Dantes gostávamos de falar sobre o sofrimento
Os nossos diários e cartas enchiam-se
de perdas, queixas e dores.
Mesmo quando não havia sofrimento,
não parávamos de nos lamentar
como que suspirando por esse encanto
de um rosto angustiado.

Só sabíamos então exprimir o sofrimento
Tantas eram as coisas que se abatiam sem avisar:
esforços em vão, amores desfeitos, casas abandonadas,
casamentos falhados, amigos que se afastavam,
ambições carcomidas por necessidades imediatas.
As palavras faziam fila na nossa garganta
em busca de uma valente lamúria.
O sofrimento parecia um rio infindável:
o único fluxo imortal da vida.

Após termos perdido uma terra e abdicado de uma língua,
deixámos de falar do sofrimento
Os sorrisos começaram a iluminar-nos o rosto.
Fartamo-nos de rir, das nossas próprias trapalhadas.
As coisas revestem-se de beleza,
até mesmo o granizo nos morangais.

Ha Jin, trad. Vasco Gato