Em falta Depois de vários poetas nascidos à sombra de outras línguas, uma referência à poesia do Eugénio de Andrade, não só por ser um grande cultor da palavra, mas sobretudo porque, na sua escrita, o fervor que contrasta com a brancura das paredes, com a frescura da água, é uma força total entre alfa e ómega, uma intemporalidade entre dois traços impiedosos e definitivos. O Eugénio tem vivido muito, leu certamente tanto como se adivinha, e guarda a sabedoria que escorre do corpo para a alma. E percebe que tudo pode mudar num instante singular, num brevíssimo corte por onde se esgueira o nosso domínio do mundo. Depois, é a desmesura do tempo. Deixo, por isso mesmo, dois poemas cintilantes, enquanto brilha a luz. A difícil pergunta Como se recusa o amor?, perguntavas, o sorriso brincando ao sol com as romãs. Da maneira mais simples É apenas o começo. Só depois dói, e se lhe dá nome. às vezes chamam-lhe paixão. Que pode acontecer da maneira mais simples: umas gotas de chuva no cabelo. aproximas a mão, os dedos desatam a arder inesperadamente, recuas de medo. Aqueles cabelos, as suas gotas de água são o começo, apenas o começo. Antes do fim terás de pegar no fogo e fazeres do inverno a mais ardente das estações. in Os sulcos da sede,Ed. Fundação Eugénio de Andrade AmAtA --------