¶ 30 de Novembro de 2021
"bene senescere sine timore nec spe"
blogue de Ana Roque
Arquivo de novembro 2021
¶ 30 de Novembro de 2021
Casta Diva
Casta Diva, che inargenti
queste sacre antiche piante,
a noi volgi il bel sembiante
senza nube e senza vel...
Tempra, o Diva,
tempra tu de cori ardenti
tempra ancora lo zelo audace,
spargi in terra quella pace
che regnar tu fai nel ciel...
Fine al rito : e il sacro bosco
Sia disgombro dai profani.
Quando il Nume irato e fosco
Chiegga il sangue dei Romani,
Dal Druidico delubro
La mia voce tuoner .
Cadr ; punirlo io posso.
(Ma, punirlo, il cor non sa.
Ah! bello a me ritorna
Del fido amor primiero;
E contro il mondo intiero...
Difesa a te sar .
Ah! bello a me ritorna
Del raggio tuo sereno;
E vita nel tuo seno,
E patria e cielo avr .
Ah, riedi ancora qual eri allora,
Quando il cor ti diedi allora,
Ah, riedi a me.)
Vicenzo Bellini / George Wilson
¶ 29 de Novembro de 2021
os gatos são os únicos burgueses
Paro um pouco a enrolar o meu cigarro (chove)
e vejo um gato branco à janela de um prédio bastante alto
Penso que a questão é esta: a gente, certa gente sai para a rua,
cansa-se, morre todas as manhãs sem proveito nem glória
e há gatos brancos à janela de prédios bastante altos!
Contudo e já agora penso
que os gatos são os únicos burgueses
com quem ainda é possível pactuar -
vêem com tal desprezo esta sociedade capitalista!
Servem-se dela, mas do alto, desdenhando-a...
Não, a probabilidade do dinheiro ainda não estragou inteiramente o gato
mas de gato para cima - nem pensar nisso é bom!
Mário Cesariny
¶ 28 de Novembro de 2021
Tempo do Advento
O Advento tem sempre início no domingo mais próximo do dia 30 de novembro e termina no dia 24 de dezembro, Véspera do Natal.
Do latim adventum, a palavra "advento" significa chegada e, neste caso, faz referência à chegada de Jesus ao mundo. Assim, é o período antes do Natal, em que a igreja se prepara para a comemoração do nascimento de Jesus. O tempo do Advento tem a duração de quatro semanas. Este ano, vai de 28 de novembro a 24 de dezembro de 2021.
Os domingos do tempo do Advento chamam-se: 1.º, 2.º, 3.º e 4.º domingo do Advento. Este tempo que antecede o Natal é o primeiro tempo do calendário litúrgico. É um tempo de espera e de esperança para a chegada de Cristo. As duas primeiras semanas do Advento visam a preparação para a chegada de Jesus Cristo e as duas últimas semanas do Advento propõem-se a fazer a preparação para a celebração do Natal.
A coroa do Advento é um símbolo do Natal utilizado nas igrejas durante o Tempo do Advento. Consiste em um ramo verde disposto em forma circular, onde são colocadas quatro velas nas seguintes cores: verde, vermelha, roxa e branca. A cada domingo uma vela é acesa, até que todas estejam acesas no último domingo do Advento.
Acredita-se que a primeira referência ao Advento seja do ano 380, na Península Ibérica, quando o Sínodo de Saragoça ordenou uma preparação de três semanas para a Epifania, que significa revelação e, por isso, representa o dia em que Jesus foi apresentado ao mundo, o que teria acontecido com a chegada dos Reis Magos ao local do seu nascimento.
¶ 27 de Novembro de 2021
Às vezes
Às vezes se te lembras procurava-te
retinha-te esgotava-te e se te não perdia
era só por haver-te já perdido ao encontrar-te
(...)
Viste noites e dias, estações, partidas
E tão terrível tudo, porque tudo
Trazia no princípio o fim de tudo
Ruy Belo
¶ 25 de Novembro de 2021
Que me quereis
Que me quereis, perpétuas saudades?
Com que esperança ainda me enganais?
Que o tempo que se vai não torna mais,
e se torna, não tornam as idades.
Razão é já, ó anos, que vos vades,
porque estes tão ligeiros que passais,
nem todos para um gosto são iguais,
nem sempre são conformes as vontades.
Aquilo a que já quis é tão mudado
que quase é outra cousa; porque os dias
têm o primeiro gosto já danado.
Esperanças de novas alegrias
não mas deixa a Fortuna e o Tempo errado,
que do contentamento são espias.
Luís de Camões
¶ 24 de Novembro de 2021
Estado
Estou num amor entre viver e morrer. É através desta ausência do teu sentimento que reencontro a tua qualidade, essa, precisamente, de me agradares. Penso que apenas me interessa que a vida não te deixe, outra coisa não, o desenvolvimento da tua vida deixa-me indiferente, não pode ensinar-me nada sobre ti, só pode tornar-me a morte mais próxima, mais admissível, sim, desejável. É assim que permaneces face a mim, na doçura, numa provocação constante, inocente, impenetrável.
E tu não sabes.
Marguerite Duras
¶ 21 de Novembro de 2021
O amor não gira à volta da sorte
No jogo a que se chama amor, tem que se trabalhar no duro para não perder. É por isso que o amor não é um jogo engraçado. A única razão para o jogar é ser demasiado tarde para desistir de tomar parte nele.
Ilja Leonard Pfeijffer
¶ 21 de Novembro de 2021
Amo os Teus Defeitos
Amo os teus defeitos, e tantos
eram, as tuas faltas para comigo
e as minhas; essa ênfase
de rechaçar por timidez; solidão
de fazer trepadeiras, agasalhos
para velhos, depois para netos;
indulgência de plantar e ver
o crescimento da oliveira do paraíso,
carregada de flores persistentemente
caducas; essa autoridade, irremediável
desafio; e a astúcia
de termos ambos quase a mesma cara.
António Osório
¶ 20 de Novembro de 2021
Agora me arrependo
Já proibi as letras e as imagens
e até o horizonte, azul-tranquilo,
penso bani-lo um dia, como o erro
que se corrige a tempo num esboço.
Se do poço te ergui, foi distraído
pelo suor maligno em que dormias,
julgando que mais tarde poderia
consertar o defeito de fabrico.
Agora me arrependo de ter dito
verdadeiras palavras ao ouvido
de cego e desastrado demiurgo;
vou fechar para férias o universo
e levar-te num verso com a vida
à oficina das falhas e perdidos.
António Franco Alexandre
¶ 19 de Novembro de 2021
Grand Hotel Europa II
Na minha opinião, as liberdades individuais não são um problema das sociedades modernas ocidentais, mas sim uma conquista, enquanto o verdadeiro problema está localizado nos valores da religião mundial do neoliberalismo, erradamente vendidas ao público como liberdade, que considera o egoísmo uma qualidade e o altruísmo uma fraqueza. Agora que criámos a geração dos nossos filhos com a ideia de que a vida deve ser encarada como uma competição, na qual os vencedores são vencedores à custa dos perdedores, e o sucesso é uma escolha que consiste em não ter compaixão para com aqueles que não escolheram ter sucesso, não devemos ficar admirados por a empatia se ter tornado uma raridade.
Ilja Leonard Pfeijffer
¶ 18 de Novembro de 2021
Assim
Que seja assim:
os pássaros chegaram e as pedras
juntaram-se às pedras
assim:
acordo as estradas e as noites
e seguimos na procissão das árvores
Os ramos são malas verdes e os sonhos
uma almofada
numa viagem de férias
onde a manhã continua estranha
onde o seu rosto
permanece como um selo sobre os mistérios
Assim:
Um raio indicou-me o caminho, uma voz chamou-me
do fim mais extremo do muro
Adonis
¶ 17 de Novembro de 2021
Se perguntarem: das artes do mundo?
Se perguntarem: das artes do mundo?
Das artes do mundo escolho a de ver cometas
despenharem-se
nas grandes massas de água: depois, as brasas pelos
recantos,
charcos entre elas.
Quero na escuridão revolvida pelas luzes
ganhar baptismo, ofício.
Queimado nas orlas de fogo das poças.
O meu nome é esse.
E os dias atravessam as noites até aos outros dias, as
noites
caem dentro dos dias - e eu estudo
astros desmoronados, mananciais, o segredo.
Herberto Helder
¶ 16 de Novembro de 2021
As minhas lágrimas
Abriu o portão como se não soubesse
ainda para que lado empurra a dor.
Olhou-me de frente, de longe, de uma
idade que talvez adivinhe tudo, mas não
sabe. Avançou até mim arrastando um
século indeciso em cada passo, como a
descer os degraus antes de os ter subido.
Chegou exausto, à procura de enganos:
ave tão atenta a uma migalha de sol na
palma distraída da minha mão. Mas não
os encontrou. Baixou então os olhos
para o papel que trazia entre os dedos
como uma ferida e, sem os levantar,
sem levantar a voz, perguntou-me por
fim se era eu. Disse-lhe que sim e
que queria ouvir logo o que não queria
ouvir em toda a vida: havia uma notícia
escura dentro dos seus olhos, névoa a
urdir tormenta nunca vista. Deu-ma
com o tempo a atrasar-se muito nos
seus lábios - a morte a desenhar-lhe
finalmente a boca. E depois deixou-se
ficar ali sem existir- casa sem chão,
pedra de uma rua que ninguém pisa.
As minhas lágrimas puderam aliviá-lo
do seu fardo emprestado - por essa
altura, já ambos descobríramos que o
destino nunca se engana no nosso nome.
Maria do Rosário Pedreira
¶ 15 de Novembro de 2021
Grand Hotel Europa
Precisava de criar ordem nas memórias que me tinham espicaçado como um enxame de abelhas e me impediam de refletir nitidamente. Se queria esquecer Veneza, e esquecer realmente tudo o que tinha acontecido, tinha de me recordar de tudo com a maior precisão possível em primeiro lugar. Quem não se recorda de tudo o que quer esquecer corre o risco de se esquecer de esquecer certos assuntos. Precisava de escrever tudo, embora estivesse consciente de que a necessidade de contar, nas palavras que Eneias dirigiu a Dido, avivaria o desgosto. Mas eu precisava de fazer o registo para poder fazer o balanço. Não há nenhum destino sem saber claramente a origem, nem futuro sem uma versão legível do passado. Reflito melhor com uma caneta na mão. A tinta aclara. Somente escrevendo o que aconteceu, conseguiria recuperar o controlo sobre os meus pensamentos. Era essa a tarefa a que me tinha obrigado. Por isso estava aqui.
Ilja Leonard Pfeijffer
¶ 14 de Novembro de 2021
Província
Que me importa que chova e arrefeça
à minha passagem
se trago na cabeça
a ideia do luar
que estendo na paisagem
quando a noite chegar?
(E não há luar mais belo
do que esta música de concebê-lo.)
E a morte? Que me importa a morte,
a morte funda de morrer
- abismo de silêncio apenas
sem uma estrela que vele
ou uma águia a sacudir as penas -
se sinto na pele
a aquecer-me de frio
este vento norte
da podridão
de parecer eterno,
para aqui a viver em vão
num mundo vazio
em que nem sequer há morte?
E o amor? Que me importa o amor, o ódio, a noite o atropelo dos rumos
e os punhais de sangue cravados no chão,
na lua e no poente
das rosas sem jardim
- se trago no coração
esta imaginação
de amar toda a gente
(menos a mim)?
Não! Não me digam
que os meus olhos não ajudam a arder as estrelas,
só de vê-las.
José Gomes Ferreira
¶ 13 de Novembro de 2021
Cartas da tarde
Se fosse de dar ordens ao princípio do dia, havia de dizer
ordena as horas sem pressa, que a tarde tem muito tempo,
assim o vento dispõe as folhas,
e vai dando à luz o amolecimento da tardinha;
preciso dizer à noite
demora o que quiseres, as folhas estão aconchegadas.
Zeferino Silva
¶ 13 de Novembro de 2021
Esqueci-me de quem sou
Esqueci-me de quem sou. Um rumo
de oráculos entontece as nuvens. O verso
não refere as indecisões do poeta, nem
o céu, que o outono manchou de sangue, se afasta de
um ritmo azul. No canto, ambos se juntam: o
branco de uma espuma que o naufrágio contamina; e
os cinzentos da superfície, desafiando um sol
que não rompe o temporal. No fundo, um mastro, quase
que o horizonte o esconde. Uma lógica de asas
o dirige para essa margem que
exclui o regresso. Por instantes, hesito
na própria sequência do raciocínio: procurar,
nos átrios da memória, o corredor de um vago
infinito; ou prosseguir a descida indicada
num charco de sombras? Depois, quando ouço o riso
que o abismo logo abafa, ouso a escolha
do início. O nome impede, a quem interroga
os lábios ocultos, que uma resposta
se ouça.
Nuno Júdice
¶ 12 de Novembro de 2021
Correr do tempo ou só rumor do frio
Surdo, subterrâneo rio de palavras
me corre lento pelo corpo todo;
amor sem margens onde a lua rompe
e nimba de luar o próprio lodo.
Correr do tempo ou só rumor do frio
onde o amor se perde e a razão de amar
surdo, subterrâneo, impiedoso rio,
para onde vais, sem eu poder ficar?
Eugénio de Andrade
¶ 12 de Novembro de 2021
Diário
No tempo em que estivemos juntos - em cada momento - quando nos deitámos próximos um do outro - quando caminhámos por uma estrada iluminada pelo sol - quando nos sentámos juntos - mesmo nos momentos que deveriam ter sido da mais intensa felicidade, a alegria brilhou sobre mim apenas como a luz que chega pela fresta de uma porta - uma porta que separa a minha cela escurecida dos salões de baile cintilantes da vida.
Munch
¶ 11 de Novembro de 2021
Que faremos nós
Vais crescendo, meu filho, com a difícil
luz do mundo. Não foi um paraíso,
que não é medida humana, o que para ti
sonhei. Só quis que a terra fosse limpa,
nela pudesses respirar desperto
e aprender que todo homem, todo,
tem direito a sê-lo inteiramente
até ao fim. Terra de sol maduro,
redonda terra de cavalos e maçãs,
terra generosa, agora atormentada
no próprio coração; terra onde teu pai
e tua mãe amaram para que fosses
o pulsar da vida, tornada inferno
vivo onde nos vão encurralando
o medo, a ambição, a estupidez,
se não for demência apenas a razão;
terra inocente, terra atraiçoada,
em que nem sequer é já possível
pousar num rio os olhos de alegria,
e partilhar o pão, ou a palavra;
terra onde o ódio a tanta e tão vil
besta fardada é tudo o que nos resta;
abutres e chacais, que do saber fizeram
comércio tão contrário à natureza
que só crimes e crimes e crimes pariam.
Que faremos nós, filho, para que a vida
seja mais que cegueira e cobardia?
Eugénio de Andrade
¶ 10 de Novembro de 2021
O anjo
Uma pedra na mão
uma palavra-pedra
uma palavra fria
aguardavas a chave
não era
o que ele trazia.
Yvette Centeno
¶ 9 de Novembro de 2021
Com fúria e raiva
Com fúria e raiva acuso o demagogo
E o seu capitalismo das palavras
Pois é preciso saber que a palavra é sagrada
Que de longe muito longe um povo a trouxe
E nela pôs sua alma confiada
De longe muito longe desde o início
O homem soube de si pela palavra
E nomeou a pedra a flor a água
E tudo emergiu porque ele disse
Com fúria e raiva acuso o demagogo
Que se promove à sombra da palavra
E da palavra faz poder e jogo
E transforma as palavras em moeda
Como se fez com o trigo e com a terra
Sophia de Mello Breyner Andresen
¶ 7 de Novembro de 2021
Love is not love which alters when it alteration finds
Let me not to the marriage of true minds
Admit impediments. Love is not love
Which alters when it alteration finds,
Or bends with the remover to remove.
O no! it is an ever-fixed mark
That looks on tempests and is never shaken;
It is the star to every wand'ring bark,
Whose worth's unknown, although his height be taken.
Love's not Time's fool, though rosy lips and cheeks
Within his bending sickle's compass come;
Love alters not with his brief hours and weeks,
But bears it out even to the edge of doom.
If this be error and upon me prov'd,
I never writ, nor no man ever lov'd.
William Shakespeare
¶ 6 de Novembro de 2021
Autumn
In the dreamy silence
Of the afternoon, a
Cloth of gold is woven
Over wood and prairie;
And the jaybird, newly
Fallen from the heaven,
Scatters cordial greetings,
And the air is filled with
Scarlet leaves, that, dropping,
Rise again, as ever,
With a useless sigh for
Rest--and it is Autumn.
Alexander Posey
¶ 6 de Novembro de 2021
Liberté
Sur mes cahiers d'écolier
Sur mon pupitre et les arbres
Sur le sable sur la neige
J'écris ton nom
Sur toutes les pages lues
Sur toutes les pages blanches
Pierre sang papier ou cendre
J'écris ton nom
Sur les images dorées
Sur les armes des guerriers
Sur la couronne des rois
J'écris ton nom
Sur la jungle et le désert
Sur les nids sur les genêts
Sur l'écho de mon enfance
J'écris ton nom
Sur les merveilles des nuits
Sur le pain blanc des journées
Sur les saisons fiancées
J'écris ton nom
Sur tous mes chiffons d'azur
Sur l'étang soleil moisi
Sur le lac lune vivante
J'écris ton nom
Sur les champs sur l'horizon
Sur les ailes des oiseaux
Et sur le moulin des ombres
J'écris ton nom
Sur chaque bouffée d'aurore
Sur la mer sur les bateaux
Sur la montagne démente
J'écris ton nom
Sur la mousse des nuages
Sur les sueurs de l'orage
Sur la pluie épaisse et fade
J'écris ton nom
Sur les formes scintillantes
Sur les cloches des couleurs
Sur la vérité physique
J'écris ton nom
Sur les sentiers éveillés
Sur les routes déployées
Sur les places qui débordent
J'écris ton nom
Sur la lampe qui s'allume
Sur la lampe qui s'éteint
Sur mes maisons réunies
J'écris ton nom
Sur le fruit coupé en deux
Du miroir et de ma chambre
Sur mon lit coquille vide
J'écris ton nom
Sur mon chien gourmand et tendre
Sur ses oreilles dressées
Sur sa patte maladroite
J'écris ton nom
Sur le tremplin de ma porte
Sur les objets familiers
Sur le flot du feu béni
J'écris ton nom
Sur toute chair accordée
Sur le front de mes amis
Sur chaque main qui se tend
J'écris ton nom
Sur la vitre des surprises
Sur les lèvres attentives
Bien au-dessus du silence
J'écris ton nom
Sur mes refuges détruits
Sur mes phares écroulés
Sur les murs de mon ennui
J'écris ton nom
Sur l'absence sans désir
Sur la solitude nue
Sur les marches de la mort
J'écris ton nom
Sur la santé revenue
Sur le risque disparu
Sur l'espoir sans souvenir
J'écris ton nom
Et par le pouvoir d'un mot
Je recommence ma vie
Je suis né pour te connaître
Pour te nommer
Liberté.
Paul Eluard
¶ 3 de Novembro de 2021
Meu tempo é quando
De manhã escureço
De dia tardo
De tarde anoiteço
De noite ardo.
A oeste a morte
Contra quem vivo
Do sul cativo
O este é meu norte.
Outros que contem
Passo por passo:
Eu morro ontem
Nasço amanhã
Ando onde há espaço:
- Meu tempo é quando.
Vinicius de Moraes
¶ 2 de Novembro de 2021
A mão
Vinte e sete ossos,
trinta e cinco músculos,
cerca de duas mil células nervosas
em cada uma das pontas dos cinco dedos.
É quanto basta
para escrever Mein Kampf
ou A Casinha do Ursinho Puff.
Wislawa Szymborska
¶ 1 de Novembro de 2021
O Terceiro Corvo
Oh Lisboa
como eu gostava de ser
o terceiro corvo do teu emblema...
estar implícita na tua bandeira
negra e branca
como tinta e papel
como escrita e espaço!
Ser teu desenho
tua nova lenda
invenção deste século
que já não inventa
e se interroga:
donde vieram estes corvos?
Como tu, Vicente,
eu também não sou de cá
não sou daqui
não pertenço a esta terra
e talvez nem sequer a este mundo...
Porém estou aqui
nesta dolorosa praia lusitana
cheia de um tumulto inútil
que enegrece as tuas areias
e polui o ventre do rio
que os golfinhos há muito desertaram
E olhando as nuvens dedilhadas pelo vento
sentindo a terna dor do teu sentir sentido
peço-te, Lisboa:
surge de novo bela
reinventa
a santidade perdida do teu emblema
Ana Hatherly