Reflexões bucólicas IV Alquimia A transfiguração é, de todos os mistérios, o que mais me intriga; mais do que a ressurreição, que tem um sentido cuja exegese é tãoampla quanto incrustada no fundo arquetípicoque nos ordena, sem ruído aparente, a consciência, nesta parte do mundo. Mas a transfiguração é parte da matéria de que são feitos os sonhos, e sobre isso é difícil pensar, porque a memória se esfuma e a névoa se apressa a correr uma cortina de vagareminiscência. Em certos momentos, a nossa própria encruzilhada interior pode exigir, mais do que um trabalho de análise racional, garantida pela consciência atulhada de conceitos e devidamente instruída na dupla teoria e prática do nosso passado, uma revelação . Quando nos lançamos, com determinação e algum desvario, em cruzadas contra muros que resistem desde sempre a assaltos semelhantes, devemos perguntar se é isso que a nossa vida nos pede que façamos; se não será mero wishful thinking e alguma prosápia que nos convence da nossa força contra poderes que nos transcendem (e, por consequência, contra as concepções da vida e do mundo por eles inspirados). A escolha entre caminhos que, precisamente por serem opostos em substância, muitas vezes determinam opções de vida (ainda que nem sequer visíveis do exterior) nem sempre é feita na base da ponderação. Às vezes só pode mesmo ser por inspiração. Se não for divina, ao menos que seja um hausto profundo que nos encha o corpo e o espírito de ar fresco. Brilho interior, precisa-se. Ana Roque --------