Arquivo de setembro 2022
¶ 29 de Setembro de 2022

¶ 29 de Setembro de 2022
Esta noite morri muitas vezes, à espera
de um sonho que viesse de repente
e às escuras dançasse com a minha alma
enquanto fosses tu a conduzir
o seu ritmo assombrado nas trevas do corpo,
toda a espiral das horas que se erguessem
no poço dos sentidos. Quem és tu,
promessa imaginária que me ensina
a decifrar as intenções do vento,
a música da chuva nas janelas
sob o frio de fevereiro? O amor
ofereceu-me o teu rosto absoluto,
projectou os teus olhos no meu céu
e segreda-me agora uma palavra:
o teu nome — essa última fala da última
estrela quase a morrer
pouco a pouco embebida no meu próprio sangue
e o meu sangue à procura do teu coração.
Fernando Pinto do Amaral
¶ 28 de Setembro de 2022
De neve nada sei, de sol também,
de milhares de sossegos acordados,
da subida do teu rosto atrás dos ombros,
da mão ardente, da vista da sacada
Ponho palavras como coisas feitas:
só entre elas, enquanto jogam, leves,
seu rodado sem cor nem qualidades,
minha ciência existe, e já não minha,
ou só tão minha como tua e delas,
ar entre os dedos, sumo de verdades.
Pedro Tamen
¶ 27 de Setembro de 2022

¶ 27 de Setembro de 2022
Escrevi o teu nome em todos os lugares
procurei-te sem fim nos dias mais incertos
tive sede de ti na solidão dos bares
e fome do teu corpo em todos os desertos.
Fui soldado e lutei em busca do teu rosto
que
vi impresso a fogo em todas as esquinas.
Deixei que me queimasse a dor do sol de Agosto
e mergulhei sem medo em plagas submarinas.
Para te ter venci as longas avenidas
de todas as cidades que ninguém ousou.
E por ti viverei largos anos de vida
na ânsia de te dar tudo o que tenho e sou.
Torquato da Luz
¶ 26 de Setembro de 2022
Eu tenho esperança, tenho otimismo. É a dimensão contida na força
que a história já mostrou para nós, que é a força que existe na
cultura popular. Nós não estamos prontos, e não desejamos estar
prontos. Contamos com esse eterno inacabamento. Você nasce e sabe que
vai morrer. E por que você não fica desanimado? O que é essa
animação? É essa certeza de que não nascemos para morrer; nascemos
para começar. Cada um de nós começa tudo. Nós somos a totalidade do
conhecimento, toda a experiência e a história só existem nos que
estão vivos ao mesmo tempo.
Paulo Mendes da Rocha
¶ 26 de Setembro de 2022

¶ 25 de Setembro de 2022
Um dente d'ouro a rir dos panfletos
Um marido afinal ignorante
Dois corvos mesmo muito pretos
Um polícia que diz que garante
A
costureira muito desgraçada
Uma máquina infernal de fazer fumo
Um professor que não sabe quase nada
Um colossalmente bom aluno
Um revolver já desiludido
Uma criança doida de alegria
Um imenso tempo perdido
Um adepto da simetria
Um conde que cora ao ser condecorado
Um homem que ri de tristeza
Um amante perdido encontrado
Um gafanhoto chamado surpresa
O desertor cantando no coreto
Um malandrão que vem pe-ante-pé
Um senhor vestidíssimo de preto
Um organista que perde a fé
Um sujeito enganando os amorosos
Um cachimbo cantando a marselhesa
Dois detidos de fato perigosos
Um instantinho de beleza
Um octogenário divertido
Um menino colecionando estampas
Um congressista que diz Eu não prossigo
Uma velha que morre a páginas tantas
Alexandre O'Neill
¶ 24 de Setembro de 2022
Senhor: é tempo. Foi muito grande o verão.
Nos relógios de sol estira as tuas sombras,
deixa que pelo prado os ventos vão.
Manda aos últimos frutos a espessura,
dá-lhes do sul ainda mais dois dias,
força a plenitude neles, vê se envias
ao vinho forte a última doçura.
Quem não tem casa agora, já não constrói nenhuma,
quem agora está só, vai ficar só, sombrio,
perder o sono, ler, escrever cartas a fio,
e a um ir e vir inquieto nas áleas se acostuma,
vagueando enquanto as folhas lá vão num rodopio.
Rainer Maria Rilke, trad. Vasco Graça Moura
¶ 24 de Setembro de 2022

¶ 24 de Setembro de 2022
Lembro, como quem escolhe o essencial para compor uma epígrafe, que a
arquitetura se destina ao fazer e não ao ver; realizar e não
simplesmente espantar, com a concretude dessa relação entre a
racionalidade e a liberdade.
Paulo Mendes da Rocha
¶ 24 de Setembro de 2022
Quando, Lídia, vier o nosso Outono
Com o Inverno que há nele, reservemos
Um pensamento, não para a futura
Primavera, que é de outrem,
Nem para o Estio, de quem somos mortos,
Senão para o que fica do que passa —
O amarelo actual que as folhas vivem
E as torna diferentes.
¶ 23 de Setembro de 2022

¶ 23 de Setembro de 2022
Em 2022, o equinócio de outono verifica-se em Portugal a 23 de setembro às 02h04.
O equinócio de outono é a designação que a Astronomia atribui ao fenómeno natural que assinala o final do verão e a chegada da nova estação. É o instante preciso em que o Sol cruza o plano do equador celeste, o que decorre em setembro no hemisfério norte e em março no hemisfério sul. O termo latim “equinócio”, composto pelas palavras aequus e nox, significa “igual” e “noite”. Aplica-se a este momento, pois durante os equinócios os dias e as noites, com aproximadamente 12 horas, têm a mesma duração.
¶ 22 de Setembro de 2022
A pedra tem a boca junto do ouvido
E para dentro de si mesma sem cessar se diz.
Quebrar-se-á em pranto.
Se rodar no dorso
Vergar-me-á.
Pesa-me no bolso
E na cabeça.
Não é um pensamento.
É uma ideia ensimesmada. Uma pedra fechada
Pelo lado de dentro.
Daniel Faria
¶ 22 de Setembro de 2022

¶ 21 de Setembro de 2022
Esperar ou vir esperar querer ou vir querer-te
vou perdendo a noção desta subtileza.
Aqui chegado até eu venho ver se me apareço
e o
fato com que virei preocupa-me, pois chove miudinho
Muita vez vim esperar-te e não houve chegada
De outras, esperei-me eu e não apareci
embora bem procurado entre os mais que passavam.
Se algum de nós vier hoje é já bastante
como comboio e como subtileza
Que dê o nome e espere. Talvez apareça
Mário Cesariny
¶ 21 de Setembro de 2022
A olaia, o chorão, assombrações botânicas,
são uma geografia, uma forma de medir tudo,
mesmo no escuro. As árvores esquecem
a sombra, mas a sombra continua nas folhas.
Pedro Mexia
¶ 20 de Setembro de 2022
Evitar a citação, seguindo o conselho dos sábios, não deve no entanto tornar-se uma exigência absoluta ou dogmática. Citamos por vezes também para nos libertarmos da solidão, para nos sentirmos acompanhados, em caminhos incertos, por uma voz próxima e reconfortante. Tanto mais que somos tantas vezes demasiado solitários em tais percursos, <<entre aqueles que se agitam e se extasiam com qualquer coisa, no torpor opiáceo dos seus preconceitos >>, aos quais desejaríamos <<uma outra Veneza, real, lúcida, quebradiça como o vidro, intentada no nada das florestas imersas, criada à força, e enfim chegada a este grau de existência>>.
Predrag Matvejevitch, trad. Antonio Sabler
¶ 20 de Setembro de 2022

¶ 18 de Setembro de 2022
O meu livro de instruções de poesia,
comprado num quiosque junto ao rio,
contém várias regras
sobre o que evitar e o que seguir.
Mais
de duas pessoas num poema
é uma multidão, eis uma.
Mencionar que roupa usas
enquanto escreves, é outra.
Evitar a palavra vórtice,
a palavra aveludado, e a palavra cigarra.
À falta de um final,
coloca umas galinhas castanhas em plena chuva.
Nunca admitas que revês.
E – mantém sempre o teu poema numa só estação.
Tento estar atento,
mas nestes últimos dias de verão
sempre que elevo os olhos da página
e vejo uma mancha queimada de folhas amarelas,
penso nos ventos glaciais
que brevemente me atravessarão o casaco.
¶ 18 de Setembro de 2022

¶ 18 de Setembro de 2022
Se eu soubesse a palavra,
a que subjaz aos milhões das que já disse,
a que às vezes se me anuncia num súbito silêncio interior,
a que se inscreve entre as estrelas contempladas pela noite,
a que estremece no fundo de uma angústia sem razão,
a que sinto na presença oblíqua de alguém que não está,
a que assoma ao olhar de uma criança que pela primeira vez interrogou,
a que inaudível se entreouve numa praia deserta no começo do Outono,
a que está antes de uma grande Lua nascer,
a que está atrás de uma porta entreaberta onde não há ninguém,
a que está no olhar de um cão que nos fita a compreender,
a que está numa erva de um caminho onde ninguém passa,
a que está num astro morto onde ninguém foi,
a que está numa pedra quando a olho a sós,
a que está numa cisterna quando me debruço à sua borda,
a que está numa manhã quando ainda nem as aves acordaram,
a que está entre as palavras e não foi nunca uma palavra,
a que está no último olhar de um moribundo, e a vida e o que nela foi fica a uma distância infinita,
a que está no olhar de um cego quando nos fita e resvala por nós,
– se eu soubesse a palavra,
a única, a última,
e pudesse depois ficar em silêncio para sempre…
Vergílio Ferreira
¶ 17 de Setembro de 2022
Adormeci em Roma. E despertam-me em Cuba
Houve no meio disto a bomba em Hiroxima
Tudo está afinal gravado nesta ruga
que
tu ontem à tarde inda não descobriras
Aprendo agora a História no meu rosto
Descubro num sinal a queda de Paris
E há também um jornal na pele da tua coxa
Já não é o desejo o melhor alibi
David Mourão-Ferreira
¶ 17 de Setembro de 2022

¶ 17 de Setembro de 2022
O corpo tem degraus, todos eles inclinados
milhares de lembranças do que lhe aconteceu
tem filiação, geometria
um
desabamento que começa do avesso
e formas que ninguém ouve
O corpo nunca é o mesmo
ainda quando se repete:
de onde vem este braço que toca no outro,
de onde vêm estas pernas entrelaçadas
como alcanço este pé que coloco adiante?
Não aprendo com o corpo a levantar-me,
aprendo a cair e a perguntar
José Tolentino Mendonça
¶ 15 de Setembro de 2022
Minha senhora de mim
Comigo me desavim
minha senhora
de mim
sem
ser dor ou ser cansaço
nem o corpo que disfarço
Comigo me desavim
minha senhora
de mim
nunca dizendo comigo
o amigo nos meus braços
Comigo me desavim
minha senhora
de mim
recusando o que é desfeito
no interior do meu peito
¶ 15 de Setembro de 2022

¶ 15 de Setembro de 2022
Vivi tanto
que já não tenho outra noção
de eternidade
que não seja a duração da minha vida
¶ 13 de Setembro de 2022
Era então esta
a terra do segredo,
o espaço de ventura
De abundância
e
de doces lugares,
em que o excesso de ser
contrariava
a existência parca
da viagem?
Era esta então
a terra da promessa,
o espaço de fortuna
dos eleitos?
Devia ser:
e líquidas fronteiras
ali foram traçadas
Feitas de leite e mel
para os eleitos
e de fel e de sangue
para os
outros
Ana Luísa Amaral
¶ 13 de Setembro de 2022

¶ 11 de Setembro de 2022
Goethe contava pelos dedos das mãos
os pés dos hexâmetros
nas costas da amada adormecida
eu detestava ter um namorado poeta
a fazer versos em minhas costas
Adília Lopes
¶ 11 de Setembro de 2022
A noite trocou-me os sonhos e as mãos
dispersou-me os amigos
tenho o coração confundido e a rua é estreita
estreita em cada passo
as casas engolem-nos
estou num quarto só num quarto só
com os sonhos trocados
com toda a vida às avessas a arder num quarto só
Sou um funcionário apagado
um funcionário triste
a minha alma não acompanha a minha mão
Débito e Crédito Débito e Crédito
a minha alma não dança com os números
tento escondê-la envergonhado
o chefe apanhou-me com o olho lírico na gaiola do quintal em frente
e debitou-me na minha conta de empregado
Sou um funcionário cansado de um dia exemplar
Porque não me sinto orgulhoso de ter cumprido o meu dever?
Porque me sinto irremediavelmente perdido no meu cansaço?
Soletro velhas palavras generosas
Flor rapariga amigo menino
irmão beijo namorada
mãe estrela música.
São as palavras cruzadas do meu sonho
palavras soterradas na prisão da minha vida
isto todas as noites do mundo uma só noite comprida
num quarto só
¶ 11 de Setembro de 2022

¶ 10 de Setembro de 2022
Este homem caminha a chorar
ninguém sabe dizer porquê
às vezes pensam que são os amores perdidos
como aqueles que tanto nos atormentam
à beira-mar no verão com os gramofones.
A
outra gente cuida dos seus trabalhos
papéis intermináveis crianças que crescem, mulheres
com dificuldades em envelhecer
ele tem dois olhos como papoilas
como primaveris papoilas cortadas
e duas pequenas fontes na cavidade dos olhos.
Caminha pelas estradas nunca se deita
galgando pequenos quadrados no dorso da terra
máquina de um tormento infindo
o qual acabou por não ter importância.
Alguns outros ouviram-no falar
sozinho enquanto passava
de espelhos quebrados anos antes
de figuras quebradas dentro dos espelhos
que já ninguém pode juntar.
Outros ouviram-no dizer do sono
imagens de horror no limiar do sono
rostos insuportáveis de ternura.
Habituámo-nos a ele bem arranjado e tranquilo
acontece apenas que caminha a chorar continuamente
como os salgueiros à beira do rio que vês do comboio
quando acordas mal disposto numa alba cheia de nuvens.
Habituámo-nos a ele, não representa nada
como todas as coisas às quais vocês se habituaram
e falo-vos dele porque não encontro
nada a que vocês não estejam habituados;
as minhas vénias.
Yorgos Seferis, trad. Joaquim Manuel Magalhães e Nikos Pratisinis
¶ 9 de Setembro de 2022

¶ 9 de Setembro de 2022
A olhar para cima para o veio de contraplacado daquelas paredes,
inacabadas, o pladur nunca lhes foi acrescentado.
Uma viagem de luz até às estrelas com astronautas.
Quem "podia" ou "não podia" ser astronauta (argumento).
Engenheiro, a construir pontes cívicas
sobre o Rio Bow.
Faz todo o sentido, disseram-lhe, és uma menina, não
podes ser astronauta. Ouve o Sr. Krupa, querida,
nem podes ser engenheiro.
Erín Moure
¶ 8 de Setembro de 2022
O poema é sem dúvida uma estrutura imensa. Partes
que ainda não viste podem fazer-te estremecer.
Uma luz pendurada debaixo do capô aberto do carro, todas
aquelas coisas oleosas lá dentro, alguém a trabalhar no motor
talvez o teu pai.
A luz a ressaltar da parede da garagem, a imensa
sombra, linhas de luz
todas torcidas contra as ferramentas.
Erín Moure
¶ 7 de Setembro de 2022

¶ 7 de Setembro de 2022
Acabo de inventar um novo advérbio: helenamente
A maneira mais triste de se estar contente
a de estar mais sozinho em meio de mais gente
de
mais tarde saber alguma coisa antecipadamente
Emotiva atitude de quem age friamente
inalterável forma de se ser sempre diferente
maneira mais complexa de viver mais simplesmente
de ser-se o mesmo sempre e ser surpreendente
de estar num sítio tanto mais se mais ausente
e mais ausente estar se mais presente
de mais perto se estar se mais distante
de sentir mais o frio em tempo quente
O modo mais saudável de se estar doente
de se ser verdadeiro e revelar-se que se mente
de mentir muito verdadeiramente
de dizer a verdade falsamente
de se mostrar profundo superficialmente
de ser-se o mais real sendo aparente
de menos agredir mais agressivamente
de ser-se singular se mais corrente
e mais contraditório quanto mais coerente
A via enviesada para ir-se em frente
a treda actuação de quem actua lealmente
e é tão impassível como comovente
O modo mais precário de ser mais permanente
de tentar tanto mais quanto menos se tente
de ser pacífico e ao mesmo tempo combatente
de estar mais no passado se mais no presente
de ser tão insensível como quem mais sente
de melhor se curvar se altivamentede
perder a cabeça mas serenamentede
tudo perdoar e todos justiçar dente por dente
de tanto desistir e de ser tão constante
de articular melhor sendo menos fluente
e fazer maior mal quando se está mais inocente
É sob aspecto frágil revelar-se resistente
é para interessar-se ser indiferente
Quando helena recusa é que consente
se tão pouco perdoa é por ser indulgente
baixa os olhos se quer ser insolente
Ninguém é tão inconscientemente consciente
tão inconsequentemente consequente
Se em tantos dons abunda é por ser indigente
e só convence assim por não ser muito convincente
e melhor fundamenta o mais insubsistente
Acabo de inventar um novo advérbio: helenamente
O mar a terra o fumo a pedra simultaneamente
Ruy Belo
¶ 5 de Setembro de 2022

¶ 5 de Setembro de 2022
Os sonhos extenuaram-me;
Batido pelas intempéries, sou tritão de mármore
No meio das torrentes;
E
durante todo o dia contemplo
A beleza desta mulher
Como se num livro tivesse encontrado
Uma beldade retratada,
Satisfeito por assim saturar o olhar
Ou os ouvidos atentos,
Encantado por me achar sábio,
Pois os homens melhoram com os anos;
Ainda assim, ainda assim,
Será isto sonho meu ou a verdade?
Oh quem dera que nos tivéssemos conhecido
Quando em mim tinha a ardente juventude!
Mas entre sonhos vou envelhecendo,
Batido pelas intempéries, sou tritão de mármore
No meio das torrentes.
W. B. Yeats, trad. Frederico Pedreira
¶ 4 de Setembro de 2022

¶ 4 de Setembro de 2022
Se eu pudesse
ter-te em vez dos versos,
ou ter um verso
em vez de ti,
ou ter os olhos
para perscrutar a noite
onde isso se decide.
Pedro Mexia
¶ 3 de Setembro de 2022
Les oliviers baissent les bras
Les raisins rougissent du nez
Et le sable est devenu froid
Au blanc soleil
Maîtres baigneurs et saisonniers
Retournent à leurs vrais métiers
Et les santons seront sculptés
Avant Noël
C´est en septembre
Quand les voiliers sont dévoilés
Et que la plage tremble sous l´ombre
D´un automne dé-bronzé
C´est en septembre
Que l´on peut vivre pour de vrai
En été mon pays à moi
En été c´est n´importe quoi
Les caravanes le camping-gaz
Au grand soleil
La grande foire aux illusions
Les slips trop courts, les shorts trop longs
Les Hollandaises et leurs melons
De Cavaillon
C´est en septembre
Quand l´été remet ses souliers
Et que la plage est comme un ventre
Que personne n´a touché
C´est en septembre
Que mon pays peut respirer
Pays de mes jeunes années
Là où mon père est enterré
Mon école était chauffée
Au grand soleil
Au mois de mai, moi je m´en vais
Et je te laisse aux étrangers
Pour aller faire l´étranger moi-même
Sous d´autres ciels
Mais en septembre
Quand je reviens où je suis né
Et que ma plage me reconnaît
Ouvre des bras de fiancée
C´est en septembre
Que je me fais la bonne année
C´est en septembre
Que je m´endors sous l´olivier
Gilbert Becaud / Maurice Vidalin
¶ 2 de Setembro de 2022

¶ 2 de Setembro de 2022
Desejei-te pinheiro à beira-mar
para fixar o teu perfil exacto.
Desejei-te encerrada num retrato
para
poder-te contemplar.
Desejei que tu fosses sombra e folhas
no limite sereno dessa praia.
E desejei: «Que nada me distraia
dos horizontes que tu olhas!»
Mas frágil e humano grão de areia
não me detive à tua sombra esguia.
(Insatisfeito, um corpo rodopia
na solidão que te rodeia.)
David Mourão-Ferreira
¶ 1 de Setembro de 2022
Volto contigo à terra da ilusão,
mas o lar de meus pais levou-o vento
e se levou a pedra dos umbrais
o resto é esquecimento:
Procurar o amor neste deserto
onde tudo me ensina a viver só
e a água do teu nome se desfaz
em silabas de pó
é procurar a morte apenas,
o perfume daquelas
longínquas açucenas
abertas sobre o mundo como estrelas:
Despenhar no meu sono de criança
inutilmente a chuva da lembrança.
Carlos de Oliveira