Narcisices todos temos, e fazem bem... Quando nos revemos com prazer naquilo que, para cada um de nós, são as qualidades do outro (no sentido de características que apreciamos e, às vezes, reconhecemos como tão próximas das nossas que aflora facilmente a tal identificação narcísica), tenho um (grande) amigo que corre a temperar esse gosto recíproco com uma frase satírica sobre o comprazimento dos idiotas que, em feliz momento mimético, encontram outro da mesma espécie com quem partilhar entendimentos e cumprimentos (se calhar, mais até comprimentos de onda...). Ele bem sabe que acho a frase engraçada: a capacidade de nos distanciarmos de nós mesmos, de conseguirmos algum - mesmo ténue que seja - desapego da auto-imagem brilhante de satisfação éum exercício saudável e até indispensável para qualquer inteligência mediana. Levar-se a sério sem ser em demasia é sinal de humor e inteligência. Contudo, hoje dei por mim a pensar se não será um pouco diminishing esse olhar que desvaloriza tão pronta e habilmente, com certeira flecha, a satisfação de nos vermos gostados por outrém, apreciados nas nossas melhores características. Não será apenas um pouco de medo? Receio de desiludir? Assim, desvalorizados à partida admirador e admirado, é quase impossível gorar expectativas...prudente, mas pouco compensador, acho eu. Por esta altura, já se sabe como gosto de fazer de psicóloga de fim de semana, em concorrência desleal face aos encartados do métier, mas as oportunidades que se me oferecem são absolutamente deliciosas e, como tal, irrecusáveis para uma amadora que se crê intuitiva! Voltando ao meu receio de que a frase se destine, de modo consciente ou sombrio, a garantir uma interiorização menorizada, não me admiraria, no entanto, se fosse completamente infundado, porque todos temos algumas diferenças estruturais: há impulsivos e ponderados; há quem goste de surpresas e quem prefira apostas - há risco em qualquer caso, mas o segundo dá a ilusão de ser controlado, porque se pode sempre sair de jogo, enquanto a surpresa nos toma de assalto; há quem procure o desconhecido, o outro lado da lua, e quemagarre o conhecido, que nunca o é por completo, e se dedique a desvendá-lo, porque cada dia é prenhe de novidades, senão no essencial, ao menos no colorido do acessório. Em bom rigor, o que me parece é que a tal frase é também um bocadinho suicidária do ego, e isso nunca é bom -não nos devemos desvalorizar, sendo tão valiosos na nossa individualidade (e juro que aqui não é narcisimo encapotado: estou a referir-me àscaracterísticas próprias, positivas, que todos temos, as tais que citei e quase nos fazem parecer de planetas diferentes, podendo sintetizar-se como a abrangência errante versus a política de fixação afectiva). Deixo um conselho de destinatário indeterminado: do as you like, but never ever underestimate yourself. Please. Ana Roque --------