A chave para os campos, ou a pestana dos dias
Nos dias sem mistério,
nos dias sem sentido,
convém ao espírito colocar umas quantas questões
sobre a matéria:
Não chega o dentro, não há viagem que apeteça,
e das paredes escorrega uma anomia sueca
(na distância, convenci-me que Durkheim era muito sueco; coisas).
Talvez esteja frio mais lá fora, embora lá ver.
Em mil novecentos e trinta e seis
Magritte achou por bem deixar as maçãs de lado
e ir ao caroço do tempo.
Permitiu-se, no entretanto, deixar vidros no dentro
(não voltaria àquele quarto senão as vezes que fossem mesmo
necessárias);
o que podemos considerar uma liberdade poética,
um erro de análise,
a sensata precaução com os pés de quem procura o fora no tempo
(os vidros podem cortar, qualquer um deve saber).
Ou não fazer caso, o que é sempre uma probabilidade.
Lançou-se ao campo, e ponto
Que se saiba, não mencionou nunca o sucedido,
até ao fim dos seus dias,
em mil novecentos e sessenta e sete, antes do Maio ao lado
(nem sequer aos que lhe foram menos próximos).
É portanto impossível saber do que então se passou,
e se acaso teve o episódio alguma relevância
(suspeita-se que não, mas com Magritte e as suas sombras
nem a psicanálise se atreve).
O vidraceiro agradecia esta espécie de tropelias, interessado,
sem levantar questões.
E Dona Rosa, essa santa senhora das migrações
(que limpava os quartos e acomodava geometrias)
nem sequer pestanejou.
Rui A.
Publicado em 19 de Dezembro de 2015