em classe económica Dobrado como um embrião, esmagado num assento estreito, tento recordar o aroma do feno recém-cortado quando em Agosto as carroças de madeira descem dos prados de montanha, baloiçando pelas estradas de terra e o condutor grita como os homens sempre gritam quando entram em pânico - gritaram dessa forma na Ilíada e nunca mais se silenciaram desde então, nem durante as Cruzadas, nem mais tarde, muito mais tarde, próximo de nós, quando ninguém os escutou. Estou cansado, penso naquilo o que não pode ser pensado - no silêncio que reina nas florestas quando as aves dormem, sobre o final próximo do verão. Mantenho a cabeça entre as mãos como se a protegesse da aniquilação. Visto de fora, sem dúvida que pareço imóvel, quase morto, resignado, merecendo simpatia. Mas não é assim - sou livre, talvez mesmo feliz. Sim, seguro a pesada cabeça em minhas mãos, mas dentro nasce um poema. Adam Zagajewski,trad. João Luís Barreto Guimarães