¶ 31 de Dezembro de 2022
"bene senescere sine timore nec spe"
blogue de Ana Roque
Arquivo de dezembro 2022
¶ 31 de Dezembro de 2022
Todo o esplendor termina
¶ 30 de Dezembro de 2022
Eu sei que tudo muda
¶ 29 de Dezembro de 2022
Espero-te
¶ 28 de Dezembro de 2022
Paz
E por vezes lamento que quando a erva
Cresce sobre as pedras em vales tranquilos
E o panasco se inclina ao longo dos sulcos da carroça
Eu não seja a voz dos camaradas do campo
Que estão agora de pé nalgum promontório a falar
Sobre nabos e batatas ou milho novo
Ou rampas de relva debulhadas para a vitória.
Aqui a Paz ainda vende pelas ruas
Os seus pentes coloridos e cachecóis e contas de corno.
No alto de um promontório junto a uma sebe chorosa
Uma lebre senta-se a observar um regaço de folhas lavradas,
Há uma velha charrua num cume coberto de ervas daninhas
E alguém carrega aos ombros para casa a sela do arado.
Fora desta terra da infância quem são os loucos que sobem
Para lutar com os tiranos Amor e Vida e Tempo?
Patrick Kavanagh
¶ 27 de Dezembro de 2022
Em busca de um ideal
Novembro está a chegar e eu ainda espero por ti
Ó lesta ninfa que me escapaste quando
Te avistei entre alguns homens tolos
E com a força do meu desejo te ataquei.
Precipitadamente o fiz, gerei uma morte apaixonada,
Muito fácil, demasiado fácil, chorei então,
Não merecias uma gota pela minha caneta derramada.
Ó flor da luz comum, a emoção
Das coisas vulgares elevada à angélica condição
Saltou das tuas sedutoras pernas, segui-te
De Abril a Maio e de Junho até Setembro,
E tu mantiveste o comando até o alimento da paixão
Ficar bolorento dentro do meu alforge. Agora galanteio
As pegadas por ti deixadas através de Novembro.
Patrick Kavanagh
¶ 26 de Dezembro de 2022
o delírio do verbo
¶ 25 de Dezembro de 2022
Seremos prudentes
Crescerão campainhas sob as grandes árvores
E tu e eu estaremos lá em Maio;
Por algum motivo ambos teremos de adiar
A noite em Dunshaughlin –para agradar
Uma qualquer imaginária relação,
E então ambos iremos caminhar naquela plantação.
Estaremos interessados na erva,
Num velho balde de nora, na hera que tece
Uma incongruente verdura entre folhas mortas,
Deixaremos em espanto as carroças que passarem –
Olhando por vezes de soslaio as campainhas na plantação
Evitando assustá-las com bravia exclamação.
Seremos prudentes, não deixaremos perceberem
Que estamos a observá-las ou farão uma pose
De mera fachada como rapazes
Apanhados na naturalidade da virtude.
Não vamos impor às campainhas na plantação
Muita da nossa desejosa adulação.
Teremos outros amores – ou isso irão pensar;
Os narcisos ou os fetos ou as sarças,
Ou mesmo os desmaiados arames enferrujados,
Ou as violetas no bronzeado talude de azedas-bravas.
Além de todos, só as campainhas na plantação
Terão significado para a nossa negra contemplação.
Aprenderemos o amor a pouco e pouco, olhar a olhar.
Ah, o barro debaixo destas raízes é tão castanho!
Roubaremos o Paraíso enquanto Deus estiver na cidade –
Apanhei um anjo a sorrir fortuitamente
À espreita através dos troncos das árvores na plantação
Enquanto tu e eu caminhávamos lentamente para a estação.
Patrick Kavanagh
¶ 22 de Dezembro de 2022
A cultura é sempre qualquer coisa que foi
Jamais será manhã, sempre noite,
Pôr-do-sol dourado, idade de ouro —
Quando Shakespeare, Marlowe e Jonson escreviam
O futuro da Inglaterra página a página
Uma vala de urtigas selvagens foi o palco da Irlanda.
Jamais será Primavera, sempre Outono
Após uma colheita sempre perdida,
Quando Drake conquistava mares para a Inglaterra
Nós navegávamos em charcos do passado
Perseguindo o fantasma do mastro de Brendan.
As sementes entre o pó foram menos que poeira,
Poeira procurámos, ruína,
O jovem rebento erguendo-se nela asfixiado,
Amaldiçoado por estar no caminho —
E o mesmo ainda hoje é verdade.
A cultura é sempre qualquer coisa que foi,
Qualquer coisa que os pedantes podem avaliar,
Caveira de vate, fémur de chefe,
Profundidade de um rio seco.
Teremos de ser assim para sempre?
Teremos de ser assim para sempre?
Patrick Kavanagh
¶ 21 de Dezembro de 2022
Solstício de inverno
Solstício de inverno é um fenómeno astronómico que acontece todos os anos no dia 21 ou 22 de dezembro. Este ano, ocorrerá no dia 21 de dezembro de 2022, às 21h48. Nesse momento, o inverno começa em Portugal e em todo o hemisfério norte, e o verão começa no hemisfério sul. É o dia mais curto do ano e, consequentemente, o que tem a noite mais longa. A partir desta data, a duração do dia começa a crescer. Na antiguidade, o solstício de inverno simbolizava a vitória da luz sobre a escuridão; a palavra solstício significa "sol parado", do latim solstitius, e é a junção de sol e sistere, que significa "ficar parado".
O solstício de inverno ocorre quando o Sol atinge a maior distância angular em relação ao plano que passa pela linha do Equador, ou seja, quando o Sol se encontra mais a sul. Assim, o hemisfério em que acontece o solstício de inverno recebe menor incidência de raios solares.
¶ 20 de Dezembro de 2022
A realidade
¶ 19 de Dezembro de 2022
O Mel, Canto IX
¶ 19 de Dezembro de 2022
Um bom poema deve cheirar a chá
Pensar em contar poemas.
Emily lançou-os
numa caixa, não
consigo imaginá-la a contá-los,
apenas espalhou um pacote de chá
e escreveu um novo poema.
Parece-me correcto. Um bom poema
deve cheirar a chá.
Ou a terra crua e lenha acabada de rachar.
Olav H. Hauge
¶ 17 de Dezembro de 2022
Ansiedade
Os
últimos passos do dia pela casa
são os meus. Encerro a porta de entrada
na última ronda pela sala
deixo o
ruído da noite tomar a ruína
da alma. A manhã
que vai trazer? Será dia de perder?
Na arte da
grande roleta: o que irá tocar aos meus?
A trégua que agora me toma parece
querer demorar
mãe e filha já dormem dentro deste território
onde devo parecer norte
onde me
toca ser homem.
João Luís Barreto Guimarães
¶ 16 de Dezembro de 2022
Do cinzento
Num país a preto e branco
recomendaram-me o cinzento. Um recurso
extraordinário. Com a hipótese do cinzento poderia
ensaiar
soluções inusitadas
experimentar o morno (que não é frio nem
quente)
explorar o lusco-fusco (que
não é noite nem dia) praticar a omissão
(que não é mentira
nem verdade). Preto e branco misturados permitiam
finalmente
viver em conformidade
desocupar os extremos (tão alheios à virtude)
liquefazer-me na turba
no centro na
média
dourada. Com a paleta dos cinzentos poderia
aprimorar a arte da sobrevivência que
(como os mansos bem sabem) é
não estar vivo
nem morto.
João Luís Barreto Guimarães
¶ 15 de Dezembro de 2022
Aberto Todos os Dias
Alguém tem de amar
o banal. Alguém tem de tratar disso. Os
rostos que passam idênticos
como os pombos
de uma praça. A mala
que apenas fecha se alguém
se senta em cima. Insectos suicidando-se
contra o brilho dos faróis. O apetite
da ferrugem
nos portões da avenida. Alguém
tem de amar o vulgar (falar
do que é
ordinário). O cheiro a peixe frito que
sobe desde a cozinha. As luas que nascem dos
dedos quando
se roem as unhas. Alguém tem de amar
o que é feio
(trazê-lo para o poema). Só assim
por entre o impuro pode o
incêndio acontecer.
João Luís Barreto Guimarães
¶ 14 de Dezembro de 2022
the stories that shape our lives
Few things limit us more profoundly than our own beliefs about what we deserve, and few things liberate us more powerfully than daring to broaden our locus of possibility and self-permission for happiness. The stories we tell ourselves about what we are worthy or unworthy of — from the small luxuries of naps and watermelon to the grandest luxury of a passionate creative calling or a large and possible love — are the stories that shape our lives.
Maria Popova
¶ 13 de Dezembro de 2022
As raízes do voo
¶ 13 de Dezembro de 2022
Chegar à janela
¶ 11 de Dezembro de 2022
Clamor
¶ 11 de Dezembro de 2022
Estas rigorosas estrelas azuis
Estas rigorosas estrelas azuis,
que pretenderão elas?
e os rios se atropelem. As colinas
nada sentem debaixo da neve.
É a minha própria dor, a minha ferida
ali estendida, preta como ferro e sangrando
e prometendo voltar a ser verde e cantar.
Olav H. Hauge
¶ 10 de Dezembro de 2022
Despertar
pesado e escuro
e endurecido…
devagar as chamas consomem no inferno,
lentamente a verdade amanhece.
¶ 8 de Dezembro de 2022
o homem mais feliz do mundo
Eu sou o homem mais feliz do mundo
mentiria se dissesse que minto
quando declaro ser
o desgraçado mais feliz do mundo
nada tenho contra a parentela
nada tenho contra os meus inimigos
nada tenho contra os meus irmãos
resolvi os meus problemas pessoais
salvei-me por um triz mas salvei-me
repito-o para que não reste sombra de dúvida:
eu sou o homem mais feliz do mundo
dá-me vontade de soltar um uivo
e saltar de um sétimo andar
claro: sentir-me-ia mais feliz
se não fosse tão extraordinariamente feliz
se não fosse tão insolentemente feliz
se não fosse tão escandalosamente feliz
há que ter estômago de avestruz
para digerir tanta porcaria.
Nicanor Parra
¶ 7 de Dezembro de 2022
Manual
Em todas as tarefas, examina-lhes os antecedentes e as consequências e, só então, avança. Caso contrário, à partida estarás cheio de ardor por não teres previsto nenhuma das consequências, e, mais tarde, quando determinadas dificuldades se revelarem, vergonhosamente desistirás.
Epicteto
¶ 6 de Dezembro de 2022
Olha-me de novo
¶ 5 de Dezembro de 2022
Sete trabalhos voluntários e um acto sedicioso
1
o poeta atira pedras à lagoa
círculos concêntricos propagam-se
2
o poeta senta-se numa cadeira
dando corda a um relógio de bolso
3
o poeta lírico ajoelha-se
diante de uma cerejeira em flor
e começa a rezar um pai-nosso
4
o poeta disfarça-se de homem rã
e esconde-se no lago do parque
5
o poeta lança-se no vazio
pendurado num guarda-chuva
desde o último andar da Torre Diego Portales
6
o poeta resguarda-se no Túmulo do Soldado Desconhecido
e daí dispara flechas envenenadas contra os transeuntes
7
o poeta maldito
entretém-se atirando pássaros às pedras
ACTO SEDICIOSO
o poeta corta as veias
em homenagem ao seu país natal
Nicanor Parra
¶ 4 de Dezembro de 2022
Porque tudo se escreve com a tua letra
¶ 3 de Dezembro de 2022
Canção
¶ 3 de Dezembro de 2022
o fim de tudo
¶ 2 de Dezembro de 2022
O homem imaginário
O homem imaginário
vive numa mansão imaginária
rodeada de árvores imaginárias
à beira de um rio imaginário
Das paredes que são imaginárias
pendem antigos quadros imaginários
irreparáveis fendas imaginárias
que representam feitos imaginários
ocorridos em mundos imaginários
em lugares e tempos imaginários
Todas as tardes tardes imaginárias
sobe as escadas imaginárias
e aparece na varanda imaginária
a olhar a paisagem imaginária
que consiste num vale imaginário
rodeado de colinas imaginárias
Sombras imaginárias
vêm pelo caminho imaginário
entoando canções imaginárias
à morte do sol imaginário
E nas noites de lua imaginária
sonha com a mulher imaginária
que lhe ofereceu seu amor imaginário
volta a sentir essa mesma dor
esse mesmo prazer imaginário
e volta a palpitar
o coração do homem imaginário
Nicanor Parra
¶ 1 de Dezembro de 2022
Fui o que fui
Fraco de nascimento
Ainda que devoto da boa mesa;
De maçãs macilentas
E de mais abundantes orelhas;
Com um rosto quadrado