Às tantas o futuro aparece em toda a parte:
Verões corpulentos e noites insones em traços
carregados e borrões escuros, pele puída.
Eis a loja de esquina ampliada a um apartamento,
a bicicleta reduzida a uma roda que gira,
o fantasma de um cão que existiu outrora, o seu trilho
que deixou de ser pisado, mera depressão nas ervas.
A água límpida que, crianças sedentas, bebíamos
ainda nos corre nas veias. As estrelas que víamos então
ainda as vemos agora, só que são menos, mais ténues, mais raras.
Ouve-se as velhas cantigas e continuam a comover-nos
apesar da nossa erudição, o espectro do romance,
a inocência perdida, a literatura, a morte dos poetas.
Continuamos a falar, ainda que em sussurros,
a algo dentro de nós que anseia ser nomeado.
Chamamos-lhe passado e arrastamo-lo atrás de nós,
saco semelhante a um pulmão repleto de sombra e canto,
sonhos de correrias, as chaves de nomes perdidos.

Dorianne Laux, trad. Vasco Gato