Eu tinha a sensação de que me tolerava por obstinação ou por uma supersticiosa fidelidade ao passado, como se não quisesse atraiçoar por completo quem tinha sido em nova e não tão nova; talvez também porque lhe dava um certo jeito nos seus dias mais solitários ou insatisfeitos, ou quando se sentia envelhecente e diminuída (sem motivo, na minha óptica: eu achava-a atraente como sempre; mas cada um fabrica os seus motivos); vamo-nos conformando com o que temos à mão e o que sobrevive - sim, com o que vai ficando - , à medida que se vão desvanecendo as infinitas possibilidades, à medida que o futuro deixa de ser inabarcável e abstracto, uma série de folhas em branco, e se torna cada vez mais concreto e estreito, ou mais escrito, ou seja, se transforma em passado e presente, um pouco mais cada dia.
Javier Marías, trad. Vasco Gato