¶ 31 de Julho de 2009
Franz Xavier Winterhalter
Imperatriz Eugénia, ou melancolia em beleza
"bene senescere sine timore nec spe"
blogue de Ana Roque
¶ 31 de Julho de 2009
(gentileza de Amélia Pais) Hei-de cantar este sol este poente esta terra lavrada pelo mar este povo que amassa docemente o pão espesso e escuro. Hei-de cantar o eco das origens destas rochas sólidas e puras. Deste chão em forma de poema onde a nossa luz nascente é a voz da manhã tépida e morna hei-de cantar os búzios e as conchas. Areais de corpos que se entregam. Acácias carmesim divinizadas. Que mais posso cantar? Talvez o nada que há em mim… Olinda Beja
¶ 30 de Julho de 2009
Poetry is a kind of lying, necessarily. To profit the poet or beauty. But also in that truth may be told only so. Those who, admirably, refuse to falsify (as those who will not risk pretensions) are excluded from saying even so much. Degas said he didn't paint what he saw, but what would enable them to see the thing he had. Jack Gilbert
¶ 30 de Julho de 2009
não há palavras para serem ditas nem gestos que denunciem qualquer lirismo não há beijos para serem acordados nem olhares para o álbum de recordações não há desejos para serem entregues nem adeuses não ensaiados Há, sim, prenúncio de chuva nas nuvens Elias Paz e Silva
¶ 29 de Julho de 2009
me comove a linguagem do carinho a vida não é só espinho Elias Paz e Silva
¶ 29 de Julho de 2009
minha mão esmaga a fantasia de todos os homens e cambaleia salpicada de suor minha mão modela palavras e crispa os dedos reinventando manhãs minha mão escreve (nos esgotos da cidade) um poema tão grande como a esperança Elias Paz e Silva
¶ 28 de Julho de 2009
The only people for me are the mad ones, the ones who are mad to live, mad to talk, mad to be saved, desirous of everything at the same time, the ones who never yawn or say a commonplace thing, but burn, burn, burn like fabulous yellow roman candles exploding like spiders across the stars... Jack Kerouac in On The Road
¶ 27 de Julho de 2009
(gentileza de Amélia Pais) Dir-se-ia de repente O horizonte é mais vasto e generoso O coração repousa Um pouco Distende as asas Mas sem levantar voo Alberto de Lacerda
¶ 26 de Julho de 2009
Other loves may sink and settle, other loves may loose and slack, But I wander like a minstrel with a harp upon his back, Though the harp be on my bosom, though I finger and I fret, Still, my hope is all before me: for I cannot play it yet. In your strings is hid a music that no hand hath e'er let fall, In your soul is sealed a pleasure that you have not known at all; Pleasure subtle as your spirit, strange and slender as your frame, Fiercer than the pain that folds you, softer than your sorrow's name. Not as mine, my soul's annointed, not as mine the rude and light Easy mirth of many faces, swaggering pride of song and fight; Something stranger, something sweeter, something waiting you afar, Secret as your stricken senses, magic as your sorrows are. But on this, God's harp supernal, stretched but to be stricken once, Hoary time is a beginner, Life a bungler, Death a dunce. But I will not fear to match them-no, by God, I will not fear, I will learn you, I will play you and the stars stand still to hear. G.K. Chesterton
¶ 26 de Julho de 2009
With the face goes a mirror As with the mind a world. Likeness tells the doubting eye That strangeness is not strange. At an early hour and knowledge Identity not yet familiar Looks back upon itself from later, And seems itself. To-day seems now. With reality-to-be goes time. With the mind goes a world. Wit the heart goes a weather. With the face goes a mirror As with the body a fear. Young self goes staring to the wall Where dumb futurity speaks calm, And between then and then Forebeing grows of age. The mirror mixes with the eye. Soon will it be the very eye. Soon will the eye that was The very mirror be. Death, the final image, will shine Transparently not otherwise Than as the dark sun described With such faint brightnesses. Laura Riding
¶ 26 de Julho de 2009
(gentileza de Amélia Pais) Os sábios perfeitos da Antiguidade eram tão agudos, tão subtis, tão profundos e tão universais que não se podia conhecê-los. Não podendo conhecê-los, era necessário esforço para os compreender: Eram prudentes, como quem passa um vau no Inverno; Hesitantes, como quem teme os seus vizinhos; Reservados como um convidado; Instáveis como o gelo que funde; Concentrados como o tronco de madeira bruto; Extensos como o vale; Turvos como a água lamacenta. Quem sabe pelo repouso passar pouco a pouco do escuro ao claro? e, pelo movimento, da calma à actividade? Quem quer que preserve em si uma tal experiência não deseja ser satisfeito. Não estando satisfeito, pode experimentar o habitual e renovar-se . Lao Tse
¶ 24 de Julho de 2009
(gentileza de Amélia Pais) aqueles corações honestos corta-se pelo frio não têm o beneplácito do sol nem a solução da ferocidade da lua e moram em corpos tristíssimos peões incapazes de saltarem para o cavalo que os levasse à torre. moram em mentes de artistas da rua da amargura em filhos únicos que morrerão sem descendência em poetas que não têm Shelley como advogado e que a idade começa a pesar no de outrora ouro esbanjado. a honestidade da impenetrável neve a descer num balão de ar frio sobre o quatro de rapariga com a decoração da adolescência o urso em cima do guarda-roupa a secretária com os dicionários aquele lugar que a torna inabitante incapaz de adequar um corpo que cresceu com formas e sem forma de ser de novo expelido. a beleza do cheiro que há nas flores que há no recôndito calor do corpo às sombras consigo a acumular o pó que seria só dos móveis aquele corpo deitado como se pousasse para Matisse num fim de tarde e meticulosamente retirasse o coração e o pusesse na cabeceira alegando o descanso cinco minutos só que a acordasse no fim do quadro ou no fim da vida cinco minutos só de absoluta nudez. Ana Salomé
¶ 23 de Julho de 2009
A habitualidade do engodo consultado em oráculos desprovidos de verdades. A insensatez da vida se opõe em brados não ouvidos. O caco de vidro rasga a pele. O tema de amores conduzidos ao êxtase da permanência. Corpos habituados ao engodo dos resultados anteriores. Pedro Du Bois
¶ 23 de Julho de 2009
Teus olhos Lentos me dizem tudo, Meu coração acelera mudo. Elias Paz e Silva
¶ 23 de Julho de 2009
filtramos o cansaço em palavras, o sono cai gota-a-gota, a noite escorrega em luz: eu e o poema, num diálogo de equívocos. Elias Paz e Silva
¶ 22 de Julho de 2009
Dando-se nó no tempo acaba-se desatando vento. Elias Paz e Silva
¶ 22 de Julho de 2009
You did not come, And marching Time drew on, and wore me numb. Yet less for loss of your dear presence there Than that I thus found lacking in your make That high compassion which can overbear Reluctance for pure loving kindness' sake Grieved I, when, as the hope-hour stroked its sum, You did not come. You love me not, And love alone can lend you loyalty; --I know and knew it. But, unto the store Of human deeds divine in all but name, Was it not worth a little hour or more To add yet this: Once you, a woman, came To soothe a time-torn man; even though it be You love me not. Thomas Hardy
¶ 21 de Julho de 2009
Não, sobretudo não digas que a natureza é bela. O que chamas natureza é apenas a casca do planeta Arranhada esta casca ela nos remete a um mundo ignoto colossal estupendo bárbaro A natureza é leão que rasga a presa. Eliane Pantoja Vaidya
¶ 21 de Julho de 2009
(gentileza de amélia PaisA Estrada espelhada nos teus olhos velados de água, Arbustos ao lusco-fusco de um campo alagado, Não te assustes nem mexas, porque é assim. Nunca perturbes no bosque do Volga a imobilidade. Arseni Tarkovski, trad. Paulo da Costa Domingos
¶ 20 de Julho de 2009
Por todo o caminho, te levo comigo, como quem carrega o próprio coração nas mãos, pulsando. Como quem bebe um vinho precioso, deixando que o líquido se espalhe e molhe o rosto. Por todo o caminho, te levo comigo, como quem arranca um punhado de mato e põe no bolso, só para sentir a raiz entre os dedos. Te levo comigo, sobre os ombros, até o alto da mais alta das montanhas. Kátia Borges
¶ 20 de Julho de 2009
...Pergunto-me se me esqueceriam, se eu abrisse as portas e me afastasse e virasse árvore... Sylvia Plath Com zelo e alguma tristeza, guardo coisas: cartas antigas, fotos antigas, calendários. Se me perguntarem a razão, direi que sei, direi que um dia [saberei... Há quase um ano aguardo notícias importantes, dentro desta caixa de abelhas. Todas as noites, o carcereiro chega, põe sua cabeça na pequena grade e ri. Amanhã mesmo deixo esta coisas, esta caixa. É algo que assumo cuidadosa, como se soubesse que não vou [voltar, como se conhecesse o rosto que se oculta, ou como se mentisse, quando sinto que sei. Ontem mesmo o carcereiro esqueceu-se de vir. Minhas lembranças zuniram tontas, entre as paredes desta caixa, doloridas de saudade. Kátia Borges
¶ 20 de Julho de 2009
Quando um sentimento termina sentimos a dor de não mais sentir dor temos saudade da saudade que tínhamos vem a tristeza da tristeza que acabou. Valéria Nogueira Eik
¶ 19 de Julho de 2009
gentileza de Amélia Pais) Eu cantei, não o nego, eu algum dia Cantei do injusto Amor o vencimento, Sem saber que o veneno mais violento Nas doces expressões falso encobria. Que Amor era benigno, eu persuadia A qualquer coração de Amor isento; Inda agora de Amor cantara atento, Se lhe não conhecera a aleivosia. Ninguém de Amor se fie: agora canto Somente os seus enganos, porque sinto Que me tem destinado estrago tanto. De seu favor hoje as quimeras pinto: Amor de uma alma é pesaroso canto; Amor de um coração é labirinto. Cláudio Manoel da Costa
¶ 19 de Julho de 2009
"How should a poet properly live and write? What is his relationship to be to his own voice, his own place, his literary heritage and his contemporary world?" Seamus Heaney
¶ 18 de Julho de 2009
Muitos são os mestres poucos são os sábios mas existe alguém infalível e justo amoroso e fiel habitante do meu interior que sussurra verdades e silencia mentiras na ânsia de mostrar que ele e eu somos um dividindo o mesmo espaço gerando essa dualidade que fortalece, mais e mais a unidade indivisível e imortal. Valéria Nogueira Eik
¶ 18 de Julho de 2009
Hoje não quero falar de dor nem de amor não quero pensamentos nem palavras somente o silêncio desta paz que me invade somente a preguiça deste descanso esperado. Hoje não quero andar não quero correr não quero pensar! Meus movimentos são letárgicos meu coração se arrasta, lento. Não é tristeza não é saudade. Apenas uma alegria cansada precisando cochilar. Valéria Nogueira Eik
¶ 17 de Julho de 2009
Não direi: Que o silêncio me sufoca e amordaça. Calado estou, calado ficarei, Pois que a língua que falo é de outra raça. Palavras consumidas se acumulam, Se represam, cisterna de águas mortas, Ácidas mágoas em limos transformadas, Vaza de fundo em que há raízes tortas. Não direi: Que nem sequer o esforço de as dizer merecem, Palavras que não digam quanto sei Neste retiro em que me não conhecem. Nem só lodos se arrastam, nem só lamas, Nem só animais bóiam, mortos, medos, Túrgidos frutos em cachos se entrelaçam No negro poço de onde sobem dedos. Só direi, Crispadamente recolhido e mudo, Que quem se cala quando me calei Não poderá morrer sem dizer tudo. José Saramago
¶ 16 de Julho de 2009
I thought of your beauty, and this arrow, Made out of a wild thought, is in my marrow. There's no man may look upon her, no man, As when newly grown to be a woman, Tall and noble but with face and bosom Delicate in colour as apple blossom. This beauty's kinder, yet for a reason I could weep that the old is out of season. William Butler Yeats
¶ 16 de Julho de 2009
Há na memória um rio onde navegam Os barcos da infância, em arcadas De ramos inquietos que despregam Sobre as águas as folhas recurvadas. Há um bater de remos compassado No silêncio da lisa madrugada, Ondas brancas se afastam para o lado Com o rumor da seda amarrotada. Há um nascer do sol no sítio exacto, À hora que mais conta duma vida, Um acordar dos olhos e do tacto, Um ansiar de sede inextinguida. Há um retrato de água e de quebranto Que do fundo rompeu desta memória, E tudo quanto é rio abre no canto Que conta do retrato a velha história. José Saramago
¶ 15 de Julho de 2009
(gentileza de Amélia Pais) Quem bate à minha porta não me busca. Procura sempre aquele que não sou e, vulto imóvel atrás de qualquer muro, é meu sósia ou meu clone, em mim oculto. Que saiba quem me busca e não me encontra: sou aquele que está além de mim, sombra que bebe o sol, angra e laguna unidos na quimera do horizonte. Sempre andei me buscando e não me achei: E ao pôr-do-sol, enquanto espero a vinda da luz perdida de uma estrela morta, sinto saudades do que nunca fui, do que deixei de ser, do que sonhei e se escondeu de mim atrás da porta. Ledo Ivo
¶ 15 de Julho de 2009
Na ilha por vezes habitada do que somos, há noites, manhãs e madrugadas em que não precisamos de morrer. Então sabemos tudo do que foi e será. O mundo aparece explicado definitivamente e entra em nós uma grande serenidade, e dizem-se as palavras que a significam. Levantamos um punhado de terra e apertamo-la nas mãos. Com doçura. Aí se contém toda a verdade suportável: o contorno, a vontade e os limites. Podemos então dizer que somos livres, com a paz e o sorriso de quem se reconhece e viajou à roda do mundo infatigável, porque mordeu a alma até aos ossos dela. Libertemos devagar a terra onde acontecem milagres como a água, a pedra e a raiz. Cada um de nós é por enquanto a vida. Isso nos baste. José Saramago
¶ 14 de Julho de 2009
Over my head, I see the bronze butterfly, Asleep on the black trunk, blowing like a leaf in green shadow. Down the ravine behind the empty house, The cowbells follow one another Into the distances of the afternoon. To my right, In a field of sunlight between two pines, The droppings of last year's horses Blaze up into golden stones. I lean back, as the evening darkens and comes on. A chicken hawk floats over, looking for home. I have wasted my life. James Wright
¶ 14 de Julho de 2009
Oculta consciência de não ser, Ou de ser num estar que me transcende, Numa rede de presenças e ausências, Numa fuga para o ponto de partida: Um perto que é tão longe, um longe aqui. Uma ânsia de estar e de temer A semente que de ser se surpreende, As pedras que repetem as cadências Da onda sempre nova e repetida Que neste espaço curvo vem de ti. José Saramago
¶ 14 de Julho de 2009
a cidade já não procura nossas esquinas páginas virgens onde nos escrevemos beijos Sandra Regina S. Baldessin
¶ 14 de Julho de 2009
Hope is itself a species of happiness, and, perhaps, the chief happiness which this world affords. Samuel Johnson
¶ 13 de Julho de 2009
antes a tua boca rompendo manhãs depois rompida a costura das noites dias fraturados. Sandra Regina S. Baldessin
¶ 12 de Julho de 2009
alforriei os teus canários primeiro depois soltei os laços do vestido voei Sandra Regina S. Baldessin
¶ 12 de Julho de 2009
não um poema que te cantasse árvore pedra sino antes um poema que calasse os rubis na tua boca de silêncio e fome um poema que se negasse Sandra Regina S. Baldessin
¶ 12 de Julho de 2009
It takes in reality only one to make a quarrel. It is useless for the sheep to pass resolutions in favour of vegetarianism while the wolf remains of a different opinion. William Ralph Inge
¶ 11 de Julho de 2009
Lady, lady, should you meet One whose ways are all discreet, One who murmurs that his wife Is the lodestar of his life, One who keeps assuring you That he never was untrue, Never loved another one . . . Lady, lady, better run! Dorothy Parker
¶ 11 de Julho de 2009
não guardei flores secas entre páginas da pele alvejei braços e pernas teu perfume já não é música para o meu nariz. Sandra Regina S. Baldessin
¶ 11 de Julho de 2009
“verdes letras bravias” Letras não te exprimem concreto substantivo - não-palavra; substância e deslinguagem. Soletrando as tuas vagas o olhar desaprende a sintaxe. Sandra Regina S. Baldessin
¶ 10 de Julho de 2009
Consulting summer's clock, But half the hours remain. I ascertain it with a shock— I shall not look again. The second half of joy Is shorter than the first. The truth I do not dare to know I muffle with a jest. Emily Dickinson
¶ 10 de Julho de 2009
Deep is a wounded heart, and strong A voice that cries against a mighty wrong; And full of death as a hot wind's blight, Doth the ire of a crushed affection light. Felicia Hermans
¶ 10 de Julho de 2009
Era aqui. Chegavam, com a noite, as serpentes do frio, o novelo das carícias. Irrompiam da sombra os sôfregos lilases, des folhava-se em nossas bocas o malmequer dos beijos. Era o tempo das cerejas e das malvas. Albano Martins
¶ 9 de Julho de 2009
We are like roses that have never bothered to bloom when we should have bloomed and it is as if the sun has become disgusted with waiting Charles Bukowski
¶ 8 de Julho de 2009
There's nothing that keeps its youth, So far as I know, but a tree and truth. Oliver Wendell Holmes
¶ 8 de Julho de 2009
Esta voz que sabia fazer-se canalha e rouca, ou docemente lírica e sentimental, ou tumultuosamente gritada para as fúrias santas do “ça ira”, ou apenas recitar meditativa, entoada, dos sonhos perdidos, dos amores de uma noite que deixam uma memória gloriosa, e dos que só deixam, anos seguidos, amargura e um vazio ao lado nas noites desesperadas da carne saudosa que se não conforma de não ter tido plenamente a carne que a traiu, esta voz persiste graciosa e sinistra, depois da morte, como exactamente a vida que os outros continuam vivendo ante os olhos que se fazem garganta e palavras para dizerem não do que sempre viram mas do que adivinham nesta sombra que se estende luminosa por dentro das multidões solitárias que teimam em resistir como melodias valsando suburbanas nas vielas do amor e do mundo. Quem tinha assim a morte na sua voz e na vida. quem como ela perdeu toda a alegria e toda a esperança é que pode cantar com esta ciência do desespero de ser-se um ser humano entre os humanos que o são tão pouco. Jorge de Sena
¶ 8 de Julho de 2009
Who made the world I cannot tell; 'Tis made, and here am I in hell. My hand, though now my knuckles bleed, I never soiled with such a deed. A. E. Housman
¶ 8 de Julho de 2009
Hoje chove muito, muito, e parece que estão lavando o mundo. meu vizinho do lado contempla a chuva e pensa em escrever uma carta de amor uma carta à mulher que vive com ele e cozinha para ele e lava a roupa para ele e faz amor com ele e parece sua sombra meu vizinho nunca diz palavras de amor à mulher entra em casa pela janela e não pela porta por uma porta se entra em muitos lugares no trabalho, no quartel, no cárcere, em todos os edifícios do mundo mas não no mundo nem numa mulher nem na alma quer dizer nessa caixa ou nave ou chuva que chamamos assim como hoje que chove muito e me custa escrever a palavra amor porque o amor é uma coisa e a palavra amor é outra coisa e somente a alma sabe onde os dois se encontram e quando e como mas o que pode a alma explicar? por isso meu vizinho tem tormentas na boca palavras que naufragam palavras que não sabem que há sol porque nascem e morrem na mesma noite em que amo e deixam cartas no pensamento que ele nunca escreverá como o silêncio que há entre duas rosas ou como eu que escrevo palavras para voltar ao meu vizinho que contempla a chuva à chuva ao meu coração desterrado. Juan Gelman
¶ 7 de Julho de 2009
Para onde corre esta corça escrita pela mata escrita? Beber da água escrita que reflectirá o seu focinho como o papel químico? Porque levanta a cabeça, ouvirá algo? Sobre as quatro patas pela realidade concedidas, debaixo dos meus dedos, apura o ouvido. A palavra silêncio vai farfalhando no papel e afastando os galhos pela palavra "bosque" suscitados. Por cima da folha branca, agacham-se para saltar letras que se podem dispor mal, frases que acuam, das quais não escapa. Numa gota de tinta há vários caçadores de olhar franzido prestes a correr caneta abaixo, cercar a corça e fazer pontaria. Não sabem que estão fora da vida real, que neste preto no branco há outras leis. Um pestanejar dura tanto quanto eu queira, posso seccioná-lo em pequenas eternidades cheias de balas imobilizadas no ar. Se eu assim dispuser, nada te acontecerá. Nem uma folha cairá sem a minha vontade, Nem um cisco se vergará sob o casco de um ponto final. Alegria da escrita. Oportunidade de eternização. Vingança da mão mortal. Wislawa Szymborska
¶ 7 de Julho de 2009
uma borboleta acordou a manhã e a manhã ficou lilás. a manhã contaminou o imbondeiro de lilás e o imbondeiro quiz ser uma borboleta. só as raízes do imbondeiro não aceitaram a brincadeira. as raízes são muito terra-a-terra -são uma cauda teimosa. a borboleta fugiu. a manhã aqueceu-derretendo o lilás. e foi então: o imbondeiro pôs no mundo múcuas tristes. Ondjaki
¶ 6 de Julho de 2009
Ignoro a lei, do mais forte colho fraquezas. Jogo a indecisão ao limite das escolhas e do reverso medalho o peito: ao esteta cabe a resolução da tinta sobre a tela. Estatelo o concreto e me abstraio ao recente: arranco pregos depositados e entrecruzo vidas. Desenrolo a lei ofertada ao amigo. Aos inimigos deposito moedas cunhadas em honra da vitória. Pedro Du Bois
¶ 5 de Julho de 2009
Une voix, une voix qui vient de si loin Qu'elle ne fait plus tinter les oreilles, Une voix, comme un tambour, voilée Parvient pourtant, distinctement, jusqu'à nous. Bien qu'elle semble sortir d'un tombeau Elle ne parle que d'été et de printemps. Elle emplit le corps de joie, Elle allume aux lèvres le sourire. Je l'écoute. Ce n'est qu'une voix humaine Qui traverse les fracas de la vie et des batailles, L'écroulement du tonnerre et le murmure des bavardages. Et vous? Ne l'entendez-vous pas? Elle dit "La peine sera de courte durée" Elle dit "La belle saison est proche." Ne l'entendez-vous pas? Robert Desnos
¶ 5 de Julho de 2009
"Porque é que nunca ninguém lhe havia dito que não era o amor, mas os seus guardiões traiçoeiros, que faziam as maiores exigências à sua coragem: o pânico do reconhecimento do amor; o horror de o declarar; o medo de ser rejeitada? Porque é que nunca lhe tinham dito que a outra face do amor não era o ódio, mas a cobardia?" Amitav Ghosh, in Mar de Papoilas, trad. Marta Mendonça
¶ 5 de Julho de 2009
Para os anjos que habitam esta cidade, Ainda que a sua forma mude constantemente, todas as noites deixamos algumas batatas frias e uma tigela de leite no parapeito. Geralmente eles habitam o céu onde, a propósito, não são permitidas lágrimas. Eles empurram a lua à volta como Um inhame cozido A via láctea é a sua galinha com os seus muitos filhos. Quando é noite as vacas deitam-se mas a lua, esse grande touro, fica em pé. No entanto, há lá um quarto trancado com uma porta de ferro que não pode ser aberta. Tem lá dentro todos os teus sonhos maus. É o inferno. Há quem diga que o diabo fecha a porta por dentro. Há quem diga que os anjos a trancam por fora. As pessoas lá dentro não têm água E não lhes é permitido tocar Racham-se como macadame. São mudas. Não gritam socorro excepto dentro onde os seus corações estão cobertos de larvas Eu gostaria de destrancar essa porta, rodar a chave ferrugenta e segurar cada caído nos meus braços mas não posso, não posso. Eu apenas me posso sentar aqui na terra no meu lugar à mesa. Anne Sexton
¶ 5 de Julho de 2009
Senhor, ajudai-nos a construir a nossa casa Com janelas de aurora e árvores no quintal - Árvores que na primavera fiquem cobertas de flores E ao crepúsculo fiquem cinzentas como a roupa dos pescadores. O que desejo é apenas uma casa. Em verdade, Não é necessário que seja azul, nem que tenha cortinas de rendas. Em verdade, nem é necessário que tenha cortinas. Quero apenas uma casa em uma rua sem nome. Sem nome, porém honrada, Senhor. Só não dispenso a árvore, Porque é a mais bela coisa que nos destes e a menos amarga. Quero de minha janela sentir os ventos pelos caminhos, e ver o sol Dourando os cabelos negros e os olhos de minha amada. Também a minha amada não dispenso, meu Senhor. Em verdade ele é a parte mais importante deste poema. Em verdade vos digo, e bastante constrangido, Que sem ela a casa também eu não queria, e voltava pra pensão. Ao menos, na pensão, eu tenho meus amigos E a dona é sempre uma senhora do interior que tem uma filha alegre. Eu adoro menina alegre, e daí podeis muito bem deduzir Que para elas eu corro nas minhas horas de aflição. Nas minhas solidões de amor e nas minhas solidões do pecado Sempre fujo para elas, quando não fujo delas, de noite, E vou procurar prostitutas. Oh, Senhor vós bem sabeis Como amarga a vida de um homem o carinho das prostitutas! Vós sabeis como tudo amarga naquelas vestes amassadas Por tantas mãos truculentas ou tímidas ou cabeludas Vós bem sabeis tudo isso, e portanto permiti Que eu continue sonhando com a minha casinha azul. Permiti que eu sonhe com a minha amada também, porque: - De que me vale ter casa sem ter mulher amada dentro? Permiti que eu sonhe com uma que ame andar sobre os montes descalça E quando me vier beijar faça-o como se vê nos cinemas... O ideal seria uma que amasse fazer comparações de nuvens com vestidos, e peixes com avião; Que gostasse de passarinho pequeno, gostasse de escorregar no corrimão da escada E na sombra das tardes viesse pousar Como a brisa nas varandas abertas... O ideal seria uma menina boba: que gostasse de ver folha cair de tarde... Que só pensasse coisas leves que nem existem na terra, E ficasse assustada quando ao cair da noite Um homem lhe dissesse palavras misteriosas ... O ideal seria uma criança sem dono, que aparecesse como nuvem, Que não tivesse destino nem nome - senão que um sorriso triste E que nesse sorriso estivessem encerrados Toda a timidez e todo o espanto das crianças que não têm rumo... Manoel de Barros
¶ 4 de Julho de 2009
Para que me servem exércitos de canções e o fascínio da poética sentimental ? Para mim na poesia nada tem importância a não ser os homens. Quando souberes de que lixeira saem os versos, sem vergonha, como uma flor amarela na cerca, como um cacto ou como um cogumelo. Um grito de fúria, alcatrão com cheiro fresco, bolor escondido na parede... E a poesia já soa fervente, terna, para a minha e a vossa alegria. Anna Akhmatova, tradução Manuel de Seabra
¶ 4 de Julho de 2009
You are not beautiful, exactly. You are beautiful, inexactly. You let a weed grow by the mulberry And a mulberry grow by the house. So close, in the personal quiet Of a windy night, it brushes the wall And sweeps away the day till we sleep. A child said it, and it seemed true: "Things that are lost are all equal." But it isn't true. If I lost you, The air wouldn't move, nor the tree grow. Someone would pull the weed, my flower. The quiet wouldn't be yours. If I lost you, I'd have to ask the grass to let me sleep. Marvin Bell
¶ 3 de Julho de 2009
Emotional Idiocy is obviously a theme close to my heart since I seem to use the phrase in novels and CDs alike. My friend and mentor of sorts, Andrew Vachss, upon hearing me read a rendition of this poem, stated that it ought to be the theme song for borderline personality disorder. He's right. I'm an Emotional Idiot so get away from me. I mean, COME HERE. Wait, no, that's too close, give me some space it's a big country, there's plenty of room, don't sit so close to me. Hey, where are you? I haven't seen you in days. Whadya, having an affair? Who is she? Come on, aren't I enough for you? God, You're so cold. I never know what you're thinking. You're not very affectionate. I mean, you're clinging to me, DON'T TOUCH ME, what am I, your fucking cat? Don't rub me like that. Don't you have anything better to do than sit there fawning over me? Don't you have any interests? Hobbies? Sailing Fly fishing Archeology? There's an archeology expedition leaving tomorrow why don't you go? I'll loan you the money, my money is your money. my life is your life my soul is yours without you I'm nothing. Move in with me we'll get a studio apartment together, save on rent, well, wait, I mean, a one bedroom, so we don't get in each other's hair or anything or, well, maybe a two bedroom I'll have my own bedroom, it's nothing personal I just need to be alone sometimes, you do understand, don't you? Hey, why are you acting distant? Where you goin', was it something I said? What What did I do? I'm an emotional idiot so get away from me I mean, MARRY ME. Maggie Estep
¶ 3 de Julho de 2009
(gentileza de Amélia Pais) Dir-te-ia: o verão ainda não findou. Vem e colhe a última espiga. Porque nela colhes todo o verão. Albano Martins
¶ 3 de Julho de 2009
Impossível saber que horas são numa relojoaria Discordantes, vaidosos, pretensiosos Os relógios marcam horas divergentes. Faz anos que libertei meu braço desta coleira Detesto mesmo os corretos, os precisos Seu meio-dia não é o meu meio-dia Nem meu sono, termina em algum ponto programado E estridente da manhã. Porém, tenho certa simpatia pelos relógios parados Errados sempre Salvo, por um instante, por um segundo Durante o dia no qual estão certos. Um certo, que tem a beleza do acidental Do impossível que acontece Como o exato lance ou arremesso longínquo O perfeito ocorrido de um acaso mágico. Solivan Brugnara
¶ 2 de Julho de 2009
(gentileza de Amélia Pais) sobra de todo o silêncio o raro acorde do teu nome a que solidão altíssima me entregas quando te deixas morrer assim no abraço faminto do tempo? Gil T. Sousa
¶ 1 de Julho de 2009
Oh, talk not to me of a name great in story; The days of our youth are the days of our glory; And the myrtle and ivy of sweet two-and-twenty Are worth all your laurels, though ever so plenty. What are garlands and crowns to the brow that is wrinkled? 'Tis but as a dead flower with May-dew besprinkled: Then away with all such from the head that is hoary! What care I for the wreaths that can only give glory? O Fame!—if I e'er took delight in thy praises, 'Twas less for the sake of thy high-sounding phrases, Than to see the bright eyes of the dear one discover She thought that I was not unworthy to love her. There chiefly I sought thee, there only I found thee; Her glance was the best of the rays that surround thee; When it sparkled o'er aught that was bright in my story, I knew it was love, and I felt it was glory. Lord Byron