A coragem é um verbo distante
Invejo os que escrevem porque querem quando querem quanto querem
Invejo os que não escrevem e fazem nesse durante pausas
a entreter dias de outra espécie
Invejo o gato Sebastião, na sua sábia pachorra conventual de Xabregas,
sobrevivente a Conselhos Directivos vários muito iguais,
Invejo as roliças senhoras da frutaria que chamam amor ao seu menino
Invejo por igual todos os cães da Guerra Junqueiro
Invejo quem passeia distraído porque não é preciso
Invejo a vontade de ir ao médico,
que tanta inveja só pode fazer mal ao pequeno
(sendo dos menores males, entre muitos que podia lembrar,
esta feia coisa de ser a inveja o verbo mais presente
de um miserável texto)
Invejo dias de escrever outras coisas
dias de outras pausas e palavras
dias de cartas e moradas
Vou aprendendo a tirar o relógio antes de te entrar em casa
(que a última coisa que quero é magoar-te com fivelas),
Mas esse é um outro texto, um de uns quantos
que não sou capaz.
E para esse vai o meu melhor tempo, que é teu.
E quando assim penso não invejo, faz-me falta,
que é algo diferente e sem dúvida mais distinto.
E é claro que me fazem falta os que escrevem porque querem quando querem quanto querem
E por aí adiante, calibrando e alterando.
Não fosse hoje já sábado
Ia de táxi chamar meu amor e minha querida
às duas senhoras da frutaria.
Ouvissem maridos, e se houvessem viriam, estava assim ganho o dia.
Enfim, forma de dizer.
A coragem é um verbo distante.
Rui A.
Publicado em 5 de Outubro de 2014