Minha amada, que passas as noites
A torturar-me
Empunhando-me um espelho atrás do outro
No escuro,
Se algo há que saiba dizer ou fazer hoje,
Não mereço nenhum elogio por isso,
Antes o devo à subtileza dos teus suplícios,
E à tua perseverança em manter-me acordado.
Mesmo assim, quem te deu o direito
De me julgares na minha miséria?
Que alma da brancura da neve
Compilou esta lista infinda de delitos
Que todas as noites me lês?
O ar importante que fazes quando te peço para parar
Levaria a crer que foste
Outrora a companheira de cama de um imperador chinês.
Prefiro quando não dizemos uma única palavra.
Quando ficamos deitados lado a lado
Como dois amantes após esgotarem a sua paixão.
Uma vez mais, rompe o dia.
Nas árvores, um passarinho vai derramando o seu coração
Sobre o milagre da claridade que chega.
Dói.
A beleza de uma noite passada sem dormir.
Charles Simic, trad. Vasco Gato