¶ 30 de Abril de 2013
Paul Cesar Helleu
a beleza lendária de Diana Mitford
"bene senescere sine timore nec spe"
blogue de Ana Roque
¶ 30 de Abril de 2013
A nossa inteligência as está vendo quando, da luz da sua rodeadas, criam a brisa pelo movimento com que entram para o espaço das palavras. Por ora irem mensura ainda o tempo de aparecerem zonas sombreadas conforme vinca músculos o lento vaivém de luzes que organiza a marcha. Mas caminham de fora para dentro. Dentro de brisas diáfanas onde, enigmático, se esconde esse silêncio de que surdem figuras entrando nas palavras. Fernando Echevarría
¶ 29 de Abril de 2013
Nas manhentas associações de horas cedo pensava com seus múltiplos botões, pestanas pretas, como é distante o que permanece - tão perto a noite do pequeno almoço tão certo o fruto do seu caroço. Já para não mencionar a sombra e os seus enganos, bailarina encostada às tábuas do mil dito. O silêncio tem tantas palavras que não sei Há sempre um vocábulo mais para escrever a areia, e, no somatório de flores e cansaços, estabelecer relevantes diferenças entre muita cultura e plantar alfaces é, no que à felicidade concerne, um dos mais fúteis passos e mui razoável questão. À falta de bons exemplos, bons versos, e mancando por força um francês de excelência (narcótico e fantástico charme), pouco haverá como, digo, na boca da tarde, riar o Tejo Rui A.
¶ 27 de Abril de 2013
O tempo vive, quando os homens, nele, se esquecem de si mesmos, ficando, embora, a contemplar o estreme reduto de estar sendo. O tempo vive a refrescar a sede dos animais e do vento, quando a estrutura estremece a dura escuridão que, desde dentro, irrompe. E fica com o uivo agreste espantando o seu estrondo de silêncio. Fernando Echevarría
¶ 26 de Abril de 2013
Seria eterno, se não fosse entrando por aquele país de solidão, aonde ver a luz alarga, quando e alarga, à volta, a vinda do verão. Seria eterno. Assim somente o brando movimento de entrar se lhe mensura, conforme ver, ao ir-se dilatando, amplia o campo útil da ternura. E, enquanto entra, um cântico de brisa lembra quanto por campos foi outrora tempo apagando a sua face lisa, qual se alisando, se apagasse a hora. E, indo entrando, a solidão se irisa e o vai esquecendo pelo tempo fora. Fernando Echevarría
¶ 25 de Abril de 2013
Acordei hoje com tal nostalgia de ser feliz. Eu nunca fui livre na minha vida inteira. Por dentro eu sempre me persegui. Eu me tornei intolerável para mim mesma. Vivo numa dualidade dilacerante. Eu tenho uma aparente liberdade mas estou presa dentro de mim. Eu queria uma liberdade olímpica. Mas essa liberdade só é concedida aos seres imateriais. Enquanto eu tiver corpo ele me submeterá às suas exigências. Vejo a liberdade como uma forma de beleza e essa beleza me falta. Clarice Lispector
¶ 23 de Abril de 2013
Queria que os nomes e todas as palavras que importam (mesmo todas, acredita), Umas não mais que outras, certo, mas também todas essas, juntas e em forma de Ideia, ou em castelos de areia fina, em altura mais ou menos cantada Queria que esses nomes, esses tantos nomes, E essas palavras essas tão cheias palavras Tão cheias de nada Trouxessem um dia um mapa uma fala uma ordem inversa Um outro canto aos cantos da casa Queria um lar um rio uma água Uma transparência mais simpática Um colchão de molas uma cozinha remodelada Uma aparelhagem digna um bom espaço para livros e obras Um amigo que escutasse e dissesse Gosto tanto de ti, ai tanto que eu gosto de ti Não te vás embora fica, não há nomes nem palavras mais que estas Por mais que as digas e faças Fica, fazes falta mesmo estando e faltas mais Muito mais, amigo meu, Mesmo com estas palavras e estes teus nomes do que falta faz, amigo, toda E qualquer Poesia Iremos um dia ver a música do alecrim Rui A.
¶ 22 de Abril de 2013
O limite do trajeto estendido em estradas percorridas encontrado no fio desenrolado em seu término jornadas remetem ao início dos labirintos. Pedro Du Bois
¶ 20 de Abril de 2013
Uma hora, alojada no bizarro elemento do espírito humano, pode valer cinquenta ou cem vezes mais que a sua duração medida pelo relógio; em contrapartida, uma hora pode ser fielmente representada no mostrador do espírito por um segundo. Virginia Woolf, in "Orlando"
¶ 19 de Abril de 2013
I ne’er was struck before that hour With love so sudden and so sweet. Her face it bloomed like a sweet flower And stole my heart away complete. My face turned pale, a deadly pale. My legs refused to walk away, And when she looked what could I ail My life and all seemed turned to clay. And then my blood rushed to my face And took my eyesight quite away. The trees and bushes round the place Seemed midnight at noonday. I could not see a single thing, Words from my eyes did start. They spoke as chords do from the string, And blood burnt round my heart. Are flowers the winter’s choice Is love’s bed always snow She seemed to hear my silent voice Not love appeals to know. I never saw so sweet a face As that I stood before. My heart has left its dwelling place And can return no more. John Clare
¶ 17 de Abril de 2013
Vês tu este gigante corpulento que solene e soberbo se reclina? Pois por dentro é farrapos e faxina, e é um carregador seu fundamento. Com sua alma vive e é movimento, e onde ele quer sua grandeza inclina; mas quem seu modo rígido examina despreza tal figura e ornamento. São assim as grandezas aparentes da presunção vazia dos tiranos: fantásticas escórias eminentes. Vês que, em púrpura ardendo, são humanos? As mãos com pedrarias são diferentes? Pois dentro nojo são, terra e gusanos. Francisco Quevedo, trad. José Bento
¶ 16 de Abril de 2013
E sou já do que fui tão diferente Que, quando por meu nome alguém me chama, Pasmo, quando conheço Que ainda comigo mesmo me pareço. Luís Vaz de Camões
¶ 16 de Abril de 2013
Irmão, nada é eterno, nada sobrevive. Recorda isto, e alegra-te. A nossa vida não é só a carga dos anos. A nossa vereda não é só o caminho interminável. Nenhum poeta tem o dever de cantar a antiga canção. A flor murcha e morre; mas aquele que a leva não deve chorá-la sempre... Irmão, recorda isto, e alegra-te. Chegará um silêncio absoluto, e, então, a música será perfeita. A vida inclinar-se-á ao poente para afogar-se em sombras doiradas. O amor há-de ser chamado do seu jogo para beber o sofrimento e subir ao céu das lágrimas ... Irmão, recorda isto, e alegra-te. Apanhemos, no ar, as nossas flores, não no-las arrebate o vento que passa. Arde-nos o sangue e brilham nossos olhos roubando beijos que murchariam se os esquecêssemos. É ânsia a nossa vida e força o nosso desejo, porque o tempo toca a finados. Irmão, recorda isto, e alegra-te. Não podemos, num momento, abraçar as coisas, parti-las e atirá-las ao chão. Passam rápidas as horas, com os sonhos debaixo do manto. A vida, infindável para o trabalho e para o fastio, dá-nos apenas um dia para o amor. Irmão, recorda isto, e alegra-te. Sabe-nos bem a beleza porque a sua dança volúvel é o ritmo das nossas vidas. Gostamos da sabedoria porque não temos sempre de a acabar. No eterno tudo está feito e concluído, mas as flores da ilusão terrena são eternamente frescas, por causa da morte. Irmão, recorda isto, e alegra-te. Rabindranath Tagore, trad. Manuel Simões
¶ 15 de Abril de 2013
I Ao fim do caminho vejo o poder Lembra uma cebola com rostos sobrepostos que vão caindo uns após outros… II Os teatros esvaziam-se. É meia-noite. Letreiros flamejam nas fachadas. O mistério das cartas sem resposta afunda-se por entre a fria cintilação. Tomas Tranströmer, trad. Luís Costa
¶ 14 de Abril de 2013
Rápido o marujo arroja a vela o barco equilibrado sobre a água imóvel da tormenta no íntimo momento em suspenso da hora do naufrágio. Pedro Du Bois
¶ 13 de Abril de 2013
No bairro de Alfama os eléctricos amarelos cantavam nas Subidas. Havia duas prisões. Uma delas era para os gatunos. Eles acenavam através das grades. Eles gritavam. Eles queriam ser fotografados! "Mas aqui", dizia o revisor e ria baixinho como um afectado "aqui sentam-se os políticos". Eu vi a fachada, a fachada, a fachada e em cima, a uma janela, um homem, com um binóculo à frente dos olhos, espreitando para além do mar. A roupa pendia no azul. Os muros estavam quentes. As moscas liam cartas microscópicas. Seis anos depois, peguntei a uma dama de Lisboa: Isto é real, ou fui eu que sonhei ? Tomas Tranströmer, trad. Luís Costa
¶ 12 de Abril de 2013
Tenho às vezes um sonho estranho e penetrante Com uma desconhecida, que amo e que me ama E que, de cada vez, nunca é bem a mesma Nem é bem qualquer outra, e me ama e compreende. Porque me entende, e o meu coração, transparente Só pra ela, ah!, deixa de ser um problema Só pra ela, e os suores da minha testa pálida, Só ela, quando chora, sabe refrescá-los. Será morena, loira ou ruiva? — Ainda ignoro. O seu nome? Recordo que é suave e sonoro Como esses dos amantes que a vida exilou. O olhar é semelhante ao olhar das estátuas E quanto à voz, distante e calma e grave, guarda Inflexões de outras vozes que o tempo calou. Paul Verlaine, trad. Fernando Pinto do Amaral
¶ 11 de Abril de 2013
No barulho forte e mudo servido em raspas Que por vezes acontece Na certa vertigem e algum desgosto deste aperto aqui tão perto Tão chegado ao chão e já tão cerca e certo de estar Que nem pressa tem São tantas as palavras para a ausência Que a haver algum retrato Não é retrato Que se veja Não é verso Que se diga E na lamentável falta de controvérsia Dos dias e das noites não há sequer Uma ponta Ou um remorso Rui A.
¶ 11 de Abril de 2013
De longe te hei-de amar - da tranquila distância em que o amor é saudade e o desejo, constância. Do divino lugar onde o bem da existência é ser eternidade e parecer ausência. Quem precisa explicar o momento e a fragrância da Rosa, que persuade sem nenhuma arrogância? E, no fundo do mar, a Estrela, sem violência, cumpre a sua verdade, alheia à transparência. Cecília Meireles
¶ 10 de Abril de 2013
Lady Elizabeth Leveson-Gower, mais tarde Marqueza de Westminster
¶ 10 de Abril de 2013
O real não é nunca aquilo em que se poderia acreditar, mas é sempre aquilo em que deveríamos ter pensado. Gaston Bachelard
¶ 10 de Abril de 2013
Os instantes Superiores da Alma Acontecem-lhe - na solidão - Quando o amigo - e a ocasião Terrena Se retiram para muito longe - Ou quando - Ela Própria - subiu A um plano tão alto Para Reconhecer menos Do que a sua Omnipotência - Essa Abolição Mortal É rara - mas tão bela Como Aparição - sujeita A um Ar Absoluto - Revelação da Eternidade Aos seus favoritos - bem poucos - A Gigantesca substância Da Imortalidade Emily Dickinson, trad. Nuno Júdice
¶ 9 de Abril de 2013
Vida: sensualíssima mulher de carnes maravilhosas cujos passos são horas cadenciadas rítmicas fatais. A cada movimento do teu corpo dispersam asas de desejos que me roçam a pele e encrespam os nervos na alucinação do «nunca mais». Vou seguindo teus passos lutando e sofrendo cantando e chorando e ficam abertos meus braços: nunca te alcanço! Meu suplício de Tântalo. Envelheço... E tu, Vida, cada vez mais viçosa na oscilação nervosa das tuas ancas fecundas e sempre virgens! À punhalada dilacero a folhagem e abro clareiras na floresta milenária do meu caminho. Humildemente se rasga e avilta no roçar dos espinhos minha carne dorida. E quando julgo chegada a hora meu abraço de posse fica escancarado no ar! Olímpica firme gloriosa tu passas e não te alcanço, Vida. Caio suado de borco no lodo... O vento da noite badala nos ramos sarcasmos canalhas. Não avisto a vida! Tenho medo, grito. Creio em Deus e nos fantásticos ecos do meu grito que vêm de longe e de perto do sul e do norte que me envolvem e esmagam: — maldita selva, maldita selva, antes o deserto, a sede e a morte! Manuel da Fonseca
¶ 8 de Abril de 2013
Quem és tu que queres julgar, com vista que só alcança um palmo, coisas que estão a mil milhas ? Dante Alighieri
¶ 7 de Abril de 2013
No calor da pugna no calar da ruína no colar exposto na prática prisão dos elementos: o ouro reluzente craveja a pedra arremessada o colar sufoca a vida inexistente. Pedro Du Bois
¶ 7 de Abril de 2013
Quantas vezes nos devia aparecer mesmo que em sonhos Um pasteleiro trotskista como o de Moretti O das boas angústias, salvo seja Quantas vezes nos devia aparecer mesmo que em sonhos Uma manhã florida, de entretecer Cordéis num bom e não clássico romance Que ficasse Quantas vezes mesmo deviam os sonhos singular Mais do que servem os médios dias plurais Uma rosa púrpura no bairro Cheia de boas referências Quantas vezes mesmo devia o mesmo aparecer Em tons de pastel E segundos de aguarela Trauteando passeios e avenidas O Tejo é o rio mais bonito e sem dúvida em mais cidades que Lisboa Entretanto e a cada qual as suas Leituras E equivalências E da relva sai algum poema que ainda que sem jeito pensava Impossível Mas como num bom filme de cinema Há finais felizes e guias nos dias Completos e pasteleiros nos dias de pôr À mesa E depois quantas vezes os dias São romance Não ocupado Há dias que são autênticas mercearias. Rui A.
¶ 6 de Abril de 2013
O que me dói É que quando está tudo acabado Pronto pronto Não há nada acabado Nem pronto pronto Pintou-me a casa toda Está tudo limpado O armário fechado A roupa arrumada Tudo belo, perfeito. E no mesmo instante Em que aperfeiçoamos a perfeição Uma lasca diminuta, ténue, microscópica, Não sei onde, Está começando Na pintura da casa E as traças, não sei onde, Estão batendo asas E a poeira, em geral, está caindo invisível, E a ferrugem está comendo não sei quê E não há jeito de parar. Millôr Fernandes
¶ 5 de Abril de 2013
Amo-te no intenso tráfego Com toda a poluição no sangue. Exponho-te a vontade O lugar que só respira na tua boca Ó verbo que amo como a pronúncia Da mãe, do amigo, do poema Em pensamento. Com todas as ideias da minha cabeça ponho-me no silêncio Dos teus lábios. Molda-me a partir do céu da tua boca Porque pressinto que posso ouvir-te No firmamento. Daniel Faria
¶ 4 de Abril de 2013
Vestia-se ultimamente Com o primeiro facto do dia Saía para a rua barba feita e razoavelmente calçado Que os pés lhe hesitavam parecia que Desde sempre mas não Nem sempre foi assim e isso lhe dizia A simpática porteira que o conhecera em pequeno E desde então o sabia e julgava Para todo o sempre então como está O menino e a namorada Do menino encanto do bairro Entre meliantes vários e maus Estudantes sempre profissionais nos entretantos De enrolar mortalhas com que embrulhar futuros Escassos e empregos descontentes enquanto Empregos havia na cidade que nunca Conheciam para lá Do bairro Saía ultimamente para a rua com o mesmo Sem vontade já certificado do Noticiário as coisas marchavam como se não Marchassem de facto e em cada dia aparecia Assim supunha mais um responsável pelo mau estado De um país que se habituara ao mau estado de ser País. Cruzava-se invariavelmente com muita gente No grotesco eléctrico para 24 de Julho Data que nada lhe dizia ou tocava Mais por ignorância que por hábito (é hábito distinguir entre) E reparava nos olhos esquecidos de ser olhos Nas pessoas mais feias das primeiras horas Sabendo que outras seguiriam para já não tardando Que outras seguiriam mais pontuadas decerto Por maravilhosas figuras com maravilhosos destinos Gente compenetrada e caras bonitas certas de ter caminho Onde iam Tudo o convencia que devia ser outro O facto que vestia Rui A.
¶ 3 de Abril de 2013
Estranho é o sono que não te devolve. Como é estrangeiro o sossego De quem não espera recado. Essa sombra como é a alma De quem já só por dentro se ilumina E surpreende E por fora é Apenas peso de ser tarde. Como é Amargo não poder guardar-te Em chão mais próximo do coração. Daniel Faria
¶ 3 de Abril de 2013
Eu morro dia a dia, sabendo-o, sentindo-o, com a morte do amor em mim. Esvaiu-se, ensandeceu, partiu, espécie de sol sepultado por mãos ímpias, numa cratera de lua, algures, ou na tristeza de um retrato emudecido pela ausência de vozes em redor. Sem ele, a casa ficou deserta de risos, acenos e afectos, de tudo, as mãos ficaram ásperas, secas, a pele do rosto gretada, fria, e o sangue tornou-se lento e espesso, incapaz de dar vida às pequenas folhas orvalhadas da imaginação das noites. A erva cresce em redor de mim, os limões ficaram ressequidos sobre a toalha bordada, num canto da mesa. O amor tudo mata quando morre, detendo no seu movimento elementar, a máquina que ilumina o coração do dia. José Jorge Letria
¶ 2 de Abril de 2013
O poema tem mais pressa que o romance, Asa de fogo para te levar: Assim, pois, se houver lama que te lance Ao corpo quente algum, hei-de chorar. Deus fez o poeta por que não descanse No golfo do destino e amores no mar: Vem um, de onda, cobri-la — e ela que dance! Vem outro — e faz menção de me enfeitar. Os outros a conspurcam, mas é minha! Chicoteá-la vou com a própria espinha, Estreitam-me de amor seus braços mornos, Transformo seus gemidos em meus uivos E torno anéis dos seus cabelos ruivos Na raspa canelada dos meus cornos. Vitorino Nemésio
¶ 1 de Abril de 2013
quando o poema são restos do naufrágio do espaço interior numa furtiva luz desesperada, resvalando até à superfície, lisa, firme, compacta, das coisas que todos os dias agarramos, quando o poema as envolve numa aura verbal e se incorpora nelas, ou são elas a impor-lhe a sua metafísica e o espaço exterior que povoam de temporalidades eriçadas, luzes cruas, sons ínfimos, poeiras. Vasco Graça Moura