Matar para desconhecer (ou o desgosto da manipulação) Al soñarte dormida muchas vezes como nunca te vi, el hambre de mis ojos tal acresces que me olvido de ti. Pues soñandote en íntimo abandono no más que la mujer, al verte así, caída de tu trono, te veo perecer. En mi lenta mirada un beso lento, pero beso de muerte, que te derrite, y gracias a ello siento lo que gané al perderte. Miguel de Unamuno, in Poesia del' 900, ed. Mondadori. A negação do outro em nós, na nossa memória, é sempre uma negação de nós próprios. A desenvoltura com que voltamos costas aos habitantes do passado indicia o pouco de nós que lhes demos, e não o contrário. "Perfil do manipulador (...)o controlador clássico tem um perfil sintomático. É normalmente uma personalidade muito forte e compulsiva, embora cuidadosamente escondida.(...)tem um interesse absoluto pelas pessoas que quer manipular, dedica-se aplicadamente ao conhecimento dos seus pontos fracos. Seduz o outro, conquistando a sua confiança. Mas tem o máximo cuidado em não revelar as suas próprias fragilidades. Age sempre discretamente, faz do silêncio sobre si próprio a sua mais importante arma de manipulação e poder. Sabe como culpabilizar os outros, mesmo à distância. Como escolhe muito bem o seu alvo, basta-lhe uma palavra aparentemente inocente para conseguiro que quer. Foge da abertura, detesta que se fale claro sobretudo sobre a sua própria vida, embora estimule as confidências. Abrir-se, falar dos seus desgostos e dos seus falhanços, dos erros cometidos, dos acontecimentos desastrosos que marcaram a sua vida ou das pessoas da sua intimidade, que protege cuidadosamente, longe de ser uma força estruturante é tido como uma fraqueza à qual jamais cederá. O grande manipulador não confia, desconfia constantemente. Quando não obtém o que quer, afasta-se inesperadamente, deixando o outro perplexo e desamparado. E é neste jogo constante que vai tecendo a sua rede de controlo e poder, aos olhos dos outros aparentemente inofensivo." in Jogos de poder, texto de Ana Vieira de Castro, Xis, 26/7/03. Como disse Manuel Maria Carrilho, não há sedução possível sem a cumplicidade aquiescente do seduzido. Mas que há jogos de poder nas relações, é inegável. Que alguns são mais leoninos, imobilizantes e devastadores do que outros, não adianta ignorar. Pagar para ver é muito, muito perigoso. Fica-se na bancarrota sem dar por ela, e leva muito tempo a reconstruir o património possível. Recomenda-se precaução especial com a superfície visível da alma:o olhar pode nunca mais ser o mesmo. Ana Roque --------