Há algo de novo no ar, talvez a luta do botão
para se tornar numa folha. Quase duas semanas depois desenrola-se, mas
vendo bem, o que são duas semanas de vida? Numa noite fria, há
uma pausa na luta do ser. Suponho que seja por isso que nós
dormimos. Numa história infantil falavam da terra do encantamento.
Nós rastejamos até ela, nós, mamíferos de vida curta, não percebemos que
já estamos lá. Para os deuses, a lua é a lua inteira,
mas para nós muda segundo a segundo porque somos sempre peixes
no ventre da baleia terrena. Estamos encarcerados e não podemos escapar
da casa dos nossos corpos. Eu poderia dizer que fomos libertados,
mas não sei, na nossa noite privada, quando as nossas almas explodem
num bilião de fragmentos e calmamente se reúnem num lago negro
na floresta, longe da prisão da carne, do incessante "eu". Isto foi
um sonho e nos sonhos estamos sempre sozinhos, caminhando
na estrada fantasma para além das nossas vidas. Ultimamente vejo o acordar
como se fosse outra possibilidade de primavera.

Jim Harrison, trad. Jorge Sousa Braga