Modus vivendi

"bene senescere sine timore nec spe"

blogue de Ana Roque

Arquivo de fevereiro 2004


9 de Fevereiro de 2004

Retorno (ou a coincidência do

Retorno (ou a coincidência do acaso (con)sentido) Há nove rotundos meses, também a uma 2ªfeira e no início da tarde, também chegada de uma viagem, e igualmente ainda com as malas por desfazer, criei, por indicação de quem amava, o Modus Vivendi, assinando o que escrevia com o irónico AmAtA, que pouco perdurou (a ironia todos os dias cansa). Os meses passaram, houve tentativas de censura que não permiti, interrupções breves por impossibilidade ou indisponibilidade, mas a gestação foi levada a termo. Hoje, o Modus acaba, porque não me faz mais sentido. Só por isso. Por causa deste espaço, acabei por conhecer algumas pessoas de quem gosto muito, e mesmo duas que se me tornaram realmente próximas, e essa é a gratificação maior que levo comigo. Tenho que mencionar a Carla e o C., o Luís, o Ossanha e o Nuno, a Aida e o Henrique; mas também a Catarina,a Clara e o Mário, o Pedro Lomba, o Miguel e a Sónia, autores de tantas palavras amáveis e de atenções que me encheram de alegria. Houve um ou outro desprazer, mas de tão minoritária dimensão que nem refiro. Houve importantes palavras sistemáticas, como as da Márcia e do Zeferino, ou ocasionais, como as do Rui, mas todas especiais . Suspeito que, sem o blogue, é bem provável que tivesse de precisado de (ainda!) mais tempo para tomar balanço e fazer mudanças imprescindíveis no meu modus vivendi , mudanças reclamadas pela razão mais simples de todas: porque "a felicidade está na liberdade, e a liberdade está na coragem". Estão feitas, graças a Deus. Agora, arquivadas as contas com o passado, deixo a blogosfera, mas não os afectos que nasceram neste microclima. Obrigada a todos os que me escreveram, mesmo a quem o fez de modo menos agradável (sim, João Tenório, é consigo, felizmente caso isolado nos meus correspondentes...). E agora, com vossa licença, vou tratar de viver. Fiquem bem e perdurem. Visitarei de vez em quando as casas dos amigos. --------


8 de Fevereiro de 2004

Salvador V O regime de

Salvador V O regime de trabalho intensivo não permitiu grandes aproximações a aspectos certamente interessantes da cultura local, mas deu para perceber a importância do teatro e da música na vida desta cidade. Tempo roubado ao sono para uma passagem rápida no Teatro XVIII, centro cultural fora de qualquer objectivo de promoção turística, bem ao contrário (programção em função de um certo tipo de população local, interessada em poesia, teatro alternativo, propostas muito distantes do mainstream). --------


8 de Fevereiro de 2004

Salvador IV Ver Salvador por

Salvador IV Ver Salvador por outro ângulo: ir aos bairros clandestinos na companhia de uma promotora de justiça e de uma assistente social especializadas em casos de violência doméstica: ver as ruas cheias de gente, a água das chuvas breves e intensas a arrastar terra barrenta onde brincam crianças em completo alheamento. Saber um pouco mais do sistema de assistência, sempre insuficiente, a mulheres maltratadas (de todas as classes sociais, como em Portugal; pergunta retórica: porque será?). Tentar perceber a forma de expansão habitacional (as chamadas invasões), onde não há plano urbanístico possível. Nunca há só uma face das coisas. Mas cada uma delas não elimina a verdade da outra. --------


8 de Fevereiro de 2004

Salvador III A comunhão da

Salvador III A comunhão da língua é apenas um princípio: há todo um trabalho de aproximação por fazer, laços a criar com empenho e determinação. A distância a vencer é transponível, mas existe, quase palpável. Esta passagem foi uma descoberta, sim: há mais espaço dentro de nós quando criamos mais trilhos no mundo. --------


7 de Fevereiro de 2004

Salvador II Uma parte histórica

Salvador II Uma parte histórica belíssima; um conjunto fascinante de tradições, de falares, de religiões. A música popular brasileira em fundo (Betânia e Caetano, Chico Buarque e Gilberto Gil, e outros, mais novos, como Adirana Calcanhotto ou Maria Rita, tão interessantes também). E antes da noite chegar, junto à beira mar, ter um pôr do sol em silêncio, uma linha do horizonte a fogo e laranja, no azul impossível de um céu só adivinhado por Giotto. Horas, dias, anos lavados em minutos de pura beleza, de liberdade de ser. Sentir que a esperança pode voltar ao sangue. Devagar. --------


6 de Fevereiro de 2004

Salvador Oito horas de avião

Salvador Oito horas de avião (saída de Lisboa com uma hora de atraso, cortesia da TAP), uma hora na fila dos serviços de estrangeiros do Estado da Baía, calor, chuva, uma noite de sono a correr, oito horas seguidas de aulas de Direito Económico a um grupo de quarenta doutorandos em Direito (juízes e advogados de meia idade, na maioria e, curiosamente, quase todos também com formação em Literatura). E está a ser magnífico - a forma de estar das pessoas, o mar, a música nos restaurantes ao ar livre mesmo ao almoço, a informalidade, a simpatia. --------


5 de Fevereiro de 2004

Ao espelho Dez anos deixaram-na

Ao espelho Dez anos deixaram-na descrente, mas não amarga; indisponível, mas não azeda; lúcida, mas não infeliz. E o espelho disse-lhe que não havia ninguém mais livre do que ela. --------


5 de Fevereiro de 2004

Da impossibilidade I think I

Da impossibilidade I think I should have loved you presently, And given in earnest words I flung in jest; And lifted honest eyes for you to see, And caught your hand against my cheek and breast; And all my pretty follies flung aside That won you to me, and beneath your gaze, Naked of reticence and shorn of pride, Spread like a chart my little wicked ways. I, that had been to you, had you remained, But one more waking from a recurrent dream, Cherish no less the certain stakes I gained, And walk your memory's halls, austere, supreme, A ghost in marble of a girl you knew Who would have loved you in a day or two. Edna St Vincent Millay --------


5 de Fevereiro de 2004

Magia Há aqui frases magníficas.

Magiaaqui frases magníficas. Como esta, cheia de sensibilidade e ausência de qualquer laivo de bom senso, como convém a quem sabe viver no limite da coragem: "De súbito, deu por si a querer apagar-lhe da pele as memórias, e escrever outras, melhores." O privilégio de conhecer pessoas para quem a vida não se consome cortada às fatias. --------


4 de Fevereiro de 2004

Dúvida metódica To the

Dúvida metódica To the Not Impossible Him How shall I know, unless I go To Cairo and Cathay, Whether or not this blessed spot Is blest in every way? Now it may be, the flower for me Is this beneath my nose: How shall I tell, unless I smell The Carthaginian rose? The fabric of my faithful love No power shall dim or ravel Whilst I stay here, -- but oh, my dear, If I should ever travel! Edna St Vincent Millay ((1892-1950) --------


4 de Fevereiro de 2004

Caleidoscópio (ou visita a um

Caleidoscópio (ou visita a um pequeno album de fotografias) Para B., o homem do sangue e do nome, fora a imagem da mãe, o confronto em completo amor-ódio. Para J., o amado, tinha sido a beleza mágica de um corpo adestrado, vazio de espírito. Para J. M., o maior amigo, era justamente o contrário. Para o Anjo, existia como uma mulher fluvial, bonita e sábia, bem mais do que se sabia. Em boa verdade, é uma nómada, um ser em trânsito entre o fogo da Terra e o ar do Céu, carregada de afectos, à procura de si. --------


4 de Fevereiro de 2004

Honesty (ou passeio indolor por

Honesty (ou passeio indolor por palavras outras) I can give you anything but love, he said, with cold smiling honesty. He kept his word and proved it in earnest. She waited all the moons she could handle. In due time, her soul left and she didn't notice. But she walked out as ghosts often do. --------


3 de Fevereiro de 2004

Ponto de aglutinação II (ou

Ponto de aglutinação II (ou uma questão de perspectiva) A propósito de uma biografia de Montaigne, encontrei Étienne de la Boétie. Gosto do que vejo. «Ils ne sont grands que parce que nous sommes à genou. » Étienne de La Boétie --------


3 de Fevereiro de 2004

Síntese perfeita (ou epitáfio à

Síntese perfeita (ou epitáfio à medida para uma década (in)de vida) Two-Volume Novel The sun's gone dim, and The moon's turned black; For I loved him, and He didn't love back. Dorothy Parker --------


3 de Fevereiro de 2004

Resolução «Soyez résolus de ne

Resolução «Soyez résolus de ne servir plus, et vous serez libres.» Étienne de la Boétie (1530-1563) --------


2 de Fevereiro de 2004

A César... Lucifer dá o

A César... Lucifer dá o conhecimento, não a sabedoria; leva a luz, mas não é a Luz.E será Beliala servir o esquecimento. --------


2 de Fevereiro de 2004

Mais tarde ou mais cedo...

Mais tarde ou mais cedo... (ou o saber de experiência feito) Wisdom This I say, and this I know: Love has seen the last of me. Love's a trodden lane to woe, Love's a path to misery. This I know, and knew before, This I tell you, of my years: Hide your heart, and lock your door. Hell's afloat in lovers' tears. Give your heart, and toss and moan; What a pretty fool you look! I am sage, who sit alone; Here's my wool, and here's my book. Look! A lad's a-waiting there, Tall he is and bold, and gay. What the devil do I care What I know, and what I say? Dorothy Parker --------


2 de Fevereiro de 2004

Aviso à navegação A partir

Aviso à navegação A partir de meados desta semana, e durante uns quantos dias, o modus andará em trânsito e conhecerá as inerentes interrupções. A primeira destas quebras previsíveis, a suceder muito em breve, é fruto de afazeres profissionais no outro lado do Atlântico, pretexto magnífico para entrever a cidade de Salvador e adivinhar mistérios de mestiçagens várias. Logo em seguida, tempo à justa para troca de bagagens, e será a vez de Itália (Ravenna e Ferrara, penhor deixado por uma dívida antiga, em jogo de azar, incobrável por natureza, como são todas as promessas não cumpridas pelo mais poderoso e irremediável dos motivos: a falta de desejo. Agora, sem amargura nem melancolia excessiva, há que recuperar esses nomes, já que as cidades serão certamente outras, à luz das circunstâncias, e ficaram perdidas para sempre as que foram sonhadas). As notícias virão em ondas de acaso. --------


2 de Fevereiro de 2004

Espera Desejou que viesse um

Espera Desejou que viesse um tempo em que já não se recordasse do peso daquele olhar. E lembrou-se de pedir que esse momento não coincidisse com o da sua própria morte. --------


2 de Fevereiro de 2004

Ponto de aglutinação (ou da

Ponto de aglutinação (ou da procura em solidão) O que vemos da realidade? Uma parte, a que a nossa leitura nos proporciona. A mais funesta prisão que podemos conhecer é a rigidez e a subalternidade consentida. Mas nunca se julgue que é fácil mudar. --------


2 de Fevereiro de 2004

Convicção Nunca é demasiado tarde

Convicção Nunca é demasiado tarde para se resgatar a dignidade, ou o que se nos afigura como sua expressão essencial. --------


2 de Fevereiro de 2004

To say the least... (ironia

To say the least... (ironia de longo alcance) Words Of Comfort To Be Scratched On A Mirror Helen of Troy had a wandering glance; Sappho's restriction was only the sky; Ninon was ever the chatter of France; But oh, what a good girl am I! Dorothy Parker --------


1 de Fevereiro de 2004

Prescrição (já antiga e posta

Prescrição (já antiga e posta em prática com atraso) Faute De Mieux Travel, trouble, music, art, A kiss, a frock, a rhyme- I never said they feed my heart, But still they pass my time. Dorothy Parker --------


1 de Fevereiro de 2004

Conversation (to Lee, across the

Conversation (to Lee, across the ocean) Between Us Now Between us now and here-- Two thrown together Who are not wont to wear Life's flushest feather-- Who see the scenes slide past, The daytimes dimming fast, Let there be truth at last, Even if despair. So thoroughly and long Have you now known me, So real in faith and strong Have I now shown me, That nothing needs disguise Further in any wise, Or asks or justifies A guarded tongue. Face unto face, then, say, Eyes my own meeting, Is your heart far away, Or with mine beating? When false things are brought low, And swift things have grown slow, Feigning like froth shall go, Faith be for aye. Thomas Hardy (1840–1928) --------


1 de Fevereiro de 2004

Dúvida EL AMOR DE MIS

Dúvida EL AMOR DE MIS AMORES (fragmento) ¿Cómo te llamaré para que entiendas que me dirijo a ti, ¡dulce amor mío!, cuando lleguen al mundo las ofrendas que desde oculta soledad te envío?... (...) Tampoco es en el mar adonde él mora; ni en la tierra ni en el mar mi amor existe. ¡Ay!, dime si en la tierra te escondiste, o si dentro del mar estás ahora. Porque es mucho dolor que siempre ignores que yo te quiero ver, que yo te llamo, sólo para decirte que te amo, que eres siempre el amor de mis amores. Carolina Coronado (1823-1911) --------