A erva recente a despontar nas colinas,
as vacas a vegetarem no frio matinal,
para cima de uma dezena delas, castanhas e
escondidas à sombra dos choupos,
junto do ribeiro. Subo um pouco mais
até ao ponto onde a estrada desiste e sobra
apenas um caminho sumido, juncado de tremoceiros,
entre os carvalhos da montanha. Não pergunto
a mim mesmo o que procuro.
Não vim a um sítio assim
em busca de respostas, vim para caminhar
sobre a terra, ainda fria, ainda calada.
Ainda sem generosidade, disse a mim mesmo,
embora me saúde com os cardos mortos
do ano anterior e os espinhos duros
deste ano, as cebolas selvagens
de flor prematura, os restos encarquilhados
da trama das aranhas. O que trouxe eu
para a dança? No bolso de trás,
uma carta amarrotada de uma mulher
que nunca conheci, com uma má notícia
em relação à qual nada posso fazer. Vagueio então
por este bosque meio cego enquanto
redobra um vento ocidental nas árvores
aglomeradas mais acima. Os pinheiros emitem
uma música sem igual, que se eleva e
tomba como uma rebentação longínqua na noite
a sossegar a treva antes dos
primeiros raios. «Farfalhada», chamamos-lhe, de origem
onomatopaica, imagine-se. Como perdem peso
as palavras quando o nada basta.
Philip Levine, trad. Vasco Gato
Evangelho
Publicado em 11 de Janeiro de 2017