O tempo é uma substância volátil, arredia e mole Calma e inesperada, que se esvazia e enche como um balão ou fole Uma substância vaga, desequilibrada e implexa, de alma inconstante Que se dissipa e brota a qualquer instante Assim, de mim se afasta se o procuro Toca-me e arrebata-me, se dele me canso e me despeço A mim se apega e em mim se enlaça quando lhe fujo Enrola-me e envolve-me de amor quando não peço O tempo é tudo o que urge quando sobeja Tudo o que de mim se aparta, se acaso a vontade almeja Quando me esfalfo e o quero, de mim se afasta Quando dele prescindo, em mim se enrola, julga, condena e caça O tempo é um amante frívolo e indeciso, que prende e embaraça Uma alma doce, que descubro amarga se me desalenta Um compasso brusco, se me apraz com pressa e me encontro lenta È sol quando eu sou nuvem, transparente se sou lodo ou água turva O tempo é uma maleita, uma cisma sem amparo ou cura Uma paixão platónica, sofrida e insegura que perdura Um amor desgarrado, uma intensa vontade de procura Com ele me estendo, sonho e medito Baralho-me e contento-me num eterno delito Manuela Carneiro