Modus vivendi

"bene senescere sine timore nec spe"

blogue de Ana Roque

Arquivo de junho 2013


29 de Junho de 2013

São Pedro

spedro.jpg no seu dia, grazie mille


29 de Junho de 2013

É tão Suave a Fuga deste Dia

É tão Suave a Fuga deste Dia É tão suave a fuga deste dia, Lídia, que não parece que vivemos. Sem dúvida que os deuses Nos são gratos esta hora, Em paga nobre desta fé que temos Na exilada verdade dos seus corpos Nos dão o alto prêmio De nos deixarem ser Convivas lúcidos da sua calma, Herdeiros um momento do seu jeito De viver toda a vida Dentro dum só momento, Dum só momento, Lídia, em que afastados Das terrenas angústias recebemos Olímpicas delícias Dentro das nossas almas. E um só momento nos sentimos deuses Imortais pela calma que vestimos E a altiva indiferença Às coisas passageiras Como quem guarda a c'roa da vitória Estes fanados louros de um só dia Guardemos para termos, No futuro enrugado, Perene à nossa vista a certa prova De que um momento os deuses nos amaram E nos deram uma hora Não nossa, mas do Olimpo. Ricardo Reis


29 de Junho de 2013

Picasso

picasso.jpg os amantes felizes


29 de Junho de 2013

Ode

No magno dia até os sons são claros. Pelo repouso do amplo campo tardam. Múrmura, a brisa cala. Quisera, como os sons, viver das coisas Mas não ser delas, consequência alada Em que o real vai longe. Ricardo Reis


28 de Junho de 2013

Sagres

Sagres.jpg uma luz em fractais Fractais (do latim fractus, fração, quebrado) são figuras da geometria não-Euclidiana. A geometria fractal é o ramo da matemática que estuda as propriedades e comportamento dos fractais. Descreve muitas situações que não podem ser explicadas facilmente pela geometria clássica, e foram aplicadas em ciência, tecnologia e arte gerada por computador. As raízes conceituais dos fractais remontam a tentativas de medir o tamanho de objetos para os quais as definições tradicionais baseadas na geometria euclidiana falham. Um fractal é um objeto geométrico que pode ser dividido em partes, cada uma das quais semelhante ao objeto original. Diz-se que os fractais têm infinitos detalhes, são geralmente autossimilares e independem de escala. Em muitos casos um fractal pode ser gerado por um padrão repetido, tipicamente um processo recorrente ou iterativo. O termo foi criado em 1975 por Benoît Mandelbrot, matemático francês nascido na Polónia, que descobriu a geometria fractal na década de 70 do século XX, a partir do adjetivo latino fractus, do verbo frangere, que significa quebrar.


28 de Junho de 2013

Cumpre-te Hoje, não Esperando

Não queiras, Lídia, edificar no 'spaço Que figuras futuro, ou prometer-te Amanhã. Cumpre-te hoje, não 'sperando. Tu mesma és tua vida. Não te destines, que não és futura. Quem sabe se, entre a taça que esvazias, E ela de novo enchida, não te a sorte Interpõe o abismo? Ricardo Reis


27 de Junho de 2013

Zambujeira do Mar

zamb.jpg do sossego, em início de verão


27 de Junho de 2013

De várias espécies de faltas (nem todas suficientes)

Há várias situações que revoltam e embaraçam um indivíduo Por exemplo e para alguns a falta de pátria Para muitos dos mesmos e ainda outros a pátria que falta Muitas questões de e ou de ou, entre outras que ninguém sabe, a começar pelo próprio A falta de mais a falta de menos A falta de ser igual e a do direito As faltas justificadas e as que o são pouco ou nada As faltas de material e as de matéria interessada As faltas de sujeitos com diversos predicados do primeiro ao último tempo e modo do verbo a falta de gramáticas mais certas e dadas à mudança A falta que faz um outro alfabeto A falta de como e a de porquê A falta de consequência A falta que faz a vida A vida que falta A falta de barcos e culturas florescentes A falta de plantas na planta dos pés A falta de ser menino A falta de fazer meninos A falta de dias magníficos a falta de chuva A falta que faz começar de facto e de fato novo A falta de fins a falta de rins A falta que faz um excesso pequeno As faltas persistentes e as de persistência As de mudança e as da Constança A falta de arbítrio A falta do penalti As faltas que não fazem falta nenhuma A falta de jeito conduto e conduta A falta que faz conduzir na estrada escura A falta que faz a curva que falta A falta que faz e desfaz A falta não mencionável e a não mencionada A falta de fazer falta A falta que faz ter falta A falta que me fazes A falta de palavras mais claras A falta de poemas, de todos, apenas de alguns Rui A.


24 de Junho de 2013

São João Baptista

Andrea_del_Verrocchio_002.jpg João Batista (Judeia, 2 a.C. — 27 d.C.) foi um pregador judeu do início do século I, citado pelo historiador Flávio Josefo e os autores dos quatro Evangelhos da Bíblia, aqui pintado por Andrea di Francesco di Cione, conhecido como Andrea del Verrocchio


24 de Junho de 2013

O Passado é o Presente na Lembrança

Se recordo quem fui, outrem me vejo, E o passado é o presente na lembrança. Quem fui é alguém que amo Porém somente em sonho. E a saudade que me aflige a mente Não é de mim nem do passado visto, Senão de quem habito Por trás dos olhos cegos. Nada, senão o instante, me conhece. Minha mesma lembrança é nada, e sinto Que quem sou e quem fui São sonhos diferentes. Ricardo Reis


22 de Junho de 2013

Ferragudo II

ferragudo.2 hora diferente, a mesma calma


22 de Junho de 2013

O Jardim

Consideremos o jardim, mundo de pequenas coisas, calhaus, pétalas, folhas, dedos, línguas, sementes. Sequências de convergências e divergências, ordem e dispersões, transparência de estruturas, pausas de areia e de água, fábulas minúsculas. Geometria que respira errante e ritmada, varandas verdes, direcções de primavera, ramos em que se regressa ao espaço azul, curvas vagarosas, pulsações de uma ordem composta pelo vento em sinuosas palmas. Um murmúrio de omissões, um cântico do ócio. Eu vou contigo, voz silenciosa, voz serena. Sou uma pequena folha na felicidade do ar. Durmo desperto, sigo estes meandros volúveis. É aqui, é aqui que se renova a luz. António Ramos Rosa


21 de Junho de 2013

Ferragudo

Ferragudo.jpg beleza tranquila


21 de Junho de 2013

A Partir da Ausência

Imaginar a forma doutro ser Na língua, proferir o seu desejo O toque inteiro Não existir Se o digo acendo os filamentos desta nocturna lâmpada A pedra toco do silêncio densa Os veios de um sangue escuro Um muro vivo preso a mil raízes Mas não o vinho límpido de um corpo A lucidez da terra E se respiro a boca não atinge a nudez una onde começo Era com o sol E era um corpo Onde agora a mão se perde E era o espaço Onde não é O que resta do corpo? Uma matéria negra e fria? Um hausto de desejo retém ainda o calor de uma sílaba? As palavras soçobram rente ao muro A terra sopra outros vocábulos nus Entre os ossos e as ervas, uma outra mão ténue refaz o rosto escuro doutro poema António Ramos Rosa


21 de Junho de 2013

Verão inteiro

Non-aspettare-che-le-allodole.jpg projeto para três meses


21 de Junho de 2013

Verão

O verão 2013 começou no dia 21 de junho de 2013, exatamente às 05:04 horas em Portugal. Este momento é conhecido como Solstício de verão, quando o Sol, assim como o vemos a partir da Terra, atinge a maior declinação em latitude, medida a partir da linha do Equador. O termo "solstício" vem do Latim e é composto por duas palavras: sol (sol) e sistere (que não se mexe).Solstício significa, pois, "sol parado", uma vez que, para o observador na Terra, o sol parece manter uma posição fixa ao nascer e no ocaso, durante algum tempo.


21 de Junho de 2013

Do amor em visita

(excerto) Começa o tempo onde a boca se desfaz na lua, onde a beleza que transportas como um peso árduo se quebra em glória junto ao meu flanco martirizado e vivo. - Para consagração da noite erguerei um violino, beijarei tuas mãos fecundas, e à madrugada darei minha voz confundida com a tua. Oh teoria de instintos, dom de inocência, taça para beber junto à perturbada intimidade em que me acolhes. Começa o tempo na insuportável ternura com que te adivinho, o tempo onde a vária dor envolve o barro e a estrela, onde o encanto liga a ave ao trevo. E em sua medida ingénua e cara, o que pressente o coração engasta seu contorno de lume ao longe. Bom será o tempo, bom será o espírito, boa será nossa carne presa e morosa. - Começa o tempo onde se une a vida à nossa vida breve. Estás profundamente na pedra e a pedra em mim, ó urna salina, imagem fechada em sua força e pungência. E o que se perde de ti, como espírito de música estiolado em torno das violas, a morte que não beijo, a erva incendiada que se derrama na íntima noite - o que se perde de ti, minha voz o renova num estilo de prata viva. Quando o fruto empolga um instante a eternidade inteira, eu estou no fruto como sol e desfeita pedra, e tu és o silêncio, a cerrada matriz de sumo e vivo gosto. - E as aves morrem para nós, os luminosos cálices das nuvens florescem, a resina tinge a estrela, o aroma distancia o barro vermelho da manhã. E estás em mim como a flor na ideia e o livro no espaço triste. Se te aprendessem minhas mãos, forma do vento na cevada pura, de ti viriam cheias minhas mãos sem nada. Se uma vida dormisses em minha espuma, que frescura indecisa ficaria no meu sorriso? - No entanto és tu que te moverás na matéria da minha boca, e serás uma árvore dormindo e acordando onde existe o meu sangue. Beijar teus olhos será morrer pela esperança. Ver no aro de fogo de uma entrega tua carne de vinho roçada pelo espírito de Deus será criar-te para luz dos meus pulsos e instante do meu perpétuo instante. - Eu devo rasgar minha face para que a tua face se encha de um minuto sobrenatural, devo murmurar cada coisa do mundo até que sejas o incêndio da minha voz. As águas que um dia nasceram onde marcaste o peso jovem da carne aspiram longamente a nossa vida. As sombras que rodeiam o êxtase, os bichos que levam ao fim do instinto seu bárbaro fulgor, o rosto divino impresso no lodo, a casa morta, a montanha inspirada, o mar, os centauros do crepúsculo - aspiram longamente a nossa vida. Por isso é que estamos morrendo na boca um do outro. Por isso é que nos desfazemos no arco do verão, no pensamento da brisa, no sorriso, no peixe, no cubo, no linho, no mosto aberto - no amor mais terrível do que a vida. Beijo o degrau e o espaço. O meu desejo traz o perfume da tua noite. Murmuro os teus cabelos e o teu ventre, ó mais nua e branca das mulheres. Correm em mim o lacre e a cânfora, descubro tuas mãos, ergue-se tua boca ao círculo de meu ardente pensamento. Herberto Helder


19 de Junho de 2013

Dolores Courtney

courtney%20still%20life%20HR%201.jpg still life


19 de Junho de 2013

De repente os nomes e outras coisas

Dizia-me uma vez um antiquário de pouco aceitada e imprevista idade: «Continua». E não se referia ao chá que eu bebia, entre copos de outros, antes preferiu repetir «continua», por preferir na altura ser percebido, «continua, continua.» Eu sei como havia ali um misto monstro de simpatia, Alguma elegia, Surpresa e prodígio, alimentado a plantas ácidas. E desencanto nos olhos com o seu tempo Olhar por dentro e para fora tem destas coisas. E à distância tudo pode ser alvo e meta poesia Por exemplo ouço agora um tango com sabor a festa e sangue e máscaras Mas ainda há pouco era Lluís Llach (que me aparece mais que a Dona Eulália, faz tempo que a não vejo) em vivo, com Campanades a morts E é impossível não chorar É impossível esquecer Estranhas derivações, estas espumas de dias por vir E entre tanto que não digo apetece hoje um canto Cigano. Melhor parar e ouvir o Mar Os seus segredos Lamento é claro não saber o nome claro do claro antiquário Rui A.


16 de Junho de 2013

Alice Soares

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16 de Junho de 2013

A Vida

A vida, as suas perdas e os seus ganhos, a sua mais que perfeita imprecisão, os dias que contam quando não se espera, o atraso na preocupação dos teus olhos, e as nuvens que caíram mais depressa, nessa tarde, o círculo das relações a abrir-se para dentro e para fora dos sentidos que nada têm a ver com círculos, quadrados, rectângulos, nas linhas rectas e paralelas que se cruzam com as linhas da mão; a vida que traz consigo as emoções e os acasos, a luz inexorável das profecias que nunca se realizaram e dos encontros que sempre se soube que se iriam dar, mesmo que nunca se soubesse com quem e onde, nem quando; essa vida que leva consigo o rosto sonhado numa hesitação de madrugada, sob a luz indecisa que apenas mostra as paredes nuas, de manchas húmidas no gesso da memória; a vida feita dos seus corpos obscuros e das suas palavras próximas. Nuno Júdice


15 de Junho de 2013

Praia Grande

praia%20gr%20p%C3%AAra.JPG Pêra


15 de Junho de 2013

Ode à Paz

Pela verdade, pelo riso, pela luz, pela beleza, Pelas aves que voam no olhar de uma criança, Pela limpeza do vento, pelos actos de pureza, Pela alegria, pelo vinho, pela música, pela dança, Pela branda melodia do rumor dos regatos, Pelo fulgor do estio, pelo azul do claro dia, Pelas flores que esmaltam os campos, pelo sossego dos pastos, Pela exactidão das rosas, pela Sabedoria, Pelas pérolas que gotejam dos olhos dos amantes, Pelos prodígios que são verdadeiros nos sonhos, Pelo amor, pela liberdade, pelas coisas radiantes, Pelos aromas maduros de suaves outonos, Pela futura manhã dos grandes transparentes, Pelas entranhas maternas e fecundas da terra, Pelas lágrimas das mães a quem nuvens sangrentas Arrebatam os filhos para a torpeza da guerra, Eu te conjuro ó paz, eu te invoco ó benigna, Ó Santa, ó talismã contra a indústria feroz. Com tuas mãos que abatem as bandeiras da ira, Com o teu esconjuro da bomba e do algoz, Abre as portas da História, deixa passar a Vida! Natália Correia


12 de Junho de 2013

Carlos Reis

carlos%20reis.jpg outros verões


12 de Junho de 2013

A Minha Alma Partiu-se

A minha alma partiu-se como um vaso vazio. Caiu pela escada excessivamente abaixo. Caiu das mãos da criada descuidada. Caiu, fez-se em mais pedaços do que havia loiça no vaso. Asneira? Impossível? Sei lá! Tenho mais sensações do que tinha quando me sentia eu. Sou um espalhamento de cacos sobre um capacho por sacudir. Fiz barulho na queda como um vaso que se partia. Os deuses que há debruçam-se do parapeito da escada. E fitam os cacos que a criada deles fez de mim. Não se zanguem com ela. São tolerantes com ela. O que era eu um vaso vazio? Olham os cacos absurdamente conscientes, Mas conscientes de si mesmos, não conscientes deles. Olham e sorriem. Sorriem tolerantes à criada involuntária. Alastra a grande escadaria atapetada de estrelas. Um caco brilha, virado do exterior lustroso, entre os astros. A minha obra? A minha alma principal? A minha vida? Um caco. E os deuses olham-no especialmente, pois não sabem por que ficou ali. Álvaro de Campos


11 de Junho de 2013

Lino António

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11 de Junho de 2013

Como este piano

Eu sei que mereces o lado poente dos dedos Eu sei que mereces o lado mais quente e primo dos sonhos Eu sei que mereces que haja mãos e olhos e ombros mais azuis Eu sei que mereces os pássaros e as asas E as copas das árvores mais altas E as espadas que cortam direitas a mágoa E todo o ouro de mundos e moinhos E paus que incomodem como merecem os poderes que nos querem mais quietos Eu sei que mereces cartas com letras amáveis e flores simpáticas e muito infinitas começadas em jota E rochas finas trepadeiras e areias de muitas cores e geografias Eu sei que mereces esquinas e elegâncias, cerejas e frutos vermelhos como este piano Rui A.


10 de Junho de 2013

Abel Cardoso

abel-cardoso.jpg retrato de Francisco Jácome, pintado em 1900


9 de Junho de 2013

Os Velhos

Todos nasceram velhos — desconfio. Em casas mais velhas que a velhice, em ruas que existiram sempre — sempre assim como estão hoje e não deixarão nunca de estar: soturnas e paradas e indeléveis mesmo no desmoronar do Juízo Final. Os mais velhos têm 100, 200 anos e lá se perde a conta. Os mais novos dos novos, não menos de 50 — enorm'idade. Nenhum olha para mim. A velhice o proíbe. Quem autorizou existirem meninos neste largo municipal? Quem infrigiu a lei da eternidade que não permite recomeçar a vida? Ignoram-me. Não sou. Tenho vontade de ser também um velho desde sempre. Assim conversarão comigo sobre coisas seladas em cofre de subentendidos a conversa infindável de monossílabos, resmungos, tosse conclusiva. Nem me vêem passar. Não me dão confiança. Confiança! Confiança! Dádiva impensável nos semblantes fechados, nos felpudos redingotes, nos chapéus autoritários, nas barbas de milénios. Sigo, seco e só, atravessando a floresta de velhos. Carlos Drummond de Andrade


8 de Junho de 2013

O Amor Bate na Porta

Cantiga do amor sem eira nem beira, vira o mundo de cabeça para baixo, suspende a saia das mulheres, tira os óculos dos homens, o amor, seja como for, é o amor. Meu bem, não chores, hoje tem filme de Carlito! O amor bate na porta o amor bate na aorta, fui abrir e me constipei. Cardíaco e melancólico, o amor ronca na horta entre pés de laranjeira entre uvas meio verdes e desejos já maduros. Entre uvas meio verdes, meu amor, não te atormentes. Certos ácidos adoçam a boca murcha dos velhos e quando os dentes não mordem e quando os braços não prendem o amor faz uma cócega o amor desenha uma curva propõe uma geometria. Amor é bicho instruído. Olha: o amor pulou o muro o amor subiu na árvore em tempo de se estrepar. Pronto, o amor se estrepou. Daqui estou vendo o sangue que escorre do corpo andrógino. Essa ferida, meu bem, às vezes não sara nunca às vezes sara amanhã. Daqui estou vendo o amor irritado, desapontado, mas também vejo outras coisas: vejo corpos, vejo almas vejo beijos que se beijam ouço mãos que se conversam e que viajam sem mapa. Vejo muitas outras coisas que não ouso compreender... Carlos Drummond de Andrade


7 de Junho de 2013

Gota d'água

Já lhe dei meu corpo Minha alegria Já estanquei meu sangue Quando fervia Olha a voz que me resta Olha a veia que salta Olha a gota que falta Pro desfecho da festa Por favor... Deixe em paz meu coração Que ele é um pote até aqui de mágoa E qualquer desatenção, faça não Pode ser a gota d'água... Já lhe dei meu corpo Minha alegria Já estanquei meu sangue Quando fervia Olha a voz que me resta Olha a veia que salta Olha a gota que falta Pro desfecho da festa Por favor... Deixe em paz meu coração Que ele é um pote até aqui de mágoa E qualquer desatenção, faça não Pode ser a gota d'água Pode ser a gota d'água Pode ser a gota d'água.... Chico Buarque


7 de Junho de 2013

o suporte da música

o suporte da música pode ser a relação entre um homem e uma mulher, a pauta dos seus gestos tocando-se, ou dos seus olhares encontrando-se, ou das suas vogais adivinhando-se abertas e recíprocas, ou dos seus obscuros sinais de entendimento, crescendo como trepadeiras entre eles. o suporte da música pode ser uma apetência dos seus ouvidos e do olfacto, de tudo o que se ramifica entre os timbres, os perfumes, mas é também um ritmo interior, uma parcela do cosmos, e eles sabem-no, perpassando por uns frágeis momentos, concentrado num ponto minúsculo, intensamente luminoso, que a música, desvendando-se, desdobra, entre conhecimento e cúmplice harmonia. Vasco Graça Moura


6 de Junho de 2013

Fernand Léger

0615-leger-3femmes.jpg três mulheres no meio dos traços


6 de Junho de 2013

Do estilo

o calendário ardente dos teus dias a lista das tuas agonias como se atreve como não ousa serenar serenar-te no ímpeto fugidio e secreto o sorriso a alva gravidade do estilo Ana Hatherly


4 de Junho de 2013

Certeza Se é real a luz branca desta lâmpada, real a mão que escreve, são reais os olhos que olham o escrito? Duma palavra à outra o que digo desvanece-se. Sei que estou vivo entre dois parênteses. Octavio Paz, trad. Luis Pignatelli


2 de Junho de 2013

Wyndham Lewis

lewis.jpg paciência(s), ou a curiosidade do porvir


2 de Junho de 2013

O Atalante – Jean Vigo (1934)

(gentileza refrescante de anónimo encartado) No dia em que fomos ver O Atalante Eu levava, por coincidência, um cubo de gelo no bolso do casaco. Lembro-me de tremer um pouco. Até aí, tudo bem. Pior, foi quando te ouvi pronunciar, distintamente: quem procura o seu amor debaixo de água, acaba constipado. Na altura, ri-me: pensei que falavas do filme. Sou tão estúpido. José Miguel Silva


1 de Junho de 2013

Fernand Léger

Fernand%20L%C3%A9ger.jpg


1 de Junho de 2013

Movimento

Se tu és a égua de âmbar eu sou o caminho de sangue Se tu és o primeiro nevão eu sou quem acende a fogueira da madrugada Se tu és a torre da noite eu sou o cravo ardendo em tua fronte Se tu és a maré matutina eu sou o grito do primeiro pássaro Se tu és a cesta de laranjas eu sou o punhal de sol Se tu és o altar de pedra eu sou a mão sacrílega Se tu és a terra deitada eu sou a cana verde Se tu és o salto do vento eu sou o fogo oculto Se tu és a boca da água eu sou a boca do musgo Se tu és o bosque das nuvens eu sou o machado que as corta Se tu és a cidade profunda eu sou a chuva da consagração Se tu és a montanha amarela eu sou os braços vermelhos do líquen Se tu és o sol que se levanta eu sou o caminho de sangue Octavio Paz, trad. Luis Pignatelli