Breves notas sobre a realidade (tomadas em lugar seguro, onde tudo mudou, ou foi mudado, ou se viu mudando) Amar é o contrário de idealizar, essa armadilha que ocorre em súbito olhar, como uma faísca directa ao desejo mais fundo. Amar implica conhecer, aceitar, reescrever a epopeia de Lucano em novíssima passagem do Rubicão, voltar a cruzar o rio, romper com as leis, e iniciar dentro de si a guerra civil. Não se começa por amar alguém, ama-se depois de muito admirar, querer, ter, questionar. Amar só se afigura possível depois de se perder a rigidez, a intolerância, a suprema vaidade de pretender um mundo feito à medida; a flexibilidade é a chave que abre a porta do amor, ao valorizar o que se tem ao correr do tempo. Amar não se confunde nunca com possuir, usar, prender, repreender; a posse mata a ética libertária do amor, a única atitude que o torna infindável, infinito, poderoso. Amar é a capacidade de superar a decepção do amor próprio macerado, encontrando na realidade o calor necessário e suficiente à vida alegre da alma, à glória feliz do corpo. Quem ama, sabe de uma luz escondida dentro do outro, sabe que não se apaga nunca, sabe que essa luz, essa luz única, irrepetível, brilha só para si. Quem é amado, tem uma promessa cumprida e renovada até ao extinguir da(s) vida(s), muito para além das circunstâncias. É o que se alcança quando se escalam os dias com persistência. Comprova-se no momento do olhar. --------