Nesta noite em que sopram todos os ventos
e o mar se lança contra a praia, nesta noite
em que ouço as vozes dos antigos erguerem-se
das ondas e em que os seus braços lutam
para que regressem à vida, falo com a voz
do temporal e peço-lhe que o seu grito
não atravesse esta noite, não aflija
o sono dos amantes, não transforme
em pesadelo a insónia dos que o ouvem.
Mas o vento faz dançar as árvores de onde
os pássaros fugiram, irrompe no mais fundo
dos arbustos onde tantos abraços se acolheram,
corre nos relvados desertos expulsando
as sombras e varrendo de pétalas os canteiros,
levanta nos lagos a água fria, e bate contra
as janelas das casas em que todas as luzes
se apagaram, com receio da sua visita.
E sento-me à mesa destes ventos,
sirvo-lhes o vinho quente do inverno, ouço
nos seus uivos um gemido saudoso de passadas
primaveras e acaricio o seu dorso, como se
fossem os cães amargos do inferno, para que
amansem e se limitem a rosnar, baixinho,
contra esta noite que os obrigou a soprar, pelas suas
bocas, todos os males que a noite arrasta.

Nuno Júdice