A casa fita o caminho público e o mar com a lógica de quatro janelas, rindo-se estereotipadamente com uma ampla varanda cor-de-laranja. Nessa varanda nesse sorriso às tardes, a minha mãe expõe o rosto ilegível. O tempo o compôs sem impulsos noite após noite numa língua que escorre dor, enchendo páginas de usura. E nem sequer o erro dum riso. Senta-se na pontinha da cadeira para não pesar na tarde com todo o peso do seu coração adoentado, apenas para existir parada no meio da vida por uma suspensão do destino, apenas para poder aguentar agora o espasmo do seu espanto: «Existem mares e barcos nervosos que empurram soluções para aquilo que não tem obstáculos? E ventos que desenraízam aquilo que estagna? E aquilo que é compreensível onde bebe cores a tarde alcoólica, existe?» Não sabe. Não o soube a sua vida. Agora ousa um movimento estranho: lança o corpo um pouco em frente, torna a encostá-lo para trás, dá fortes remadas da memória, vidro vidro as suas lágrimas. Pouco a pouco tarde, rosto e varanda são minados pelo crepúsculo. A sua forma enlouquece. Fecham-se num espaço tumular para não voltarem a entrar nos no olhar. Anoitece. Kiki Dimoulá, trad. Manuel Resende