Li ontem a entrevista que o Herberto deu à Caras onde, além de uns cremes de rejuvenescimento, recomendava um produto para a queda de cabelo. Fui comprá-lo esta tarde e sentei-me num café a ler o folheto informativo – as contra-indicações e possíveis efeitos secundários. Experimenta-se tudo, desde a primária rima e versos que trazemos da escola, até à parafernália surrealista ou a perfuração de beleza que vem incendiar a língua portuguesa, elevando e destruindo casas, fazendo abrigos temporários para a saliva das horas fundas e mais escuras onde nascemos e desaparecemos sucessivamente, gravando com as unhas contra a parede as memórias que criámos para os homens todos que podíamos vir a ser. Mas deixando-me agora de águas em que não tenho pé, retomo o meu pequeno charco: minutos mais certos e plausíveis, sem grande voz ou talento para cantar aos ouvidos do futuro. Já chove a sério lá fora, e nós aqui, noutro serão demolhado, a comermos hambúrgueres e a combatermos por um orgasmo no intervalo do CSI Miami. (Que série tão estúpida.) Espero que não leves a mal, digamos que o romantismo no fim se reduz a pouco mais que isto: uma flor degenerada de vez em quando, a eventual partilha de leituras ou apenas a rapidez com que atingimos o ponto de rebuçado para nos desmancharmos nas margens de um coração recidivo, vestígio animal que só o tempo poderá domesticar. Um dia ainda vou dar-te filhos, se é mesmo isso o que tu queres – eu já estou por tudo. O mundo ganha-nos todos os dias, infiltra-se no sangue e nos espelhos da casa, cose-nos a sombra a prazos, recados e listas de compras, estraga a nossa vontade e dá-a a telenovelas e programas de rádio no caminho para um trabalho que diz tudo sobre o que não atingimos. Talvez mais tarde nos ataque o arrependimento e lamentemos não termos perdido tudo ainda jovens, com uma morte infantil numa brincadeira qualquer, a dançar com algum sonho ou fugindo para muito longe com outro alguém. Diogo Vaz Pinto