(In)Definições Gostava de escrever sobre a mais preciosa de todas as coisas, a liberdade; ou sobre a mais difícil de ter e manter sem sobressaltos, a coragem; ou, um pouco acima de todas as outras, o amor, esse desconhecido, sempre mutável na forma, moldável no conteúdo, sujeito a modelos, intensidades, durações, graus; mas parece que só vejo o que as coisas não são, numa espécie de negativo perverso: a servidão que não é nunca liberdade, porque me arrasta em lastimosos caminhos fracamente iluminados por expectativas cada vez mais afectadas por delirium tremens galopantes; a cobardia, que me obriga a não soltar das mãos o fio de um balão há muito perdido na imensidão dos céus; o masoquismo dependente, velho compagnon de route que confundo com amor, mesmo depois da máscara, que eu própria tento colar, cair ou se derreterno calor infinito do deserto. Os caminhos são insondáveis e as estradas de Damasco podem surgir em qualquer trilho. Mas que é árdua a caminhada, mostram os cabelos que acordam brancos, o olhar que perde o brilho, o sorriso que se faz escasso, a voz que enrouquece na garganta. Contudo, mesmo a duras penas, a única via é prosseguir. Alcançar a serenidade, se ela chegar um dia, depois de tão desejada. Parar ao canto de um livro e esquecer o que ficou antes e o que faltará ainda, depois de chegar à última página. Procurar músicas e palavras que soem com melodiosa grandeza. Procurar um pouco do que não se encontra dentro em outros lugares nunca vistos, esperar que eles ajudem ao parto. Por fim, assumir o poder, na véspera da morte. Ana Roque --------