Arquivo de março 2009
¶ 31 de Março de 2009
És da origem do mar, vens do secreto,
do estranho mar espumaroso e frio
que põe rede de sonhos ao navio
e o deixa balouçar, na vaga, inquieto.
Possuis do mar o deslumbrante afeto,
as dormências nervosas e o sombrio
e torvo aspecto aterrador, bravio
das ondas no atro e proceloso aspecto.
Num fundo ideal de púrpuras e rosas
surges das águas mucilaginosas
como a lua entre a névoa dos espaços...
Trazes na carne o eflorescer das vinhas,
auroras, virgens músicas marinhas,
acres aromas de algas e sargaços...
Cruz e Sousa
¶ 31 de Março de 2009
reivindicação urgente
¶ 31 de Março de 2009
enquanto enrubesço
me ensina a pintar com o corpo
me ensina a perder os medos
e a poder sujar as pontas dos dedos
as unhas e as palmas das mãos
nas tintas de todas as cores
enquanto enrubesço em vinho tinto
sê meu mestre
amor
Cyana Leahy-Dios
¶ 30 de Março de 2009
I hide myself within my flower,
That fading from your Vase,
You, unsuspecting, feel for me—
Almost a loneliness.
Emily Dickinson
¶ 30 de Março de 2009
Meus noturnos
amanhecem
em tuas alvoradas
e continuam
dia a fora
noite a dentro
invertendo fuso horários
enlouquecidos pela
falta das estrelas.
Cynara Novaes
¶ 30 de Março de 2009
Condessa Zamoyska, de sua graça Zofia Potocka, ou (re)vestir a formalidade
¶ 30 de Março de 2009
(gentileza de Amélia Pais)
Muito acima das nuvens seja o centro
das nossas misteriosas poéticas
o irresistível anseio de viajar
um só movimento trabalhado à mão
nos ermos mais altos
mais desaparecidos
Mário Cesariny
¶ 29 de Março de 2009
Busca que extasia:
Festa. Apanhar pelafresta
Do haicai, a poesia.
Cyro Armando Catta Preta
¶ 29 de Março de 2009
Pela telha-vã
se embrenha o sol e desenha
no chão a manhã
Cyro Armando Catta Preta
¶ 29 de Março de 2009
tempo para pôr a escrita em dia
¶ 29 de Março de 2009
Única testemunha
das fraquezas
e sobressaltos
mastigas o tempo
da mais difícil prova,
tua inocência.
No erro persegues
estes céus sonoros,
o verde da lei,
o ouro da justiça.
Réu confesso
risco permaneces
da coisa julgada
entre o nascituro sopro
e o silêncio soberbo.
Cyro de Mattos
¶ 28 de Março de 2009
Mar ave ilha
dessa vaga na milha
vento lavrador
nessa língua crespa
poreja o sal
nessa mão azul
um sol que ama
em cada verde
veia de saga
ardor do signo
viga de velejar
mastro que te veste
ao mar de silêncio
dardo dúbio do vento
Cyro de Mattos
¶ 28 de Março de 2009
sábado no norte, para assistir à mesa redonda desta manhã na II Convenção de Jornalistas, promovida pelo Gabinete de Imprensa (GI) de Guimarães, no Centro Cultural Vila Flor. O tema é "O jornalismo e as novas tecnologias".
¶ 28 de Março de 2009
Ainda que seja
um grão no deserto
o poema é meu lugar
onde tudo arrisco.
Irriga minhas veias
como a chuva à terra
em suas mil línguas.
Antigo, bem antigo,
me anuncia no vale,
me consuma real,
viajante cativo
da solidão solidária.
Sem esse jeito
de ser flor e vento,
sonho e música,
uma coisa só amor,
não há o espanto,
a lágrima, o beijo,
o riso, o epitáfio,
não há o sentido.
Cyro de Mattos
¶ 28 de Março de 2009
(mais) outro dia
¶ 27 de Março de 2009
Meus olhos resgatam o
que está preso na
página: o branco do
branco e o preto do
preto
Herberto Helder
¶ 26 de Março de 2009
Half life is over now,
And I meet full face on dark mornings
The bestial visor, bent in
By the blows of what happened to happen.
What does it prove? Sod all.
In this way I spent youth,
Tracing the trite untransferable
Truss-advertisement, truth.
Philip Larkin
¶ 26 de Março de 2009
Karin Larsson aproveitando a brevidade da primavera
¶ 26 de Março de 2009
Quando se esgotaram os caminhos
que a razão poderia aconselhar-nos
abrem-se os teus olhos, e com eles tudo
volta a inundar-se da luz escura
que dá sentido ao mundo e à minha vida
Amalia Bautista
¶ 25 de Março de 2009
"Donde pode nascer o amor? Talvez de uma súbita falha do universo, talvez de um erro, nunca de um acto de vontade."
Marguerite Duras
¶ 25 de Março de 2009
pausa matinal
¶ 24 de Março de 2009
Entre os livros e o som
tão quase nada passa
corpo a corpo o universo
em cada célula só
uma caixa de sombra
resguarda na poeira
o tempo o templo o tempo.
Vasco Costa Marques
¶ 24 de Março de 2009
Mes talents sont nombreux je sais signer la bête
Et m'alléger d'aurore tout comme une alouette
Je sais faire pleurer les plus indifférents
Et rire bêtement ceux qui se croient malins
Paul Éluard
¶ 24 de Março de 2009
Por que me cobra o que não devo
senhor de todos os créditos
avaro espírito sobre meus ombros?
Por que me assopra poeira nos olhos
senhor de todos os ventos
bufão espírito sobre meu rosto?
Porque me afoga em águas paradas
senhor de todos os líquidos
imóvel espírito sobre meu corpo?
Por que me isola em escuros cantos
senhor de todas as línguas
incomunicável espírito sobre minhas letras?
Por que me imola em estéreis aras
senhor de todas as vidas
sacrificado espírito sobre minha fertilidade?
Pedro Du Bois
¶ 23 de Março de 2009
Vinha nova
Da noite ao ritmo de jazz,
Lábios
Frescos como orvalho púrpura,
Seios
Como almofadas de todos os sonhos doces,
Quem esmagou
As uvas do prazer
E deitou o sumo
Sobre ti?
James Langston Hughes
¶ 23 de Março de 2009
Y aunque no me quisieras te querría
por tu mirar sombrío,
como quiere la alindra al nuevo día,
sólo por el rocío.
García Lorca
¶ 23 de Março de 2009
segunda feira sem sol, ou a exigência de arranjar força para construir uma nova semana
¶ 23 de Março de 2009
If the lost word is lost, if the spent word is spent
If the unheard, unspoken
Word is unspoken, unheard;
Still is the unspoken word, the Word unheard,
The Word without a word, the Word within
The world and for the world;
And the light shone in darkness and
Against the Word the unstilled world still whirled
About the centre of the silent Word.
T.S. Eliot
¶ 22 de Março de 2009
It isn't the body
That's a stranger.
It's someone else.
We poke the same
Ugly mug
At the world.
When I scratch
He scratches too.
There are women
Who claim to have held him.
A dog
Follows me about.
It might be his.
If I'm quiet, he's quieter.
So I forget him.
Yet, as I bend down
To tie my shoelaces,
He's standing up.
We caste a single shadow.
Whose shadow?
I'd like to say:
"He was un the beginning
And he'll be in the end,"
But one can't be sure.
At night
As I sit
Shuffling the cards of our silence,
I say to him:
"Though you utter
Every one of my words,
You are a stranger.
It's time you spoke."
Charles Simic
¶ 22 de Março de 2009
domingo, enfim
¶ 22 de Março de 2009
Jornada paciente
a minha.
Tremendo
é o silêncio.
Escuta, ouve.
Todas as perguntas
voltam sem resposta
e os pródigos
imaculados vivos
perderam
o caminho
do céu.
Ana Marques Gastão
¶ 21 de Março de 2009
Coal
is the total black, being spoken
from the earth's inside.
There are many kinds of open
how a diamond comes into a knot of flame
how sound comes into a words, coloured
by who pays what for speaking.
Some words are open like a diamond
on glass windows
singing out within the crash of sun
Then there are words like stapled wagers
in a perforated book—buy and sign and tear apart—
and come whatever will all chances
the stub remains
an ill-pulled tooth with a ragged edge.
Some words live in my throat
breeding like adders. Other know sun
seeking like gypsies over my tongue
to explode through my lips
like young sparrows bursting from shell.
Some words
bedevil me
Love is word, another kind of open.
As the diamond comes into a knot of flame
I am Black because I come from the earth's inside
Now take my word for jewel in the open light.
Audre Lorde
¶ 21 de Março de 2009
primeiro sábado de Primavera
¶ 21 de Março de 2009
No alto de uma montanha acima das nuvens
Que ondulam como um mar a meus pés
Eu disse aquele cume é o pensamento de Buda,
E aquele uma oração de Jesus,
E este aqui um sonho de Platão,
E aquele além uma canção de Dante,
E este é Kant e este Newton,
E este é Milton e este é Shakespeare,
E este a esperança da Santa Madre Igreja,
E este – mas todos estes cumes são poemas,
Poemas e orações que perfuram as nuvens.
E eu disse “ Que faz Deus com as montanhas
Que sobem quase até ao céu?”
Edgar Lee Masters, trad. de Manuel Domingos
¶ 20 de Março de 2009
Além do pensamento
riscar ao autor
o fósforo
incendiado
no desafio
de se fazer
luz.
Incinerar a ideia
do autor na velocidade
antecedente.
Roubar ao autor
a solidez da pedra
deslocada: a entrada
ilumina o inexistente.
Pedro Du Bois
¶ 20 de Março de 2009
Grã-Duquesa Alexandra, ou uma 6ªfeira a rigor
¶ 20 de Março de 2009
When first we hear the shy-come nightingales,
They seem to mutter o'er their songs in fear,
And, climb we e'er so soft the spinney rails,
All stops as if no bird was anywhere.
The kindled bushes with the young leaves thin
Let curious eyes to search a long way in,
Until impatience cannot see or hear
The hidden music; gets but little way
Upon the path—when up the songs begin,
Full loud a moment and then low again.
But when a day or two confirms her stay
Boldly she sings and loud for half the day;
And soon the village brings the woodman's tale
Of having heard the new-come nightingale.
John Clare
¶ 20 de Março de 2009
Sentimentos fogem
São flutuantes coloridos nos lábios do vento
Amarre teu sentir ao meu com fio sólido
Não permita o esvaziar das palavras
São não razões que nos podem perder
Nossas visões nas faces, nas costas e mãos
Em espelhos multifacetados e equinócio febril
O desvéu da matéria agoniza entre os verbos
E uma palavra pode ser avessa ao reverso
O mundo diverte-se com nossos olhos-sentir
Escalando gargantas em gargalhada líquida
Criando ao redor do corpo lagos e simulacros
Peixes dançantes em excesso de sal
E um gosto de coisas pré-sentidas
O silêncio instiga o parto em gritos
Ele tem a fome do estômago invisível
Auto devora-se em palavras-labirinto
Na dança o véu da noite deixa a vista
Nosso calcanhar de Aquiles emancipado
E correndo para o mar se recebe
O abraço esfacelado das ondas
Sereias e pérolas que nos escapam
Iva Tai
¶ 19 de Março de 2009
Mrs. Violet Hammersley, ousob o signo da primavera
¶ 19 de Março de 2009
arte, palavras, ar, amor
a que mais um homem pode aspirar?
asas translúcidas azuladas
sonhos que tecem um novo tempo
um voo de seres luminosos, flutuantes
a essência do amor:
aquilo que verdadeiramente amas
permanecerá doce e eterno na lembrança
Cristiane Grando
¶ 18 de Março de 2009
quem reconhecer a imagem, saberá porquê...
¶ 18 de Março de 2009
(gentileza de Amélia Pais)
Um gato, em casa, sozinho, sobe
à janela para que, da rua, o
vejam.
O sol bate nos vidros e
aquece o gato que, imóvel,
parece um objecto.
Fica assim para que o
invejem - indiferente
mesmo que o chamem.
Por não sei que privilégio,
os gatos conhecem
a eternidade.
Nuno Júdice
¶ 18 de Março de 2009
E alguém disse:
Fala-nos do Amor.
- Quando o amor vos fizer sinal, segui-o;
ainda que os seus caminhos sejam duros edifíceis.
E quando assuas asas vos envolverem, entregai-vos;
ainda que a espada escondida na sua plumagem
vos possa ferir.
E quando vos falar, acreditai nele ;
apesar de a sua voz
poder quebrar os vossos sonhos
como o vento norte ao sacudir os jardins.
Porque assim como o vosso amor
vos engrandece, também pode crucificar-vos;
E assim como se elevaà vossa altura
e acaricia os ramos mais frágeis
que tremem ao sol,
também penetrará até às raízes,
sacudindo o seu apego à terra.
Khalil Gibran
¶ 18 de Março de 2009
a par com o mundo
¶ 17 de Março de 2009
And like a dying lady, lean and pale,
Who totters forth, wrapped in a gauzy veil,
Out of her chamber, led by the insane
And feeble wanderings of her fading brain,
The moon arose up in the murky east,
A white and shapeless mass.
Percy Bysshe Shelley
¶ 17 de Março de 2009
The shattered water made a misty din.
Great waves looked over others coming in,
And thought of doing something to the shore
That water never did to land before.
The clouds were low and hairy in the skies,
Like locks blown forward in the gleam of eyes.
You could not tell, and yet it looked as if
The shore was lucky in being backed by cliff,
The cliff in being backed by continent;
It looked as if a night of dark intent
Was coming, and not only a night, an age.
Someone had better be prepared for rage.
There would be more than ocean-water broken
Before God's last Put out the light was spoken.
Robert Frost
¶ 17 de Março de 2009
suavidade em tons sépia
¶ 17 de Março de 2009
À noite faço trabalhos perigosos.
Ato cordéis compridos
de janela para janela
e penduro jornais clandestinos.
Que queres, a poesia já não dá.
Já outros disseram tudo, dizem.
E depois, há já muitas que cantam
a alegria da maternidade.
A minha filha nasceu
como todos os bebés.
Ao que parece
vai deitar fortes pernas
para correr rápida nas manifestações.
Jenny Mastoráki, tradução de Manuel Resende
¶ 16 de Março de 2009
"Agora, dependia daquele lugar, apegara-se a ele com a obstinação com que apenas nos apegamos às coisas que nos fazem mal."
Paolo Giordano, in A Solidão dos Números Primos, trad. José J.C. Serra
¶ 16 de Março de 2009
mulher na praia, à flor do mar
¶ 16 de Março de 2009
(gentileza de Amélia Pais)
Hoje desfiz o último ponto,
A trama do bordado.
No palácio deserto ladra
O cão.
Um sibilo de flechas
Devolve-me o passado.
Com os olhos da memória
Vejo o arco
Que se encurva,
A força que o distende.
Reconheço no silêncio
A paz que me faltava,
(No mármore da entrada
Agonizam os pretendentes).
O ciclo está completo
A espera acabada.
Quando Ulisses chegar
A sopa estará fria.
Myriam Fraga
¶ 15 de Março de 2009
"Houve essa vez e houve muitas outras, de que Alice já não se recordava, porque o amor de quem não amamos deposita-se à superfície e evapora-se rapidamente."
Paolo Giordano, in A Solidão dos Números Primos, trad. José J.C. Serra
¶ 15 de Março de 2009
mulher no barco, em jogo de azuis
¶ 15 de Março de 2009
Escondo-me nas areias desertas
Meu refúgio sereno da solidão
Foi do medo do dragão do castelo
que me perdi no mar morto a confusão
Chamas
Tramas
Susto
Fuga
Corro de susto, de medo do bicho
Um monstro verde, enorme e comilão
Pra onde fugir, aonde me esconder?
Aonde fica o coração do dragão?
Prédios que se desmoronam
Guerras que enterram um milhão
Carros, bandidos, fantasmas
Nada é pior que o dragão
(...)
Estranho
Me zango
Não entendo
Me rendo!
Foi do medo desse dragão
Que tanto chorei, nunca o entendi
Não te encontro, ó dragão chefe do mundo
Que se decide realiza, só por existir!
Ai, dragão tão escuro!
Que tanto susto me deu
Ah, se desde o início eu já soubesse
Que esse enorme dragão... sou só eu.
Cristine Gerk
¶ 15 de Março de 2009
Pergunto pelo incômodo
de estar
adiante (o tempo desnecessário
da semente enquanto
seca espécie)
onde se depositam
futuros.
Respondo palavras
retornadas ao vento:
alertas
lamentos
lamúrias
deixo em aberto o extrato
do aprofundar da memória
em lendas redescobertas
(a reação do tempo
ao mistério: choro
o incômodo da ausência).
Pedro Du Bois
¶ 14 de Março de 2009
O fim de um temporal
ou o fruto do orvalho.
Prenúncio de um dia quente
rolando num rosto suado.
O cheiro da comida gostosa
escorrendo da boca aflita.
Início de um drama doméstico
brotando insuspeita no telhado
A Gota, o fim, o que faltava.
O transbordar de uma emoção contida
no olhar doente e cansado
Ou a tremida no canto d´olho
da noiva feliz com o noivado.
O presente maldito do pombo
num dia amaldiçoado
A gota, o fim, o que faltava
O limite de um homem cansado
Uma bolha de proteção contra o medo
na ilusão da criança abandonada
A explosão do orgasmo feminino.
O fim do alívio da bexiga.
O líquido derramando do copo.
O cabelo molhado da moça.
A gota, o fim, o que faltava.
O varal, a torneira, a louça.
O limite, a gota d´água.
Cristine Gerk
¶ 14 de Março de 2009
As nossas tristezas escondemo-las nas jarras, temendo
Que os soldados as vejam e celebrem o cerco…
Escondemos-las por futuras causas,
Tendo em vista uma celebração,
Uma surpresa ao longo do caminho.
Quando a vida for normal,
Sentiremos tristeza como toda a gente, por pessoais motivos
Hoje ocultados pelos grandes slogans.
Esquecemos as nossas pequenas chagas que sangravam.
Amanhã, quando o sítio sarar,
Sentiremos os seus efeitos secundários.
Mahmoud Darwich
¶ 14 de Março de 2009
cores subtis
¶ 14 de Março de 2009
Nada há que me domine e que me vença
Quando a minha alma mudamente acorda...
Ela rebenta em flor, ela transborda
Nos alvoroços da emoção imensa.
Sou como um Réu de celestial sentença,
Condenado do Amor, que se recorda
Do Amor e sempre no Silêncio borda
De estrelas todo o céu em que erra e pensa.
Claros, meus olhos tornam-se mais claros
E tudo vejo dos encantos raros
E de outras mais serenas madrugadas!
Todas as vozes que procuro e chamo
Ouço-as dentro de mim porque eu as amo
Na minha alma volteando arrebatadas
Cruz e Sousa
¶ 13 de Março de 2009
Também são cruas e duras as palavras e as caras
Antes de nos sentarmos à mesa, tu e eu, Vida
Diante do coruscante ouro da bebida. Aos poucos
Vão se fazendo remansos, lentilhas d'água, diamantes
Sobre os insultos do passado e do agora. Aos poucos
Somos duas senhoras, encharcadas de riso, rosadas
De um amora, um que entrevi no teu hálito, amigo
Quando me permitiste o paraíso. O sinistro das horas
Vai se fazendo tempo de conquista. Langor e sofrimento
Vão se fazendo olvido. Depois deitadas, a morte
É um rei que nos visita e nos cobre de mirra.
Sussurras: ah, a vida é líquida.
Hilda Hilst
¶ 13 de Março de 2009
fim de semana a cores
¶ 13 de Março de 2009
"Amor e morte. Dois corpos enrolados na sua própria rede, dois corpos numa praia, um livro aberto, um verso de Omar Kayham. O teu nome é Pandora, senhora do acaso. Podes chegar a qualquer momento, abrir o saco dos ventos, desencadear a tempestade, morrer comigo no mar imaginário do amor único."
Manuel Alegre, in A Terceira Rosa
¶ 13 de Março de 2009
Que faz com que o dia
descubra aos poucos a rubra
jóia que escondia?
Barroso Gomes
¶ 12 de Março de 2009
Princesa Leonilla de Sayn-Wittgenstein-Sayn, retratada em 1843 e famosa na época pela beleza e inteligência
¶ 12 de Março de 2009
Verde hora. Verdura.
Na hera da primavera,
a espera, ânsia pura.
Barroso Gomes
¶ 11 de Março de 2009
(excerto)
O que fere não é a dor
é sua ausência assassina
pendurada nos cabides da alma
Batista de Lima
¶ 11 de Março de 2009
procurar um rio...
¶ 11 de Março de 2009
Aurora da minha vida,
Que os anos não trazem mais!
Os anos não, nem os dias,
Que isso cabe às cotovias.
Manuel Bandeira
¶ 11 de Março de 2009
Somos todos sonhos,
Uma realidade discreta.
Cada um em sua forma poeta.
Mostra em teus olhos negros,
Leves toques meigos,
Como a brisa e o coração.
Saudade do teu gosto,
Sim, daquele rosto.
As portas que eternamente
Ficaram no tempo, solidão...
Bedermino Betat Leite
¶ 10 de Março de 2009
à noite
¶ 10 de Março de 2009
Na irrelevância do tempo
o desencontro se ausenta:
nomes apostos
mestres se renovam
em mesmas coisas
homens opostos
a vaidade adjetiva
colegas decompostos
em amizades: O bem
resolvido
caso
de estarem juntos
homens dispostos.
Pedro Du Bois
¶ 10 de Março de 2009
Amadureceu em mim
esta palavra e pronta para o voo,
depois de exaurir o que ofertava
a ela o corpo gasto pelo esforço
surdo da criação, deslizou pela
boca.E agora que resta, cumprido
este exercício lento e grave da
revelação, se apenas o arremedo,
ineficaz ensaio de verdade,
foi alcançado?Resta a exaustão,
mãos trêmulas, a cara contra o chão,
resta o lamento.Resta o reinício,
a longa e calcinada espera.Resta-me
reter a força para o outro gesto.
Bento Prado Júnior
¶ 10 de Março de 2009
Na paixão de um homem, na inquietude
das feras, no vermelho
que o fio da lâmina provoca
o olho acostumado a perscrutar
as máscaras, as almas, o que não se confessa.
Na origem profunda do ser
Onde tudo começa
na sua luta contra o tempo
e contra a natureza
em tudo há o desgaste
em tudo o conflito se apresenta
raiz do ataque e defesa
há o mar, a fúria do mar
e a força da rocha que o enfrenta.
Bruna Lombardi
¶ 10 de Março de 2009
a lembrar outros molhes
¶ 9 de Março de 2009
Há duas pombas brancas no telhado.
Junto delas pousa o silêncio do dia já parado,
e entre asas caladas o primeiro gesto da noite vai crescendo.
É tarde nos telhados e nas árvores,
é tarde (triste e mais tarde) nessa rua
que se reabriu no fundo de um olhar,
onde se movem ressurrectos mármores
e começam a discorrer ventos e velas
por sobre a limpidez das mesmas águas velhas,
e pássaros azuis bicam frutos de astro soltos no ar.
Sobem (de onde?) vultos escuros de coisas e de entes,
alongam a última distância, somem a luz que se destece
e a linha dos caminhos, apagam o verde prado.
Não há duas pombas brancas no telhado:
sobre elas, seu voo e seu arrulho ausentes
a lápide sem cor das horas desce.
Abgar Renault
¶ 9 de Março de 2009
O ar da manhã beija a minha face.
A minha alma beija o ar leve da manhã
e olha a paisagem longínqua da cidade,
que branqueja alegremente na distância
e sorri humanamente
um sorriso branco no caiado das casas
que montam os flancos das colinas azuis
e espiam pelos olhos escancarados das janelas.
(....)
Abgar Renault
¶ 8 de Março de 2009
depois do inverno
¶ 8 de Março de 2009
(para algumas mulheres de quem gosto)
No one's fated or doomed to love anyone.
The accidents happen, we're not heroines,
they happen in our life like car crashes,
books that change us, neighborhoods
we move into and come to love.
Tristan und Isolde is scarcely the story,
women at least should know the difference
between love and death. No poison cup,
no penance. Merely a notion that the tape-recorder
should have caught some ghost of us: that tape-recorder
not merely played but should have listened to us,
and could instruct those after us:
this we were, this is how we tried to love,
and these are the forces they had ranged against us,
and these are the forces we had ranged within us,
within us and against us, against us and within us.
Adrienne Rich
¶ 8 de Março de 2009
dia internacional da mulher
¶ 8 de Março de 2009
Minha humildade de água me trouxera
ao mais íntimo pó do pós de ti
e rira à desatada primavera
os ouros e cristais que ela sorri.
Trajada de urze, barro, líquen e hera,
ficara em desbotado e eterno aqui,
marcando, à tinta de ar, pelo ar a espera
de se entreabrirem tempestades e
silêncios para os lumes do teu passo.
Modelara-me em terra ou limo crasso
para ser teu desdém, objeto ou chão.
Vivera no final de selva e furna,
tornara o coração ilha noturna,
século, inverno a dormir o teu clarão.
Abgar Renault
¶ 7 de Março de 2009
uma alma apaixonada
sempre sempre a vagar
entre mil e uma estrelas
pousa em um sorrateiro bosque
que recebe raios
de uma rósea lua
se precipita ansiosa
em um precipício arcaico
em cujo fundo chão
se debatem
almas encobertas pela carne
que de si mesmas se esqueceram
e que vivem à cata
de vis e escusas nobrezas
que nada mais são
que momentâneos delírios
e gozos extemporâneos
ela também se perde
e encontra peso e substância
à medida que se entorpece
e que mais baixo desce
em cada dia que respira odores
que lhe provocam estertores
quando é subjugada
por lunáticos vampiros
que se chamam os donos
destes medonhos domínios
Abilio Terra Junior
¶ 7 de Março de 2009
Na estrada deserta,
um simples cair de folhas
quebrou o silêncio.
Abel Pereira
¶ 7 de Março de 2009
sugestão de sábado, quando o sol espreita
¶ 7 de Março de 2009
(gentileza de Amélia Pais)
Quando partires, em direcção a Ítaca,
que a tua jornada seja longa (...)
Konstantinos Kavafis
Se ao longe imaginares Ítaca,
que não te dê saudades.
Uma ilha é um monte sem caminhos.
Descansam nela as aves migratórias,
e a gente que a povoa
gasta o tempo a sonhar aonde irão
as aves no seu alto voo
quando partirem.
E sobretudo Ulisses há-de
segui-las com os olhos,
lembrando-se de Circe.
O azul, digo-te, é uma cor volúvel,
e o céu e o mar são só desertos.
Nuno Dempster
¶ 7 de Março de 2009
Corpos que tangem guitarras
ao manto de um dia que não nasceu
bocas simples escritas como lápides curtas
louvam amores desconhecidos naquele tom sustenido
um besouro mortal vermes no vaso
três pontos em outras línguas
humores chegam na placa ruiva olhar negro
Abilio Terra Junior
¶ 6 de Março de 2009
aproveitar os momentos de descanso
¶ 6 de Março de 2009
Desce pelo vidro
uma gota de chuva
desce
pelo vidro da janela
e outra mais
e outra mais
estou sozinho
através da janela
o céu claro
deixa a água cair
está frio lá fora
o céu se abre
eu me protejo
da chuva
como um caracol
tantas gotas
marcam
as poças d’ água
vejo que o mundo
desaba
em forma de chuva
e as gotas
uma a uma
descem
pelo vidro da janela
eu sou um caracol
e a chuva
não me atinge
lento e atento
vejo
as gotas de chuva
que descem
pelo vidro da janela
além
a luz do céu
as gotas de chuva
rápidas e exatas
contrastam
com a minha lentidão
de caracol
que vê a chuva
tímido e absorto
o céu é claro
e aquoso
eu um simples
caracol
que observa
o vendaval
árvores
agitam
suas folhas
e um único
trovão
ressoa
profunda
e solenemente
por todo
o céu
cônscio
da sua gravidade
Abilio Terra Junior
¶ 6 de Março de 2009
No azul da língua
uma esperança sem mapa:
vôo do escuro.
Abrão Cost'Andrade
¶ 6 de Março de 2009
quase primavera
¶ 6 de Março de 2009
Se me tens no contraído corpo
tenso
pretensa hora da chegada
a escravidão
a escuridão
no desencontro tido
pérfido espírito
que me espiona
espia
soslaio arranhado
de teus olhos
imensamente perdida em torrentes
tu és noite e mar em fúria
telúrico sentimento sobreposto
ao mistério do que tens: a mim
em subterfúgio e esdrúxulo corpo
despido em festa, tu és a floresta.
Pedro Du Bois
¶ 5 de Março de 2009
1
a rosa murchou
(era uma existência)
sua cor disse o que deveria
(em silêncio)
ao contato com o sol
2
nenhuma outra forma
tem a rosa
a não ser a do seu corpo
nenhum outro encanto
contaminando manhãs
a rosa é ela
nem nome precisaria
para transformar a paisagem
Ad Rocha
¶ 5 de Março de 2009
Car nous voulonsla nuance encore,
Pas la couleur, rien que la nuance
Verlaine
¶ 5 de Março de 2009
o peso de ser
¶ 5 de Março de 2009
há mil poemas temas
diversos versos atravessados
à espreita
na janela
e outros por baixo
da mesa sobem
pelas pernas semi
abertas
a luz se apaga arde
um poema
pelas coxas um trema
atravessado um fado
interrompido um imenso
pecado
nenhum alívio
Adair Carvalhais Júnior
¶ 4 de Março de 2009
Eu já te amava pelas fotografias.
Pelo teu ar triste e decadente dos vencidos,
Pelo teu olhar vago e incerto
Como o dos que não pararam no riso e na alegria.
Te amava por todos os teus complexos de derrota,
Pelo teu jeito contrastando com a glória dos atletas
E até pela indecisão dos teus gestos sem pressa.
Te falei um dia fora da fotografia
Te amei com a mesma ternura
Que há num carinho rodeado de silêncio
E não sentiste quantas vezes
Minhas mãos usaram meu pensamento,
Afagando teus cabelos num êxtase imenso.
E assim te amo, vendo em tua forma e teu olhar
Toda uma existência trabalhada pela força e pela angústia
Que a verdade da vida sempre pede
E que interminavelmente tens que dar!...
Adalgisa Nery
¶ 4 de Março de 2009
manhã entre árvores floridas e céu em tons anil
¶ 4 de Março de 2009
Abro os olhos, não vi nada
Fecho os olhos, já vi tudo.
O meu mundo é muito grande
E tudo que penso acontece.
Aquela nuvem lá em cima?
Eu estou lá,
Ela sou eu.
Ontem com aquele calor
Eu subi, me condensei
E, se o calor aumentar, choverá e cairei.
Abro os olhos, vejo um mar,
Fecho os olhos e já sei.
Aquela alga boiando, à procura de uma pedra?
Eu estou lá,
Ela sou eu.
Cansei do fundo do mar, subi, me desamparei.
Quando a maré baixar, na areia secarei,
Mais tarde em pó tomarei.
Abro os olhos novamente
E vejo a grande montanha,
Fecho os olhos e comento:
Aquela pedra dormindo, parada dentro do tempo,
Recebendo sol e chuva, desmanchando-se ao vento?
Eu estou lá,
Ela sou eu.
Adalgisa Nery
¶ 3 de Março de 2009
algumas nuvens noutro céu
¶ 3 de Março de 2009
Esta que vem do mar por entre os ventos,
Sacudindo as espumas dos cabelos,
Vem molhada de azul nos pensamentos,
Seu corpo oculta a ilha dos segredos.
Vem e dança ao andar sobre as areias
Húmidas sob os passos e os desejos,
Onde as ancas são ondas em cadeias
Infinitas de luz contra os espelhos.
Nem precisa de flor nem de perfume,
Ela é a própria essência do ciúme,
Feita de mito e se fazendo estrela.
Vem – dança – e passa aos fogos do verão
– Fantasia da última estação.
Explodiu na vertigem da beleza.
Adelmo Oliveira
¶ 2 de Março de 2009
Eu canto e se cantar por solidão
A rosa em mim floresce no silêncio
Ninguém perturbe a paz deste momento
Em cuja fantasia eu me transvio
Muito menos turve a água desta fonte
Que bebo para o instante inumerável
– Acaso sei de mim que transitório
Sustento um pé na terra outro no espaço
Sou, pássaro de pedra sou. Jamais
Neguei de expor ao sol meu corpo duro
– Tenho postura de animal correto
Falo também a mesma língua escrita
Irmão que sou de tua solidão
Oh navegante além da mesma rota
Adelmo Oliveira
¶ 2 de Março de 2009
Retrato de jovem veneziana (dedicado ao Jaime Roriz, que visita o modus à procura de beleza)
¶ 2 de Março de 2009
Se gritasse
meus algozes escutariam
e se não fosse minha hora
de tortura e aflição
não me procurariam
para saber do meu grito
sozinho estou e continuo
não tenho a hora e o tempo
se repete e se altera
no que não sinto
nem percebo que exista
(...)
Pedro Du Bois
¶ 1 de Março de 2009
memória em azul
¶ 1 de Março de 2009
(presente de F. Loureiro)
No puedo darte soluciones
para todos los problemas de la vida,
ni tengo respuesta
para tus dudas o temores,
pero puedo escucharte
y compartirlo contigo.
No puedo cambiar
tu pasado ni tu futuro.
Pero cuando me necesites
estaré junto a ti.
No puedo evitar que tropieces.
Solamente puedo ofrecerte mi mano
para que te sujetes y no caigas.
Tus alegrías.
tus triunfos y tus éxitos
no son míos.
pero disfruto sinceramente
cuando te veo feliz.
No juzgo las decisiones
que tomes en la vida.
me limito a apoyarte
a estimularte
y a ayudarte si me lo pides.
No puedo trazarte límites
dentro de los cuales debes actuar,
Pero sí te ofrezco ese espacio
necesario para crecer.
No puedo evitar tu sufrimiento
cuando alguna pena
te parta el corazón,
Pero puedo llorar contigo
y recoger los pedazos
para armarlo de nuevo.
No puedo decirte quien eres
ni quien deberías ser.
Solamente puedo
amarte como eres
y ser tu amigo.
En estos días pensé
en mis amigos y amigas,
No estabas arriba,
ni abajo ni en medio.
No encabezabas
ni concluías la lista.
No eras el número uno
ni el número final.
Dormir feliz.
Emanar vibraciones de amor.
Saber que estamos aquíde paso.
Mejorar las relaciones.
Aprovechar
las oportunidades.
Escuchar al corazón.
Acreditar la vida.
Y tampoco tengo
la pretensiónde ser
el primero
el segundo
o el tercero
de tu lista.
Basta que me quieras como amigo.
Gracias por serlo.
Jorge Luis Borges
¶ 1 de Março de 2009
Condessa Olga Shuvalova, ou a placidez de uma tarde de domingo
¶ 1 de Março de 2009
Joys laugh not! Sorrows weep not!
William Blake
Trago para dentro do mundo
Longos dias sem manhã
Longas noites sem aurora
– Estrelas caídas de bruços
No vazio
Trago para dentro do mundo
A Voz – signo obscuro do medo
Grito de silêncio devorado pela esfinge
– Pedra-enígma da mente
Na vertigem
Trago para dentro do mundo
O Sol – zodíaco das trevas
– Touro selvagem empalhado
Cuja língua vomita da boca
Sangue coagulado
Trago para dentro do mundo
A Terra – bólide errante das esferas
– Assobio de náufragos e transeuntes cegos
Que trauteia um eco surdo nos ouvidos
E nos passos que se perdem
Trago para dentro do mundo
A Lua – corvo branco da noite
Que ludibria o terror das sombras
Que dissimula a morbidez da loucura
E afia seus punhais contra o desespero dos dragões
Trago para dentro do mundo
Este navio sem origem
– Este porto sem mar
Cuja âncora atraca na raiz das ruínas
Arquivos de ilusão
Trago para dentro do mundo
Aquilo que é o meu corpo
Aquilo que é a minha alma
– Sopro veloz de um único suspiro
Entre o início do princípio e o ocaso do fim
Adelmo Oliveira
¶ 1 de Março de 2009
(gentileza de Amélia Pais)
O poeta teve de chorar muitos dias e noites
antes de se tornar poeta.
Com trinta anos apenas,
o poeta já tinha chorado muito pelos outros.
Ser poeta quer dizer: estender as mãos.
Ser poeta quer dizer: consolação.
O poeta está sempre ao lado
dos aflitos, dos pobres, dos sofredores.
Neste mundo de desigualdade,
ele é irmão de todos os solitários.
O poeta nunca se encontra sozinho,
ele alberga em si toda a sabedoria do povo.
Por fim, emudecido, o poeta morre
para que renasça como poema.
Ele é, para sempre, uma estrela fiel no firmamento.
Ko Un