Dormir em paz
Quando chegaram à nau e à orla do mar,
logo estas coisas os nobres acompanhantes receberam
e guardaram na côncava nau, assim como a comida e a bebida.
Para Ulisses estenderam uma manta e um lençol de linho
no convés da côncava nau, para que dormisse descansado
junto à popa; ele embarcou e deitou-se em silêncio.
Eles sentaram-se nos bancos, cada um no seu lugar,
ordenadamente; e soltaram a amarra da pedra perfurada.
Assim que se inclinaram para trás e o mar percutiram
com os remos, caiu um sono suave sobre as pálpebras de Ulisses;
um sono do qual se não acorda, dulcíssimo, semelhante à morte.
Quanto à nau, tal como na planície quatro cavalos atrelados
se precipitam todos ao mesmo tempo debaixo dos golpes
do chicote e levantando bem alto as patas percorrem o caminho –
assim levantava a proa e para trás ficava a grande onda
cor de púrpura, espumando no mar marulhante.
A nau seguia com segurança; e nem o falcão, a mais leve
de todas as aves, a poderia ter acompanhado.
Avançando com leveza, a nau cortou as ondas do mar,
transportando um homem cujos conselhos igualavam
os dos deuses, que já sofrera muitas tristezas no coração,
que atravessara as guerras dos homens e as ondas dolorosas,
mas que agora dormia em paz, esquecido de tudo quanto sofrera.
Homero, Odisseia XIII, 70-92, trad. Frederico Lourenço
Publicado em 6 de Dezembro de 2014