Carta de AmAtA De lugar
Carta de AmAtA
De lugar incerto, algures entre o centro da Terra e o limite da atmosfera, chegou-me esta carta virtual, que publico:
Da liberdade
A tua liberdade não acaba onde começa a liberdade do outro, ao menos quando estamos a falar de uma relação afectiva: pelo contrário, onde começa uma, começa a outra, em paralelismo perfeito.
A liberdade éo respeito pelo espaço de cada um, écontrário de dominação, de sujeição, de submissão, de qualquer forma de compressão diminutiva do outro no mais amplo dos sentidos; é um espaço próprio de afirmação e de retracção de cada um, segundo a sua vontade, espaço de procura e de encontro, espaço de manobra, de vertigem até.
O valor de uma relação é a sua amplitude , o que ela dá a cada um como território de afirmação pessoal , nunca contra o outro, mas com o outro,com a solidariedade dele.
No sentido em que falo, não se vive somente uma relação com alguém, vive-se uma relação para alguém, e só isso tem sentido, não como apagamento despersonalizado de cada um, mas como prolongamento de cada um no outro.
O método é de uma simplicidade quase surpreendente: confiar, confiar sempre que quem primeiro nos protegerá é o outro, que ele será uma permanente barreira entre nós e o desconsolo, entre nóse a pobreza agreste da decepção. O outro é a nossa garantia de sermos maiores do que nós próprios, de termos uma identidade alargada, sem perdermos a nossa (é como sermos cidadãos comunitários sem, por isso, deixarmos de ter a cidadania portuguesa...exemplo dos ossos do ofício...mas somos quem somos, não é? Daí a nossa faceta de produtos de l'air du temps, que não nos deve revoltar, mas apenas alertar para tentarmos superar, quando possível, os preconceitos inerentes).
Em suma, aquilo de que falo é uma parceria sem fusão, uma conjugação real, profunda, natural (sem que isto signifique facilitismos espontaneístas, porque as vontades são muitas vezes contrárias e há que saber dirimir confrontações com prudência, cautela e respeito pelo olhar alheio).
Vês agora porque te falo de territórios despovoados? É porque não tenho paciência para os povoar em vão. E sou capaz de preferir nada a pouco...e quando se chega a meio do caminho, é boa altura para respirar fundo, ver o que ainda não se fez, ou não se fez como verdadeiramente se queria, e apostar aí.
AmAtA
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Publicado em 14 de Agosto de 2003