O que está dentro A liberdade, a coragem, o amor: caminhos para um fim, a verdade existencial, pura, ou, pelo contrário, fins que só se alcançam por meio da prática da verdade, da verdade que está dentro de nós? No primeiro caso, a verdade como fim é sinónimo da felicidade, não no sentido de êxtase pontual, de deslumbramento a espaços, mas sim de um continuum, de ligação com o todo imanente; é tarefa de anacoretas, santos, sábios, e , a longo prazo, com verdadeira entrega, pode ser uma filosofia de vida para quem tiver focus bastante; no segundo caso, em que a verdade é um bordão em que nos amparamos, a liberdade virá, a coragem é indispensável ao percurso, cheio de avanços e recuos desesperantes, e o amor, muitas vezes, surgirá inesperadamente, como revelação, prémio da verdade introspectiva que liberta quem somos do fundo de quem procuramos ser, para corresponder às expectativas de quem desejamos que nos ame (missão claramente impossível e geradora de um permanente mal estar, como resulta evidente). Em suma, procurar a verdade interior significa aceitar-se quem se é e tornar-se cada vez mais essa pessoa singular, mesmo que isso desgoste quem amamos, mesmo que nos faça perder (ou ter que deixar, o que é rigorosamente o mesmo) quem mais julgámos querer, desde que essa presença nos aprisione numa imago distinta de nós mesmos. O que é a verdade, perguntou Pilatos (e esta pergunta, que vem dos tempos mais antigos, do primum tempus, estará com o homem até ao fim da sua passagem por este ponto rodopiante no espaço). A verdade está contida dentro de cada um e é um trabalho de espeleologia persistente trazê-la para fora. A vista turva-se nas profundezas, as lágrimas correm ao contrário e molham tudo, o sangue revolve-se em ondas contra a maré. Mas é preciso. Não se pode ser quem não se é para se ter quem não nos quer. Ana Roque --------