Ainda Vita Contemplativa
No comboio para Varsóvia
Pode acontecer em qualquer lugar, por vezes no combóio,
quando estou muito longe: subitamente a porta
abre e figuras esquecidas entram,
o meu sobrinho, que já não anda por cá,
mas que se aproxima, alegre, sorrindo,
e um determinado poeta chinês que amava
a música e as folhas das árvores no outono,
estudantes de teologia de Córdoba, ainda sem barba,
emergem de nenhures e saltam à vista,
retomando o debate sobre os atributos de Deus,
e a esplêndida vida surge como uma queda de água na primavera,
até que finalmente um telemóvel soa, inoportuno,
depois outro, e um terceiro, e todo este mundo excelente, estranho
se contrai e desaparece, exactamente como um rato de campo,
que, apercebendo-se do perigo, se retira habilmente para
o seu apartamento secreto.
Adam Zagajewski, trad. João Luís Barreto Guimarães
Publicado em 23 de Setembro de 2013