Nunca se regressa do tempo mas dos espelhos, lagos onde te debruças e espreitas o silêncio do teu rosto. Cada manhã lembram-te, como um severo juiz, o órfão menino que foste. No fundo dos olhos perderam-se as garças, a clara e pueril sombra das olaias, setembro cantava ainda sobre os ombros ou entre as primeiras chuvas da tua vida. Foi um instante: o lume que te levou à alegria eterna de um momento foi-se apagando nas mãos, oiro e pedra da alma. Até a paciência se tornou numa guitarra calada. Mas não percas nisso o canto. Daqui a pouco te levantarás da melancolia, essa cama de equívocos onde o corpo se deita cansado e que acaba por sequestrar o coração. Enquanto os presidiários do fatalismo se encerram nos labirintos da solidão, segue por outro caminho em direcção ao sul, à casa e à claridade onde os teus passos nasceram em corrida para o rio. Eduardo Bettencourt Pinto