos nós mesmos um inquietante rosnido entre as frestas do muro. Regressemos, não há Ítaca possível, os corpos desfizemo-los na mesma erosão do seu mágico movimento. Porque é tão ansiosamente que espero por ti se nenhuma luz mais cabe no terror de mim? Luis Filipe Castro Mendes