Em falta Depois de vários
Em falta
Depois de vários poetas nascidos à sombra de outras línguas, uma referência à poesia do Eugénio de Andrade, não só por ser um grande cultor da palavra, mas sobretudo porque, na sua escrita, o fervor que contrasta com a brancura das paredes, com a frescura da água, é uma força total entre alfa e ómega, uma intemporalidade entre dois traços impiedosos e definitivos. O Eugénio tem vivido muito, leu certamente tanto como se adivinha, e guarda a sabedoria que escorre do corpo para a alma. E percebe que tudo pode mudar num instante singular, num brevíssimo corte por onde se esgueira o nosso domínio do mundo. Depois, é a desmesura do tempo.
Deixo, por isso mesmo, dois poemas cintilantes, enquanto brilha a luz.
A difícil pergunta
Como se recusa o amor?, perguntavas,
o sorriso brincando ao sol com as romãs.
Da maneira mais simples
É apenas o começo. Só depois dói,
e se lhe dá nome.
às vezes chamam-lhe paixão. Que pode
acontecer da maneira mais simples:
umas gotas de chuva no cabelo.
aproximas a mão, os dedos
desatam a arder inesperadamente,
recuas de medo. Aqueles cabelos,
as suas gotas de água são o começo,
apenas o começo. Antes
do fim terás de pegar no fogo
e fazeres do inverno
a mais ardente das estações.
in Os sulcos da sede,Ed. Fundação Eugénio de Andrade
AmAtA
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Publicado em 26 de Maio de 2003