Antecâmara (para alguém preocupado com a qualidade) O sol abre e fecha as horas; pedi-lhe que hoje as devorasse, mas, como é sabido, o tempo não me ouve, continua num correr compassado, inalterado, superior, indiferente, trocista, sem qualquer deferência para com estados de alma, dores e tragédias, prazeres e deslumbramentos. E é mais sinistro ainda naqueles raros, magníficos momentos mágicos em que desejaríamos travá-lo, segurá-lo pelos segundos, não o deixar correr, e ele desaparece entre os corpos, ignora o desejo, deus Khronos tão acima dos mortais...É preciso aprender a navegar na crista dessas ondas transparentes, não se afundar na ânsia, não sufocar na dúvida, não se deixar submergir na tentação da angústia. Flutuar, ganhar o sopro dos ventos, torná-los de feição mudando as velas. Usar a alegria para, num brevíssimo suspiro, dominar o tempo, o nosso derradeiro tirano. --------