A destrutividade é o resultado de uma vida não vivida.
Aquilo que não pode crescer para fora cresce para dentro:
unhas e pêlos da barba penetram a carne, desejos não correspondidos
calcificam-se nos vasos sanguíneos, a inveja
transmuda-se em úlceras, a tristeza em piolhos,
a porcaria em moscas. Somos sempre,
num certo sentido, cavaleiros errantes; estamos sempre à procura
de algo pelo qual ou contra o qual lutar, alguém
a quem odiar com um ódio justo. Essa vida não vivida
assemelha-se a uma panela de água a ferver nas nossas mãos
que desejamos à pressa largar, e não
há tempo para mais nada, e ficamos danados
com todos aqueles que se sentam tranquilamente
à volta da mesa da cozinha a falar
de Erich Fromm e de a destrutividade
ser o resultado de uma vida não vivida.

Jaan Kaplinski, versão de Vasco Gato