Da responsabilidade
Em vinte e quatro horas de dia muita coisa pode suceder, tendo ou não cautelas.
Por exemplo: posso-me erigir barítono do meu bairro
(proibindo uns quantos invejosos, ‘tá claro),
posso ser bom vizinho e passear cidadanias,
oferecendo cravos a Dona Florência, florista emérita (ainda por cima jovem),
espalhar ternura na creche dos mais encolhidos,
dos pais aos filhos;
Guardar para ti enormes disponibilidades
(nem todas fálicas)
- dar beijos pela manhã
(nem mais nem menos que os que quisesses).
Posso vestir-me de guarda-chuva,, de pára-vento,
acudir aos que gritam, ouvir os que procuram
(a ser forte o dia, até os mais calados),
posso entrar no silêncio rancoroso das terças-feiras
(pior dia da semana, para alguns),
ou amar-te, ainda assim,como se o dia fosse sempre outro.
Posso protestar impostos, protestar impossibilidades,
predicar sobre culpas e inocências
- agradecer, ou desagradecer, o acto de respirar.
Posso ser beato, posso ser cáustico,
posso falar- te como se o dia estivesse a começar.
Eu sei que posso até ser simpático, no meio da distracção,
esquecer o preço, dar troco,
ser um ser altamente compreensivo
- ou ter pressa pressa pressa
(e alguma impaciência ao mundo).
Posso falar-te de como queria estar contigo,
sussurrando murmúrios bascos, melodias da infância
- ou dizer-te que este ir trabalhar tão cedo é sobretudo
para que não tenhas fome.
Posso falar-te do infinito,
e de como és tudo, e tudo o que não sei dizer
(muitas muitas cores);
posso dizer-to cantando aos gritos (para que saibas que o disse),
posso sair bem devagarinho, sem desconfiar das horas
(e ainda menos de ti, ou de nós).
Posso convidar-te para Florenças eternas em Maio,
ou para um passeio breve, em Fernão Ferro,
de mãos dadas.
No meio de tanta hipótese,
não sei se aguento.
Isto de um dia ter tantas possibilidades (não) é para todos.
Rui A.
Publicado em 28 de Janeiro de 2016