Modus vivendi

"bene senescere sine timore nec spe"

blogue de Ana Roque

Arquivo de janeiro 2022


31 de Janeiro de 2022

Francesco Mazzola

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31 de Janeiro de 2022

irreparável

Suave curva dolorosa
atenuando o bordo rijo
desse rosto derradeiro
de brancura infinita.

Impugnando-lhe a doçura,
a antinomia do tempo
acentuará os duros ângulos
num mapa de tristeza

irreparável. O sorriso
vago nela projecta um
brilho fosco de loiça antiga:

espreitando na carne
os dentes anunciam o resto.

Rui Knopfli


30 de Janeiro de 2022

Auguste Rodin

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30 de Janeiro de 2022

Da natureza

Há, para as criaturas que amam, um prazer infinito em encontrar nos acidentes da paisagem, na transparência do ar, nos perfumes da terra a poesia que têm na alma. A natureza fala por elas.

Balzac


30 de Janeiro de 2022

Ah, a música

Quem terá deixado esquecida
esta música ouvida num canto de rua?
Ninguém de quem passa nela repara
No  entanto - é ela - faltava
no dia de chuva
No meu dia de chuva?
Meu seria decerto este dia
pois por mais precário que eu seja
nenhuma chuva fora podia
cair se acaso em mim não caísse
Cai chuva e há música em meu coração
Era mera ilusão o dia de chuva

Ruy Belo


29 de Janeiro de 2022

Ary de Vois

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29 de Janeiro de 2022

Horas lisas de luz baça

Horas lisas de luz baça, imperturbável. Passaram os ruídos do costume: as latas na carrinha do trolha, o camião do lixo, o padeiro.
Mal abanaram o ar calado, salto de rã na água quieta.
O sol demora e o dia já não vai pequeno. Esta coisa luz cinzenta morna cola-se dentro da gente.
É preciso escolher os gestos, que as palavras também podem ser mudas. Para que a tarde não doa, não se apague riso, os olhos, as mãos e os passeios no regresso dos rebanhos prenhe de manhãs.

Zeferino Silva


29 de Janeiro de 2022

pelo teu amor

Nomeei-te no meio dos meus sonhos
chamei por ti na minha solidão
troquei o céu azul pelos teus olhos
e o meu sólido chão pelo teu amor

Ruy Belo


28 de Janeiro de 2022

Ipolit Strâmbu

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28 de Janeiro de 2022

em pleno vento

Para atravessar contigo o deserto do mundo
Para enfrentarmos juntos o terror da morte
Para ver a verdade para perder o medo
Ao lado dos teus passos caminhei
Por ti deixei meu reino meu segredo
Minha rápida noite meu silêncio
Minha pérola redonda e seu oriente
Meu espelho minha vida minha imagem
E abandonei os jardins do paraíso
Cá fora à luz sem véu do dia duro
Sem os espelhos vi que estava nua
E ao descampado se chamava tempo
Por isso com teus gestos me vestiste
E aprendi a viver em pleno vento

Sophia de Mello Breyner Andresen


28 de Janeiro de 2022

A identidade é um equívoco

A identidade, como a pele,
renova-se, perde-se de sete
em sete anos, muda no mesmo
corpo, torna diferente
a permanência humana.
A identidade é a soma
das intenções, uma foto
instantânea para um propósito
imediato que não dura.
A identidade é um equívoco
para camuflar o coração.

Pedro Mexia


27 de Janeiro de 2022

Marius van Dokkum

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27 de Janeiro de 2022

A tarde morre pelos dias fora

Feliz aquele que administra sabiamente
a tristeza e aprende a reparti-la pelos dias
Podem passar os meses e os anos nunca lhe faltará
Oh! como é triste envelhecer à porta
entretecer nas mãos um coração tardio
Oh como é triste arriscar em humanos regressos
o equilíbrio azul das extremas manhãs do verão
ao longo do mar transbordante de nós
no demorado adeus da nossa condição
É triste no jardim a solidão do sol
vê-lo desde o rumor e as casas da cidade
até uma vaga promessa de rio
e a pequenina vida que se concede às unhas
Mais triste é termos de nascer e morrer
e haver árvores ao fim da rua
É triste ir pela vida como quem
regressa e entrar humildemente por engano pela morte dentro
É triste no outono concluir
que era o verão a única estação
Passou o solitário vento e não o conhecemos
e não soubemos ir até ao fundo da verdura
como rios que sabem onde encontrar o mar
e com que pontes com que ruas com que gentes com que montes conviver
através de palavras de uma água para sempre dita
Mas o mais triste é recordar os gestos de amanhã
Triste é comprar castanhas depois da tourada
entre o fumo e o domingo na tarde de novembro
e ter como futuro o asfalto e muita gente
e atrás a vida sem nenhuma infância
revendo tuido isto algum tempo depois
A tarde morre pelos dias fora
É muito triste andar por entre Deus ausente
Mas, ó poeta, administra a tristeza sabiamente.

Ruy Belo


26 de Janeiro de 2022

Amedeo Modigliani

Amedeo Modigliani.jpg


26 de Janeiro de 2022

Tu estás aqui

Estás aqui comigo à sombra do sol
escrevo e oiço certos ruídos domésticos
e a luz chega-me humildemente pela janela
e dói-me um braço e sei que sou o pior aspecto do que sou
Estás aqui comigo e sou sumamente quotidiano
e tudo o que faço ou sinto como que me veste de um pijama
que uso para ser também isto este bicho
de hábitos manias segredos defeitos quase todos desfeitos
quando depois lá fora na vida profissional ou social só sou um nome e sabem o que sei o
que faço ou então sou eu que julgo que o sabem
e sou amável selecciono cuidadosamente os gestos e escolho as palavras
e sei que afinal posso ser isso talvez porque aqui sentado dentro de casa sou outra coisa
esta coisa que escreve e tem uma nódoa na camisa e só tem de exterior
a manifestação desta dor neste braço que afecta tudo o que faço
bem entendido o que faço com este braço
Estás aqui comigo e à volta são as paredes
e posso passar de sala para sala a pensar noutra coisa
e dizer aqui é a sala de estar aqui é o quarto aqui é a casa de banho
e no fundo escolher cada uma das divisões segundo o que tenho a fazer
Estás aqui comigo e sei que só sou este corpo castigado
passado nas pernas de sala em sala. Sou só estas salas estas paredes
esta profunda vergonha de o ser e não ser apenas a outra coisa
essa coisa que sou na estrada onde não estou à sombra do sol
Estás aqui e sinto-me absolutamente indefeso
diante dos dias. Que ninguém conheça este meu nome
este meu verdadeiro nome depois talvez encoberto noutro
nome embora no mesmo nome este nome
de terra de dor de paredes este nome doméstico
Afinal fui isto nada mais do que isto
as outras coisas que fiz fi-las para não ser isto ou dissimular isto
a que somente não chamo merda porque ao nascer me deram outro nome
que não merda
e em princípio o nome de cada coisa serve para distinguir uma coisa das
outras coisas
Estás aqui comigo e tenho pena acredita de ser só isto
pena até mesmo de dizer que sou só isto como se fosse também outra coisa
uma coisa para além disto que não isto

Estás aqui comigo e tenho pena acredita de ser só isto
pena até mesmo de dizer que sou só isto como se fosse também outra coisa
uma coisa para além disto que não isto
Estás aqui comigo deixa-te estar aqui comigo
é das tuas mãos que saem alguns destes ruídos domésticos
mas até nos teus gestos domésticos tu és mais que os teus gestos domésticos
tu és em cada gesto todos os teus gestos
e neste momento eu sei eu sinto ao certo o que significam certas palavras como a palavra paz

Deixa-te estar aqui perdoa que o tempo te fique na face na forma de rugas
perdoa pagares tão alto preço por estar aqui
perdoa eu revelar que há muito pagas tão alto preço por estar aqui
prossegue nos gestos não pares procura permanecer sempre presente
deixa docemente desvanecerem-se um por um os dias
e eu saber que aqui estás de maneira a poder dizer
sou isto é certo mas sei que tu estás aqui

Ruy Belo


25 de Janeiro de 2022

Tom Roberts

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25 de Janeiro de 2022

O Universo não é uma ideia minha

O Universo não é uma ideia minha.
A minha ideia do Universo é que é uma ideia minha.
A noite não anoitece pelos meus olhos,
A minha ideia da noite é que anoitece por meus olhos.
Fora de eu pensar e de haver quaisquer pensamentos
A noite anoitece concretamente
E o fulgor das estrelas existe como se tivesse peso.

Alberto Caeiro


25 de Janeiro de 2022

Da matéria

O contrário da matéria
não é o espírito.
O contrário da matéria
não é a anti-matéria.
O contrário da matéria
é o olhar.

Pedro Mexia


24 de Janeiro de 2022

Edvard Munch

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24 de Janeiro de 2022

Sol de alvorada

Paralelamente sigo dois caminhos
Abstrato na visão de um céu profundo.
Nem um nem outro me serve, nem aquele
Destino que se insinua
Com voz semelhante à minha. O melhor mundo
Está por descobrir. Não seque a lua
Nem o perfil da proa. Vai direito
Ao vago, incerto, misterioso
Bater das velas sinalado de oculto.

Quero-me mais dentro de mim, mais desumano
Em comunhão suprema, surto e alado
Nas aragens noturnas que desdobram as vagas,
Chamam dorsos de peixe à tona de água
E precipitam asas na esteira de luz.
Da vida nada senão a melhoria
De um paraíso sonhado e procurado
Com ternura, coragem e espírito sereno.

Doçura luminosa de um olhar. Ameno
Brincar de almas verticais em pleno
Sol de alvorada que descerra as pálpebras.

Ruy Cinatti


23 de Janeiro de 2022

Henri Matisse

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23 de Janeiro de 2022

There is a magic

I am in need of music that would flow
Over my fretful, feeling finger-tips,
Over my bitter-tainted, trembling lips,
With melody, deep, clear, and liquid-slow.
Oh, for the healing swaying, old and low,
Of some song sung to rest the tired dead,
A song to fall like water on my head,
And over quivering limbs, dream flushed to glow!

There is a magic made by melody:
A spell of rest, and quiet breath, and cool
Heart, that sinks through fading colors deep
To the subaqueous stillness of the sea,
And floats forever in a moon-green pool,
Held in the arms of rhythm and of sleep.

Elizabeth Bishop


23 de Janeiro de 2022

Não respondas

Agora que o silêncio é um mar sem ondas,
E que nele posso navegar sem rumo,
Não respondas
Às urgentes perguntas
Que te fiz.
Deixa-me ser feliz
Assim,
Já tão longe de ti como de mim.
Perde-se a vida a desejá-la tanto.
Só soubemos sofrer, enquanto
O nosso amor
Durou.
Mas o tempo passou,
Há calmaria...
Não perturbes a paz que me foi dada.
Ouvir de novo a tua voz seria
Matar a sede com água salgada.

Miguel Torga


22 de Janeiro de 2022

Tom Roberts

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22 de Janeiro de 2022

Não há verdade

De mim não falo mais: não quero nada.
De Deus não falo: não tem outro abrigo.
Não falarei também do mundo antigo,
pois nasce e morre em cada madrugada.


Nem de existir,que é a vida atraiçoada,
para sentir o tempo andar comigo;
nem de viver,que é liberdade errada,
e foge todo o Amor quando o persigo.


Por mais justiça... Ai quantos que eram novos
em vão a esperaram porque nunca a viram!
E a eternidade... Ó transfusâo dos povos!


Não há verdade: o mundo não a esconde.
Tudo se vê: só se não sabe aonde.
Mortais ou imortais, todos mentiram.

Jorge de Sena


22 de Janeiro de 2022

razões

É por isso que escrevo, porque adoro o que as palavras podem fazer: as combinações inesperadas que podemos fazer e os sons que podemos obter com elas. É como uma percussão lírica. O gosto por essa qualidade lírica que as palavras podem ter é uma das primeiras coisas que nos seduz na linguagem. Depois ficamos interessados na estrutura, em como vamos estruturar uma história, na arquitectura do livro. Há muitos níveis pelos quais nos podemos sentir atraídos pela linguagem.

Damon Galgut


21 de Janeiro de 2022

Thomas Graham

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21 de Janeiro de 2022

O tempo altera tudo

(...) as vidas das pessoas mudam, os pensamentos mudam, os corpos mudam. Isso é interessante, o tempo e as mudanças que ele traz. A uma grande escala, para o país. E a uma escala mais reduzida para cada indivíduo. As mudanças individuais são aquelas que sinto de forma mais forte. Envelhecemos, sentimos o que acontece à nossa vida, mas no fundo das nossas mentes estamos atentos ao que acontece no espaço nacional e talvez internacional. O tempo altera tudo. Esse é o verdadeiro tema, o tempo e as mudanças que traz.

Damon Galgut


21 de Janeiro de 2022

Da alquimia

Diante de um filme somos mais ou menos passivos, recebemos o que ele nos dá. Diante de um livro é-nos requerido mais trabalho enquanto leitores, a nossa imaginação é mais requisitada e o que imagino enquanto leitor é diferente daquilo que você imagina e é isso que é tão especial e único no trabalho com palavras. É uma alquimia que acontece entre um escritor e um leitor em particular. Escrever a partir de uma mudança de perspectiva, embora seja semelhante em muitos aspectos com o cinema, não é o mesmo porque se fazem essas mudanças através da linguagem e essa linguagem pode cobrir uma grande quantidade de possibilidades. Gosto disso, de nunca sabermos exactamente que voz estamos a ouvir.

Damon Galgut


20 de Janeiro de 2022

Ipolit Strâmbu

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20 de Janeiro de 2022

Soneto à maneira de Camões

Esperança e desespero de alimento
me servem neste dia em que te espero
e já não sei se quero ou se não quero
tão longe de razoes é meu tormento.

Mas como usar amor de entendimento?
daquilo que te peço desespero
ainda que mo dês - pois o que eu quero
ninguém o dá senão por um momento.

Mas como és belo, o amor, de não durares,
de sertão breve e fundo o teu engano,
e de eu te possuir sem tu te dares.

Amor perfeito dado a um ser humano:
também morre o florir de mil pomares
E se quebram as ondas no oceano.

Sophia de Melo Breyner Andresen


19 de Janeiro de 2022

Robert Gwathmey

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19 de Janeiro de 2022

Da importância relativa

Não sou alguém com sucesso no mundo do cinema, mas continuo a pensar que é um bom exercício para os romancistas, principalmente porque ninguém no cinema leva a escrita muito a sério. A linguagem não é importante; o actor que não gostar das palavras irá dizê-las de outra maneira; o realizador se não gostar das frases corta-as; se o produtor achar que uma cena é supérflua vai editá-la ou transformá-la ou eliminá-la. Ninguém se preocupa com a escrita, e é bastante salutar para um romancista, para quem a linguagem é tudo, enfrentar essa noção de que não é assim tanto importante para os outros. Ajuda a não nos darmos tanta importância. Não faz mal de vez em quando ser alertado para o facto de a linguagem não ser a coisa mais importante.

Damon Galgut


19 de Janeiro de 2022

O Calendário Ardente dos Teus Dias

o calendário ardente dos teus dias
a lista das tuas agonias

como se atreve
como não ousa serenar
                              serenar-te

no ímpeto fugidio e secreto
                              o sorriso
a alva gravidade do estilo

Ana Hatherly


18 de Janeiro de 2022

Almada Negreiros

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18 de Janeiro de 2022

Brejo das Almas

Meu amigo, vamos sofrer,
vamos beber, vamos ler jornal,
vamos dizer que a vida é ruim,
meu amigo, vamos sofrer.
Vamos fazer um poema
ou qualquer outra besteira.
Fitar por exemplo uma estrela
por muito tempo, muito tempo
e dar um suspiro fundo
ou qualquer outra besteira.
Vamos beber uísque, vamos
beber cerveja preta e barata,
beber, gritar e morrer,
ou, quem sabe? beber apenas.
Vamos xingar a mulher,
que está envenenando a vida
com seus olhos e suas mãos
e o corpo que tem dois seios
e tem um embigo também.
Meu amigo, vamos xingar
o corpo e tudo que é dele
e que nunca será alma.
Meu amigo, vamos cantar,
vamos chorar de mansinho
e ouvir muita vitrola,
depois embriagados vamos
beber mais outros sequestros
(o olhar obsceno e a mão idiota)
depois vomitar e cair
e dormir.

Carlos Drummond de Andrade


17 de Janeiro de 2022

Não era isso

Não era isso que eu queria dizer,
queria dizer que na alma
(tu é que falaste na alma),
no fundo da alma, e no fundo
da ideia de alma, há talvez
alguma vibrante música física
que só a Matemática ouve,
a mesma música simétrica que dançam
o quarto, o silêncio,
a memória, a minha voz acordada,
a tua mão que deixou tombar o livro
sobre a cama, o teu sonho, a coisa sonhada;
e que o sentido que tudo isto possa ter
é ser assim e não diferentemente,
um vazio no vazio, vagamente ciente
de si, não haver resposta
nem segredo.

Manuel António Pina


17 de Janeiro de 2022

Thomas Jones

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17 de Janeiro de 2022

Momento

Enquanto eu fiquei alegre,
permaneceram um bule azul com um descascado no bico,
uma garrafa de pimenta pelo meio,
um latido e um céu limpidíssimo
com recém-feitas estrelas.
Resistiram nos seu lugares, em seus ofícios,
constituindo o mundo pra mim, anteparo
para o que foi um acometimento:
súbito é bom ter um corpo pra rir
e sacudir a cabeça. A vida é mais tempo
alegre do que triste. Melhor é ser.

Adélia Prado


16 de Janeiro de 2022

Poema destinado a haver domingo

Bastam-me as cinco pontas de uma estrela
E a cor dum navio em movimento.
E como ave, ficar parada a vê-la
E como flor, qualquer odor no vento.
Basta-me a lua ter aqui deixado
Um luminoso fio do cabelo
Para levar o céu todo enrolado
Na discreta ambição do meu novelo.
Só há espigas a crescer comigo
Numa seara para passear a pé
Esta distância achada pelo trigo
Que me dá só o pão daquilo que é.
Deixem ao dia a cama de um domingo
Para deitar um lírio que lhe sobre.
E a tarde cor-de-rosa de um flamingo
Seja o tecto da casa que me cobre
Baste o que o tempo traz na sua anilha
Como uma rosa traz Abril no seio.
E que o mar dê o fruto duma ilha
Onde o Amor por fim tenha recreio.
Poema destinado a haver domingo.

Natália Correia


16 de Janeiro de 2022

Aldemir Martins

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16 de Janeiro de 2022

the discovery of reality

Love is the perception of individuals. Love is the extremely difficult realisation that something other than oneself is real. Love, and so art and morals, is the discovery of reality.

The tragic freedom implied by love is this: that we all have an indefinitely extended capacity to imagine the being of others. Tragic, because there is no prefabricated harmony, and others are, to an extent we never cease discovering, different from ourselves... Freedom is exercised in the confrontation by each other, in the context of an infinitely extensible work of imaginative understanding, of two irreducibly dissimilar individuals. Love is the imaginative recognition of, that is respect for, this otherness.

Iris Murdoch


15 de Janeiro de 2022

Louis Buisseret

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15 de Janeiro de 2022

Acidentes

Partiu minha Senhora. Há muito já
que os sinais da cerimónia se alinhavam,
visíveis, sim, porém indecifráveis
pelos mortais.
Por exemplo, as magnólias recobriram
de púrpura os passeios. E na noite
passava às vezes a lição do júbilo
que há num solene adeus. Alguém talhava
novamente aquele mármore. A beleza
de um grande pensamento enchia as ruas.
Minha Senhora ainda se encontrava
na sua plena qualidade azul.
O seu olhar coincidia em tudo
com o olhar dos Aqueus.
Contrariamente àquilo que se pensou,
não deviam ao mar o tom das íris
mas ao fulgor precioso da palavra,
ao duro tracejado da palavra
através da montanha.
Esse relâmpago,
a escama da serpente reluzindo
sob o luar da Hélade.
Minha Senhora tinha esse segredo
preso dentro das mãos, um longo texto
que era um animal vivo, era um poema
com respiração.
Minha Senhora já esqueceu o número
das fontes que brotaram nas aldeias
por onda ela passou. Voava baixo
e achava tudo muito natural.
Falava-me, por vezes, dos abismos
fascinantes de Delfos. E eu temia
que ela não regressasse. Que perdesse,
como acontece frequentemente
aos muito sábios, a noção de casa.
Estava, porém, o tempo predisposto
para um grande final. E aportou
a Barca carregada de flores brancas,
tão cuidadosa quanto triunfal.
Houve uma alteração no nevoeiro
do rio, uma leveza da matéria,
um véu que proibia as aproximações
decerto não por arrogância.  Tudo
devia concentrar-se na tarefa.
Partiu minha Senhora. Nem deixou
que eu, como de costume, ajoelhasse
e lhe atasse as sandálias.  Ela própria,
inclinando-se, o fez. E ajeitou,
ao levantar-se, as pregas do vestido
a que o mimoso linho do Egipto
dava uma ondulação inimitável.
Partiu minha Senhora como Athena
Nikê, Athena Vitoriosa.
Ninguém ouviu sequer fechar-se a porta.

Hélia Correia
 


14 de Janeiro de 2022

Alvaro Dominguez

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14 de Janeiro de 2022

As palavras

As palavras aproximam:
prendem-soltam
são montanhas de espuma
que se faz-desfaz
na areia da fala

Soltam freios
abrem clareiras no medo
fazem pausa na aflição

Ou então não:
matam
afogam
separam definitivamente

Amando muito muito
ficamos sem palavras

Ana Hatherly


13 de Janeiro de 2022

Pelo lado de dentro

A pedra tem a boca junto do ouvido
E para dentro de si mesma sem cessar se diz.
Se cair nos olhos
Quebrar-se-á em pranto.
Se rodar no dorso
Vergar-me-á.
Pesa-me no bolso
E na cabeça.
Não é um pensamento.
É uma ideia ensimesmada. Uma pedra fechada
Pelo lado de dentro.

Daniel Faria


12 de Janeiro de 2022

Violeta Lópiz

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12 de Janeiro de 2022

dá-me a alegria

dá-me a alegria, a sem razão nenhuma que se veja,
dou-te alegria, a sem caminhos na clareira,
a de nenhum sinal em terra nua.
dá-me a tristeza, a toda certa sem fronteiras.
dou-te tristeza, a cinza em cinza devastada,
a oiro no silêncio debruada.

por águas me verti, por rios, sementes.
de terra me vestes, a sombra do dia,
o sítio das flechas no corpo, na árvore.
no sossego das chuvas me reparto.
ficas no escuro, nos ramos nos frutos,
embrulho novelo a desajeito.

a porta quase aberta diz que me recebes,
quase fechada diz que me visitas.
assim te visite, assim te receba.
nenhuma palavra que o gesto não faça.
de águas me vista, em terra me vertas.
no corpo das flechas o sítio, nos rios.

António Franco Alexandre


11 de Janeiro de 2022

Faz-se luz

Faz-se luz pelo processo
de eliminação de sombras
Ora as sombras existem
as sombras têm exaustiva vida própria
não dum e doutro lado da luz mas do próprio seio dela
intensamente amantes loucamente amadas
e espalham pelo chão braços de luz cinzenta
que se introduzem pelo bico nos olhos do homem
Por outro lado a sombra dita a luz
não ilumina realmente os objectos
os objectos vivem às escuras
numa perpétua aurora surrealista
com a qual não podemos contactar
senão como amantes
de olhos fechados
e lâmpadas nos dedos e na boca
 
Mário Cesariny


11 de Janeiro de 2022

David Hockney

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11 de Janeiro de 2022

Algumas Horas Outras

algumas horas outras invadiram as sedas, os perfumes
ácidos da louça, não serão recordadas, ou quanto mais
as recordarmos, mais a ignorância deitará
os corpos no tapume de vidros, para que em torno
se conciliem as vontades singulares, as
particularidades de um impetuoso alarme.
ou seja: deixarão as esplanadas baças, os garfos
encolhidos, para que um amplo destino os atravesse.
considerem, por exemplo, o paquete que ao meio-dia
digere as minuciosas palmeiras sobre a
alta insensatez dos aquedutos. ou ainda
a ilusão dos alicates ao lado da água, e o seu reflexo
do outro lado das vidraças: azul, não é?
assim estas algumas outras horas: como esquecê-las?

António Franco Alexandre


10 de Janeiro de 2022

Aldemir Martins

Aldemir Martins7.jpeg


10 de Janeiro de 2022

Oh as casas as casas as casas

Oh as casas as casas as casas
as casas nascem vivem e morrem
Enquanto vivas distinguem-se umas das outras
distinguem-se designadamente pelo cheiro
variam até de sala pra sala
As casas que eu fazia em pequeno
onde estarei eu hoje em pequeno?
Onde estarei aliás eu dos versos daqui a pouco?
Terei eu casa onde reter tudo isto
ou serei sempre somente esta instabilidade?
As casas essas parecem estáveis
mas são tão frágeis as pobres casas
Oh as casas as casas as casas
mudas testemunhas da vida
elas morrem não só ao ser demolidas
ela morrem com a morte das pessoas
As casas de fora olham-nos pelas janelas
Não sabem nada de casas os construtores
os senhorios os procuradores
Os ricos vivem nos seus palácios
mas a casa dos pobres é todo o mundo
os pobres sim têm o conhecimento das casas
os pobres esses conhecem tudo
Eu amei as casas os recantos das casas
Visitei casas apalpei casas
Só as casas explicam que exista
uma palavra como intimidade
Sem casas não haveria ruas
as ruas onde passamos pelos outros
mas passamos principalmente por nós
Na casa nasci e hei-de morrer
na casa sofri convivi amei
na casa atravessei as estações
respirei - ó vida simples problema de respiração
Oh as casas as casas as casas

Ruy Belo


10 de Janeiro de 2022

Diz-me o teu nome

Diz-me o teu nome -- agora, que perdi
quase tudo, um nome pode ser o princípio
de alguma coisa. Escreve-o na minha mão
com os teus dedos -- como as poeiras se
escrevem, irrequietas, nos caminhos e os
lobos mancham o lençol da neve com os
sinais da sua fome. Sopra-mo no ouvido,
como a levares as palavras de um livro para
dentro de outro -- assim conquista o vento
o tímpano das grutas e entra o bafo do verão
na casa fria. E, antes de partires, pousa-o
nos meus lábios devagar; é um poema
açucarado que se derrete na boca e arde
como a primeira menta da infância.
Ninguém esquece um corpo que teve
nos braços um segundo -- um nome sim.

Maria do Rosário Pedreira


9 de Janeiro de 2022

Louis Buisseret

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9 de Janeiro de 2022

O Poema Ensina a Cair

O poema ensina a cair
sobre os vários solos
desde perder o chão repentino sob os pés
como se perde os sentidos numa
queda de amor, ao encontro
do cabo onde a terra abate e
a fecunda ausência excede

até à queda vinda
da lenta volúpia de cair,
quando a face atinge o solo
numa curva delgada subtil
uma vénia a ninguém de especial
ou especialmente a nós uma homenagem
póstuma.

Luiza Neto Jorge


9 de Janeiro de 2022

Lourdes Castro

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9 de Janeiro de 2022

Abertura e silêncio

O teu vazio firme não conhece outro
som a não ser
o do seu próprio eco:
esse rumor diluído em transparência
que vai fechando, em ti, a eternidade.

Jaime Siles, trad. Nuno Júdice


8 de Janeiro de 2022

As sombras de Lourdes

Caminha como o teu coração te leva. E eu acho que tenho feito isso à minha maneira. A arte e a casa e o jardim e mais isto e mais aquilo, é tudo respirar. É respirar à sua maneira.

Lourdes Castro


8 de Janeiro de 2022

Ipolit Strâmbu

Ipolit Strambu1.jpg


8 de Janeiro de 2022

flores

prisioneiro que estás do inverno
começa já a celebrar
as flores no teu coração!

Bashô


8 de Janeiro de 2022

tão pouco sentimento

tão pouco sentimento é a emoção, que quando
do chão a levantamos se fez leve
maneira de outras águas

os camiões caminham para o norte
com serenos destroços
as maquinetas baças da invenção

será verão, os panos levantados;
terás no espelho a idade, o jeito quase
infeliz de ser homem;

o pouco amor te imita; e nunca
chegarás a saber que não existes.

António Franco Alexandre


7 de Janeiro de 2022

um processo interessante

Variações Goldberg é Anne Teresa de Keersmaeker a regressar a Bach, mas também ao passado, o que de imediato a põe a comparar a bailarina que é com a que já foi. Envelhecer parece-lhe, para já, "um processo interessante", mas isso não significa que, como intérprete, não sinta falta da impulsividade e da energia da juventude, da capacidade de maravilhamento quase permanente, do risco pouco controlado.

Com a idade ganhamos uma noção melhor de flexibilidade, passamos a contar com o conhecimento que acumulámos, depuramos cada gesto, conseguimos prever com maior certeza que efeito terá ou a que movimento pode levar. Mas a idade também nos obriga a sermos mais disciplinados na alimentação, no exercício, obriga-nos a sermos mais cuidadosos no estúdio e fora dele. Comparar um bailarino jovem a um bailarino mais velho é como comparar um velocista a um corredor de fundo. Ambos trabalham com o corpo, mas põem-no a funcionar de maneira muito diferente, e o rendimento que obtêm também difere. O corpo responde a ambos, mas não diz as mesmas coisas.

Anne Teresa de Keersameker


7 de Janeiro de 2022

Paul Klee

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7 de Janeiro de 2022

Primeiro, e sobretudo, uma bailarina

(...) E isto tudo com o corpo, que é um instrumento em que a passagem do tempo se faz notar de uma forma absolutamente directa

Anne Teresa de Keersameker


7 de Janeiro de 2022

Insónia

Que horas são? É escuro. Quase as três.
Parece que não torno a fechar os olhos.
O pastor da aldeia faz estalar o chicote à alvorada.
O vento frio soprará na janela
que dá para o pátio.
E estou só.
Não é verdade. Com
toda a onda penetrante do teu
ser puro, tu estás comigo.

Boris Pasternak, trad. Manuel de Seabra


6 de Janeiro de 2022

Koloman Moser

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6 de Janeiro de 2022

Ozymandias

I met a traveller from an antique land,
Who said--"Two vast and trunkless legs of stone
Stand in the desert. . . . Near them, on the sand,
Half sunk a shattered visage lies, whose frown,
And wrinkled lip, and sneer of cold command,
Tell that its sculptor well those passions read
Which yet survive, stamped on these lifeless things,
The hand that mocked them, and the heart that fed;
And on the pedestal, these words appear:
My name is Ozymandias, King of Kings;
Look on my Works, ye Mighty, and despair!
Nothing beside remains. Round the decay
Of that colossal Wreck, boundless and bare
The lone and level sands stretch far away."

Percy Bysshe Shelley


6 de Janeiro de 2022

Palavras minhas

Palavras que disseste e já não dizes,
palavras como um sol que me queimava,
olhos loucos de um vento que soprava
em olhos que eram meus, e mais felizes.
Palavras que disseste e que diziam
segredos que eram lentas madrugadas,
promessas imperfeitas, murmuradas
enquanto os nossos beijos permitiam.
Palavras que dizias, sem sentido,
sem as quereres, mas só porque eram elas
que traziam a calma das estrelas
à noite que assomava ao meu ouvido...
Palavras que não dizes, nem são tuas,
que morreram, que em ti já não existem
- que são minhas, só minhas, pois persistem
na memória que arrasto pelas ruas.

Pedro Tamen


5 de Janeiro de 2022

Ipolit Strâmbu

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5 de Janeiro de 2022

Aracne

Já estou a ficar velho, ainda que tenha
esta figura fixa sem idade,
e me mantenha em forma o aparelho
a que todos aqui somos sujeitos:
a correria cega, a suspensão elástica,
o salto em trave e trampolim de folhas,
e outras altas artes de ginástica.
Mas eu bem sei sentir além da aparência,
e já me aconteceu, ao visitar o canto
onde o mundo se acaba em chão de areia,
ali ver o meu fim anunciado.
Quando em tranquilo pouso assim medito,
peso, e calculo tudo aquilo
que não fiz, e não tive, e não alcanço
com o rosto extravagante que me deram,
já tudo bem pensado considero
se não devo encontrar algum consolo
na ciência que conduz o feiticeiro,
e acreditar também, como me diz,
que é, esta vida, emaranhada teia
de mal fiado, mal dobado fio,
e a morte tão somente um singular casulo
de onde sairei transfigurado.
Mas não sei de que valha imaginar
um outro ser incólume e perfeito
que da minha substância seja feito
e tome, noutro mundo, o meu lugar;
se me não lembra, como serei eu?
Se for quem sou, ainda que mude a capa,
há-de voltar aqui, onde hoje estou,
viver o mesmo instante, e ver
escapar-lhe das mãos o que me escapa;
veloz embora, e exímio no salto,
o que hoje perco, há-de então perdê-lo,
e faltar-lhe outra vez o que me falta.

António Franco Alexandre


4 de Janeiro de 2022

Louis Buisseret

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4 de Janeiro de 2022

O Teu Amor, Bem Sei

o teu amor, bem sei, é uma palavra musical,
espalha-se por todos nós com a mesma ignorância,
o mesmo ar alheio com que fazes girar, suponho, os epiciclos;
ergues os ombros e dizes, hoje, amanhã, nunca mais,
surpreende o vigor, a plenitude
das coxas masculinas, habituadas ao cansaço,
separamo-nos, à procura de sinais mais fixos,
e o circuito das chamas recomeça.

é um país subtil, o olho franco das mulheres,
há nos passeios garrafas com leite apenas cinzento,
os teus pais disseram: o melhor de tudo é ser engenheiro,
morrer de casaco, com todas as pirâmides acesas,
viajar de navio de buenos aires a montevideu.
esta é a viagem que não faremos nunca, soltos
na minuciosa tarde dos lábios,
ágil pobreza.

permanentemente floresce o horizonte em colinas,
os animais olham por dentro, cheios de vazio,
como um ladrão de pouca perícia a luz
desfaz devagarmente os corpos.
ele exclama: quando me libertarás da tosca voz dormida,
para que seja
alto e altivo o coração da coisas? até quando aguardarei,
no harmonioso beliche, que a tua visão cesse?

António Franco Alexandre


3 de Janeiro de 2022

Koloman Moser

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3 de Janeiro de 2022

A casa

A tua voz é vegetal e eleva-se com o vento.
Quero demorá-la, fazer dela uma casa
ou um tronco. Que seja a minha noite
com um ardor de eternidade. E a sabedoria
de estar entre plantas tranquilas.
Tudo estará comigo perto de uma nascente
e eu mover-me-ei entre nocturnas veias
e sobre as pedras lisas.
Vejo os barcos da sombra entre as constelações
e estou perto, estou perto. A minha casa é aqui.

António Ramos Rosa


2 de Janeiro de 2022

pacíficas laranjas

Estragas-me a paz.
e eu preciso das minhas solidões,
de bocados mentais sem ti.

Começo a ser doença obsessiva
ao repetir-me por poemas isto:
as tuas invasões à minha paz.
(Podia até em jeito original
por aqui umas notas sobre ti:
cf., vide: textos tal e tal)
Mas é que a minha paz fica toda es-
tragada quando te penso amor.

Interrompi os versos por laranjas.
E volto sempre a ti mesmo que não.
É estranho que pacíficas laranjas
não me consigam afastar de ti.

Ana Luísa Amaral


1 de Janeiro de 2022

Man Ray

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1 de Janeiro de 2022

Eu Sempre

Eu sempre a Platão assisto.
Pessoalmente, porém, e creia que não
Tenho qualquer insuficiência nisto,
Sou um romano da decadência total,
Aquela do século IV depois de Cristo,
Com os bárbaros à porta e Júpiter no quintal.

Mário Cesariny


1 de Janeiro de 2022

Aldemir Martins

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1 de Janeiro de 2022

Segredo

A poesia é incomunicável.
Fique torto no seu canto.
Não ame.
Ouço dizer que há tiroteio
ao alcance do nosso corpo.
É a revolução? o amor?
Não diga nada.
Tudo é possível, só eu impossível.
O mar transborda de peixes.
Há homens que andam no mar
como se andassem na rua.
Não conte.
Suponha que um anjo de fogo
varresse a face da terra
e os homens sacrificados
pedissem perdão.
Não peça.

Carlos Drummond de Andrade