¶ 28 de Fevereiro de 2009
John Singer Sargent
Mrs. Hugh Hammersley em tom carmesim
"bene senescere sine timore nec spe"
blogue de Ana Roque
¶ 28 de Fevereiro de 2009
E se falhar o amor que outra fantasia invento? E se o lobo ávido der comigo sedenta e ambígua e não me reconhecer? Se falhar a construção aproveito-me da linguagem: minto. Adriana Lustosa
¶ 28 de Fevereiro de 2009
If you came this way, Taking any route, starting from anywhere, At any time or at any season, It would always be the same: you would have to put off Sense and notion. You are not here to verify, Instruct yourself, or inform curiosity Or carry report. You are here to kneel Where prayer has been valid. And prayer is more Than an order of words, the conscious occupation Of the praying mind, or the sound of the voice praying. And what the dead had no speech for, when living, They can tell you, being dead: the communication Of the dead is tongued with fire beyond the language of the living. Here, the intersection of the timeless moment Is England and nowhere. Never and always. T.S. Eliot
¶ 28 de Fevereiro de 2009
If you came this way, Taking the route you would be likely to take From the place you would be likely to come from, If you came this way in may time, you would find the hedges White again, in May, with voluptuary sweetness. It would be the same at the end of the journey, If you came at night like a broken king, If you came by day not knowing what you came for, It would be the same, when you leave the rough road And turn behind the pig-sty to the dull facade And the tombstone. And what you thought you came for Is only a shell, a husk of meaning From which the purpose breaks only when it is fulfilled If at all. Either you had no purpose Or the purpose is beyond the end you figured And is altered in fulfilment. There are other places Which also are the world's end, some at the sea jaws, Or over a dark lake, in a desert or a city— But this is the nearest, in place and time, Now and in England. T.S. Eliot
¶ 28 de Fevereiro de 2009
Time present and time past Are both perhaps present in time future, And time future contained in time past. If all time is eternally present All time is unredeemable. What might have been is an abstraction Remaining a perpetual possibility Only in a world of speculation. What might have been and what has been Point to one end, which is always present. Footfalls echo in the memory Down the passage which we did not take Towards the door we never opened Into the rose-garden. My words echo Thus, in your mind. But to what purpose Disturbing the dust on a bowl of rose-leaves I do not know. T.S. Eliot
¶ 27 de Fevereiro de 2009
São belos os nomes que te embalam os sonhos que escrevo em todos meus versos. O ciúme confesso em noturnos que calam o eco dos teus pensamentos diversos (ficção desta que, sozinha, enfrenta o tédio,a saudade, inventa universos de ritmada conspiração em hora tão lenta). A cidade, a noite em meus olhos dispersos. Adrianne Fontoura
¶ 26 de Fevereiro de 2009
Não tenho apegos e do antigo me desfaço. Pensar ou dizer não promove existência. Só há valor no que sinto e neste meu passo, no sangue que arde e anima a matéria que transita ora terrena, ora livre, no espaço. Com os braços abertos espero novos ventos. Nada temo, pois eu mesma sou tempestade, força mutante que impera por todos os tempos. Adrianne Fontoura
¶ 25 de Fevereiro de 2009
(in Fragmento 8) Teu corpo quando amava me excedia, e me excedendo com o amor foi me envolvendo, e nesse amor absorvente de tal forma absorvendo, que agora que o não tenho não sei como permaneço nesta ausência em que tuas formas se envolveram, tanto o amor e a forma do teu corpo no meu corpo se inscreveram. Affonso Romano de Sant'Anna
¶ 25 de Fevereiro de 2009
A primeira vez que entendi do mundo alguma coisa foi quando na infância cortei o rabo de uma lagartixa e ele continuou se mexendo. De lá pra cá fui percebendo que as coisas permanecem vivas e tortas que o amor não acaba assim que é difícil extirpar o mal pela raiz. A segunda vez que entendi do mundo alguma coisa foi quando na adolescência me arrancaram do lado esquerdo três certezas e eu tive que seguir em frente. De lá pra cá aprendi a achar no escuro o rumo e sou capaz de decifrar mensagens seja nas nuvens ou no grafite de qualquer muro. Affonso Romano de Sant'Anna
¶ 24 de Fevereiro de 2009
Estou te amando e não percebo, porque, certo, tenho medo. Estou te amando, sim, concedo, mas te amando tanto que nem a mim mesmo revelo este segredo. Affonso Romano de Sant'Anna
¶ 24 de Fevereiro de 2009
Ao objeto é dado o direito de se manter imóvel e quieto no seu canto: pode ser movimentado pelo vento que insufla a cortina e o joga armário abaixo, onde se quebra o objeto se multiplica em pedaços que são colados deixando à mostra as cicatrizes da queda: amizades restabelecidas após mal entendidos; o objeto pode ser jogado fora sempre que desnecessária a sua permanência: em caso de morte do proprietário, os livros em bom estado fazem as honras dos objetos e são vendidos em primeiro lugar, por quase nada. Pedro Du Bois
¶ 23 de Fevereiro de 2009
A maneira de andar como quem busca estrelas pelo chão. A cabeça a dar contra os muros. Em cada olho, o mundo como um punhal - cravado. O pensamento a abrir estradas numa várzea distante. Os ângulos do sonho formando orlas povoadas de fêmeas que a meu encontro viriam do outro lado, em lânguidas posturas. Diante do mar, a sede, a sede de beber a vida em infinitas viagens. As garras de gato ante paredes impostas. A impaciência de que chegue a manhã e a praia, a tarde e o amor. A maneira de andar como a fugir dos homens - e tê-los contra o peito. O pensamento a atirar pedras contra as vidraças que guardam os produtores frios de injustiças. O coração que bate ao som de fábulas. Que bate contra rochedos mortos numa praia de cinza onde palpita o primeiro amor. coração eterno. O amor eterno que bate. A alegria! A alegria! Íntima, espantada de si mesma, gloriosa como palmas a se abrirem aos quatro ventos, a alegria de sentir-me vivo, a alegria de bicho do mato, criança, dominada, eterna. Afonso Félix de Sousa
¶ 23 de Fevereiro de 2009
A paisagem não vale a pena. Pesa dizê-lo assim tão duramente, mas o que posso fazer contra os mascarados que penetraram os altos muros e agora coabitam os aposentos desolados? Já não vale a pena a manhã. Os embuçados chegaram em surdina e foram destroçando todos os pilares, todas as primaveras, as lúcidas esperanças, vultos tão horrendos que paralisaram o dia. A noite não significa mais nada. As casas dormem e não significam nada. O vento cortou-se em mil fatias de desespero. Que dimensão canta além da treva, a face repousada, os olhos claros? Afonso Henriques Neto
¶ 22 de Fevereiro de 2009
O mocho traz nos olhos, escondido, um sol. Com ele, incendeia a noite Albano Martins
¶ 22 de Fevereiro de 2009
talvez um poema assim seja simples como sombras de palavras simples silhuetas ímpares de simples pessoas pares anónimo canto dos párias que no caminho meio desta vida entre lances de dedos e de dados como as Damas súbitas da partida o acaso não abolirá talvez o poema assim seja Alberico Carneiro
¶ 22 de Fevereiro de 2009
talvez um poema seja simples poeira de palavras projetadas de pessoas imprimidas como trevas bem no coração da névoa que acaso num lance de dedos e dados como silhuetas que se projetam como penumbra esfumada que o acaso não abolirá Alberico Carneiro
¶ 21 de Fevereiro de 2009
Lady Agnew of Lochnaw, nascida Gertrude Vernon, à espera da vida
¶ 21 de Fevereiro de 2009
talvez um poema seja simples sobra de palavras impronunciadas por pessoas na inútil Babel da fala mas impressas como em tábuas da sarça do Verbo em chamas nessa partida de Damas Negras em Noite de Núpcias que num lance de dados e de dedos o acaso não abolirá Alberico Carneiro
¶ 20 de Fevereiro de 2009
Só o pó pode andar de verdade pelas ruas só o pó se esvai e continua a ser pó - hóstia miúda que o vento varre e empurra a cantos cada vez mais dispersos cada vez mais escuros sem voz, eu te saúdo (não canto apenas cuspo tanto pó que me ofusca)! Alberto Alexandre Martins
¶ 20 de Fevereiro de 2009
Grão de pó opaco a se queimar silêncio apesar do fogo, carvão apesar da voz tua dor é intraduzível na manhã ágrafa e solar. Alberto Alexandre Martins
¶ 20 de Fevereiro de 2009
pés na enxurrada eu vou chovendo enquanto o dia chora e a vida por dentro me molha. Alexandre Marino
¶ 19 de Fevereiro de 2009
(gentileza de Amélia Pais) Que a noite seja perfeita se formos dignos dela Nenhuma pedra branca nos indicava o caminho Onde as fraquezas vencidas acabavam de morrer Íamos para além dos mais longínquos horizontes Com os nossos ombros e com as nossas mãos E esse entusiasmo tamanho Até ao brilho das abóbadas insondáveis E essa fome de permanecer E essa sede de sofrer Sufocando-nos a garganta Como mil enforcamentos Partilhámos as nossas sombras Mais do que as nossas luzes Mostrámo-nos Mais gloriosos com as nossas feridas Do que com as vitórias esparsas E as manhãs felizes Construímos muro a muro A negra muralha de nossas solidões E essas cadeias de ferro prendendo o nosso andar Forjadas com o mais duro metal Que perfeita seja a noite em que nos afundamos Destruímos toda a felicidade e toda a ternura E os nossos gritos não terão Doravante mais do que o trémulo eco Das poeiras perdidas Nos abismos do nada. Alain Grandbois
¶ 18 de Fevereiro de 2009
Como a luz numa caixa de laranjas ou a chuva sobre a mesa de verduras no mercado, desce a manhã neste jardim, descalça, e as flores que traz, na involuntária beleza, parecem, contra seu corpo de verão enfunado, musgo, limo, ferrugem, as feridas que os pássaros abrem na casca lisa e perfeita de um fruto. Alberto da Costa e Silva
¶ 18 de Fevereiro de 2009
Quem é esse ser que me habita Que por mim fala e em mim cala Quem é este estranho ser Que vive em mim entre ter e haver Que em mim se esconde Que por mim responde Que se perfaz em devaneios Sempre aqui, acolá ou de permeio. Que mais existe quanto mais anseio Que sofre em mim quando amo Que se alegra quando sofro Que procura tecer sua trama Nesse drama em que sou chama Quem é este ser que me habita Que me desdiz sem me dizer Que se desfaz no meu fazer Que grita em minha garganta Que quanto menor mais se agiganta Quem este poema escreve? Sou eu mesmo ou um outro ser em mim? Alberto Beuttenmüller
¶ 17 de Fevereiro de 2009
Todos os dias são iguais ? o grego e o menino que fui sempre o souberam. Ele o pensava, eu o vivia, amargo. O sol cegava, nos telhados. Mas o menino de ontem, hoje, cantava. Alberto da Costa e Silva
¶ 17 de Fevereiro de 2009
Poema sem palavras Harpa sem cordas Portal sem portas. Alberto Marsicano Rodrigues
¶ 16 de Fevereiro de 2009
Há pouco já chegava o ameno vento Que deixa seu langor em todo rosto; Mas já se troca em gelo, em fel, desgosto, Que em toda paz parece haver tormento. E assim se faz, de um pouco, o abastamento; E dá a ver, num dia só, composto, Um ano todo inteiro em que suposto Amálgama de climas seja o intento. Mas não há mais que zelo e hesitação: Se é guerra, assim, motor que move a paz, Não seja mais preciso ter à mão Que a ânsia de lutar; que a dor que traz O fero padecer se paga, então, No fraco que, de si, constrói-se audaz. Alckmar Luiz dos Santos
¶ 16 de Fevereiro de 2009
O mar é muito. Por isso a praia é linha; A onda é arco, O barco é ponto E o horizonte é reta. O mar é tanto, Que mesmo o céu é pouco, As nuvens são manchas E a chuva é acréscimo. O mar é tamanho Que o sonho é remanso, As ânsias são capricho E o grito é suspiro. Aldo Votto
¶ 15 de Fevereiro de 2009
primavera até a cadeira olha pela janela luzes acesas vozes amigas chove melhor Alice Ruiz
¶ 15 de Fevereiro de 2009
Arrastei todo o barro e cerâmicas Que as minhas pernas sustentaram, Para erguer teu abrigo perene Plantei muitas florestas de musgos e heras, Mais do que meu corpo supôs lograr, Para te amparar à sombra do dia Aldo Votto
¶ 15 de Fevereiro de 2009
Li todos os livros Que minhas mãos alcançaram, Para te ensinar o que aprendi Ouvi todos as canções Que meus ouvidos perceberam, Para repeti-las e te encantar Mirei todas as telas e aquarelas Que meus olhos permitiram, Para imitá-las e te retratar Carreguei todas as madeiras e rochas brutas Que meus braços suportaram, Para extrair delas teu busto perfeito Aldo Votto
¶ 14 de Fevereiro de 2009
há bigornas espalhadas por todo espaço e um fogo larva que nasce em si mesmo magma sem nenhuma preocupação com as horas oficina - casa do ofício, ócio, cio acima um aviso breve permitindo a entrada de pessoas estranhas ao serviço e martelos usados ou virgens e muito ferro signo para fundir portanto o ferreiro não dorme e malha o gesto em sangue quente, como era no princípio e agora e sempre: poesia Aleilton Fonseca
¶ 14 de Fevereiro de 2009
Um dente d'ouro a rir dos panfletos Um marido afinal ignorante Dois corvos mesmo muito pretos Um polícia que diz que garante A costureira muito desgraçada Uma máquina infernal de fazer fumo Um professor que não sabe quase nada Um colossalmente bom aluno Um revolver já desiludido Uma criança doida de alegria Um imenso tempo perdido Um adepto da simetria Um conde que cora ao ser condecorado Um homem que ri de tristeza Um amante perdido encontrado Um gafanhoto chamado surpresa O desertor cantando no coreto Um malandrão que vem pe-ante-pé Um senhor vestidíssimo de preto Um organista que perde a fé Um sujeito enganando os amorosos Um cachimbo cantando a marselhesa Dois detidos de fato perigosos Um instantinho de beleza Um octogenário divertido Um menino coleccionando estampas Um congressista que diz Eu não prossigo Uma velha que morre a páginas tantas Alexandre O'Neill
¶ 14 de Fevereiro de 2009
Meu coração é duro e forte como a represa que segura as águas da correnteza como eu seguro esta ferida se vem a sede e o amor quer inundar o meu deserto a represa explode linda e dolorida sem saber se é errado ou certo minha barragem abre-se às águas do meu canto e a violência do amor que espuma mata a sede e também me afoga e a paisagem assustada com a enchente que ressoa não consegue vedar meu coração por mais que a ferida doa. Alexandre Marino
¶ 14 de Fevereiro de 2009
(gentileza de Amélia Pais) Tu és o maravilhoso canto no qualnós encontramos impulso a música onde as formas são construídas. Tu és o segredo do pensamento graças ao qual tudo se move, o esplendor está reunido em ti como na ânfora o molho das canas. Tu és o dedo do cipreste que indica o caminho e as tuas sobrancelhas se reúnem num só arco. Deus do meio-dia que dominas sobre os astros. Gregório de Narek
¶ 13 de Fevereiro de 2009
Fala a sério e fala no gozo Fá-la pela calada e fala claro Fala deveras saboroso Fala barato e fala caro Fala ao ouvido fala ao coração Falinhas mansas ou palavrão Fala à miúda mas fá-la bem Fala ao teu pai mas ouve a tua mãe Fala francês fala béu-béu Fala fininho e fala grosso Desentulha a garganta levanta o pescoço Fala como se falar fosse andar Fala com elegância - muito e devagar. Alexandre O'Neill
¶ 13 de Fevereiro de 2009
O dinheiro na carteira exponencia o uso do poder. A utilização da vaidade. A raiva concentrada reúne a oposição deixada ao relento. O dinheiro no bolso consome distâncias e ilusoriamente engana a certeza do trajeto. Pedro Du Bois
¶ 13 de Fevereiro de 2009
O medo vai ter tudo pernas ambulâncias e o luxo blindado de alguns automóveis Vai ter olhos onde ninguém o veja mãozinhas cautelosas enredos quase inocentes ouvidos não só nas paredes mas também no chão no teto no murmúrio dos esgotos e talvez até (cautela!) ouvidos nos teus ouvidos O medo vai ter tudo fantasmas na ópera sessões contínuas de espiritismo milagres cortejos frases corajosas meninas exemplares seguras casas de penhor maliciosas casas de passe conferências várias congressos muitos óptimos empregos poemas originais e poemas como este projectos altamente porcos heróis (o medo vai ter heróis!) costureiras reais e irreais operários (assim assim) escriturários (muitos) intelectuais (o que se sabe) a tua voz talvez talvez a minha com a certeza a deles Vai ter capitais países suspeitas como toda a gente muitíssimos amigos beijos namorados esverdeados amantes silenciosos ardentes e angustiados Ah o medo vai ter tudo tudo (Penso no que o medo vai ter e tenho medo que é justamente o que o medo quer) O medo vai ter tudo quase tudo e cada um por seu caminho havemos todos de chegar quase todos a ratos Sim a ratos Alexandre O'Neill
¶ 12 de Fevereiro de 2009
(gentileza de Zeferino) Santa Maria Egipcíaca seguia Em peregrinação à terra do Senhor. Caía o crepúsculo, e era como um triste sorriso de mártir. Santa Maria Egipcíaca chegou À beira de um grande rio. Era tão longe a outra margem! E estava junto à ribanceira, Num barco, Um homem de olhar duro. Santa Maria Egipcíaca rogou: - Leva-me à outra parte do rio. Não tenho dinheiro. O Senhor te abençoe. O homem duro fitou-a sem dó. Caía o crepúsculo, e era como um triste sorriso de mártir… - Não tenho dinheiro. O senhor te abençoe. Leva-me à outra parte. O homem duro escarneceu: - Não tens dinheiro, Mulher, mas tens teu corpo. Dá-me teu corpo, e vou levar-te. E fez um gesto. E a santa sorriu, Na graça divina, ao gesto que ele fez. Santa Maria Egipcíaca despiu O manto, e entregou ao barqueiro A santidade da sua nudez. Manuel Bandeira
¶ 12 de Fevereiro de 2009
No meio da noite, configura a fragrância das palavras mágicas Na chave da noite, a ternura, pluma que verte enigmas Nas mãos do tempo, o arado que rasga os mistérios do sentimento que define O homem da meia noite, em seu caminho de volta que faz ao adentrar a meia lua das unhas dos enigmas. A mão da noite destrava a chave da fragrância das palavras mágicas Alice Spíndola
¶ 12 de Fevereiro de 2009
ou "O quotidiano recebido como mosca" O poeta está só, completamente só. Do nariz vai tirando alguns minutos De abstracção, alguns minutos Do nariz para o chão Ou colados sob o tampo da mesa Onde o poeta é todo cotovelos E espera um minuto de beleza. Mas o poeta é aos novelos; Mas o poeta já não tem a certeza De segurar a musa, aquela que tantas vezes, arrastou pelos cabelos... A mosca Albertina, que ele domesticava, Vem agora ao papel, como um insecto-insulto, Mas fingindo que o poeta a esperava... Quase mulher e muito mosca, Albertina quer o poeta para si, Quer sem versos o poeta. Por isso fica, mosca-mulher, por ali... — Albertina!, deixa-me em paz, consente Que eu falhe neste papel tão branco e insolente Onde belo e ausente um verso eu sei que está! — Albertina! eu quero um verso que não há!... Conjugal, provocante, moreno e azulado, O insecto levanta, revoluteia, desce E, em lugar do verso que não aparece, No papel se demora como um insulto alado. E o poeta sai de chofre, por uns tempos desalmado ... Alexandre O'Neill
¶ 12 de Fevereiro de 2009
(...) esquece as razões varonis dos recomeços e encontra na feminilidade entranhada a dúvida encoberta dos planetas avulsos de sistemas imperfeitos das descobertas esquece a primeira leitura descompromissada das letras dispostas em sequências ligeiras de sons apresentados como algoz e libertação dos espíritos escurecidos que trafegam sob águas imodestas decorrentes em rios de abusos insinceros depois das curvas e dos lagos reabertos aos barcos maiores dos estorvos Pedro Du Bois
¶ 12 de Fevereiro de 2009
Amada, por que eu tive a tua voz Depois que o Nada teve a tua boca? A lua, em sua palidez de louca, Brilha igual sobre mim, e sobre nós!... Porém como estás longe, como o algoz De um só golpe sem fim — a Morte — apouca Os gritos dos que esperam, a ânsia rouca Dos que atrás têm seu sonho, os grandes sós! Aqui não brilha o mundo que engendraste Como o manto de um deus, e astros sangrentos Não nos rolam nas mãos da imensa haste. E só estes olhos meus, que nunca viste, Se incendeiam, vitrais na noite atentos, Voltados para o chão aonde fugiste! Alexei Bueno
¶ 11 de Fevereiro de 2009
I empty myself of the names of others. I empty my pockets. I empty my shoes and leave them beside the road. At night I turn back the clocks; I open the family album and look at myself as a boy. What good does it do? The hours have done their job. I say my own name. I say goodbye. The words follow each other downwind. I love my wife but send her away. My parents rise out of their thrones into the milky rooms of clouds. How can I sing? Time tells me what I am. I change and I am the same. I empty myself of my life and my life remains. Mark Strand
¶ 11 de Fevereiro de 2009
Revelações do calendário lembranças do tempo as rugas descortinam rabiscos da insónia uma música desconcertante um ponto ou uma fuga. Almandrade
¶ 11 de Fevereiro de 2009
Na opacidade o vulto condenado ao ostracismo. Sombrio estado de regresso. A não saída. O adiamento. Tormento incorporado à pressa em se fazer distante. Utilizar o espaço raso do escuro corpo encoberto sobreposto ao esforço de se fazer joio e trigo entrelaçados. Pedro Du Bois
¶ 10 de Fevereiro de 2009
O infinito reclina e adormece na solidão dos enigmas. As manias gregas O mármore das imagens. Mitos e estátuas que desafiam o vazio e o abstrato. Verdades, dúvidas de ninguém. Almandrade
¶ 10 de Fevereiro de 2009
(...) Não é no chão ou nas estrelas no mar ou no céu na rosa ou no vento que a liberdade se encontra. Em teu corpo, livro, ela sempre alvorece E se te queimam, em chamas ardentes, das cinzas ressurges sempre a proclamar verdades desnudar mistérios semear amor liberdade paz. Aluysio Mendonça Sampaio
¶ 10 de Fevereiro de 2009
A suave castelã das horas mortas Assoma à torre do castelo. As portas, Que o rubro ocaso em onda ensanguentara, Brilham do luar à luz celeste e clara. Como em órbitas de fatias caveiras Olhos que fossem de defuntas freiras, Os astros morrem pelo céu pressago... São como círios a tombar num lago. E o céu, diante de mim, todo escurece... E eu que nem sei de cor uma só prece! Pobre alma, que me queres, que me queres? São assim todas, todas as mulheres. Alphonsus de Guimaraens
¶ 9 de Fevereiro de 2009
Si he perdido la vida, el tiempo, todo lo que tiré, como un anillo, al agua, si he perdido la voz en la maleza, me queda la palabra. Si he sufrido la sed, el hambre, todo lo que era mío y resultó ser nada, si he segado las sombras en silencio, me queda la palabra. Si abrí los labios para ver el rostro puro y terrible de mi patria, si abrí los labios hasta desgarrármelos, me queda la palabra. Blas de Otero
¶ 9 de Fevereiro de 2009
Palácio iluminado, o olho do sapo brilhando na escuridão. Álvaro Cardoso Gomes
¶ 9 de Fevereiro de 2009
Êxtase de luz! Pela janela aberta, entram mariposas. Álvaro Cardoso Gomes
¶ 9 de Fevereiro de 2009
na ternura assustada da peça a culpa um dardo encrava da trama poeirenta o susto de feito é fardo arde nossa dor profunda quase inesgotável de vergonha e confissão. Álvaro Faleiros
¶ 8 de Fevereiro de 2009
Abro a gaveta onde se esconderam uns fantasmas e eu guardei outros, disfarçados de palavras, camisas limpas que não pude vestir e papel em branco, envoltos em ninhos de sombras e pedaços de luz da lamparina de azeite do oratório de minha mãe- abro a gaveta vagarosamente, assustado para que não me assustem como quando eramenino e os temia mas conversava com eles na escuridão do quarto. Tenho medo da gaveta e desses seus conteúdos que poderão trazer de volta osfantasmas, os que guardei e os que se esconderam apenas esperandoo tempo de se apresentarem àminha solidão e desesperança para cobrar a vida que não tivemos eu e os meus predecessores, eu e os meus perseguidores, eu e os que não me amaram, eu e os que não pude amar - essesfantasmas todos perdidos e escondidos nestas gavetas de ventos e de fantasias entreabertas pelos vácuos de minha vida e depositárias,como fantasmas, dos anseios do tempo inteiro, e do que restou de minha inocência dos anos de luz, esses curtos anos de mitos e fantasias realizados no cristal da infância. Álvaro Pacheco
¶ 8 de Fevereiro de 2009
O adeus a roupa sobre a cadeira ocre cheiro dos corpos usados não há lembrança apenas o dinheiro sobre a estante os olhos fechados em único instante a luz acesa prenuncia a constância e o recomeço. Pedro Du Bois
¶ 7 de Fevereiro de 2009
Black lake, black boat, two black, cut-paper people. Where do the black trees go that drink here? Their shadows must cover Canada. A little light is filtering from the water flowers. Their leaves do not wish us to hurry: They are round and flat and full of dark advice. Cold worlds shake from the oar. The spirit of blackness is in us, it is in the fishes. A snag is lifting a valedictory, pale hand; Stars open among the lilies. Are you not blinded by such expressionless sirens? This is the silence of astounded souls. Sylvia Plath
¶ 7 de Fevereiro de 2009
Thinking in terms of one Is easily done— One room, one bed, one chair, One person there, Makes perfect sense; one set Of wishes can be met, One coffin filled. But counting up to two Is harder to do; For one must be denied Before it's tried. Philip Larkin
¶ 6 de Fevereiro de 2009
Alheio ao ensaio, pairo minha incerteza ao descaso: elejo a alegria e penso o sorriso aberto ao encontro: fantasio o momento e na música agilizo o andamento: ao espelho revolta a imagem desconhecida em máscara (mistérios dos dias escondidos: depois da festa a vida segue em pedaços de seriedade e sobrevivência) alcanço o enredo e o desteço em partes passíveis de aproveitamento: o refrão invade o cérebro e o embala. Em corpos travestidos em figuras e mitos, resplandeço. Pedro Du Bois
¶ 5 de Fevereiro de 2009
Despetala a rosa o vento... Que desalento na tarde chuvosa Rosa, a rosa flor, caída ao chão, esquecida, lembra um pobre amor Amadeu Fontana
¶ 5 de Fevereiro de 2009
O suor escorre junto com as lágrimas e o tempo. Amaryllis Schloenbach
¶ 5 de Fevereiro de 2009
Obedecer à doce tirania da palavra. Anular censura, momento, lugar. Deixar no papel o verso líquido, esse pálido espelho da alma. Enquanto deixo-me estar, impressionada pela cor da palavra "pálida". Ana Cecília de Souza Bastos
¶ 5 de Fevereiro de 2009
Santo Agostinho, pintado por Francisco de Matos Vieira, no século XVIII
¶ 5 de Fevereiro de 2009
Quando entre nós só havia uma carta certa a correspondência completa o trem os trilhos a janela aberta uma certa paisagem sem pedras ou sobressaltos meu salto alto em equilíbrio o copo d’água a espera do café Ana Cristina César
¶ 4 de Fevereiro de 2009
(gentileza de Amélia Pais) De que me serve ter vivido como um deus se foi só uma vez. De que me serve saber que em certo momento alcancei algo inominável. Agora regresso por ruas gastas por milhões de passos, por sujas multidões através dos séculos. Sou mais um. Irei percorrer essas ruas da mesma maneira; como eles irei amar uma mulher, e também à minha frente florescerão as buganvílias quando chegue abril. Acontecerá uma série de coisas, e nada mais. Escreverei uns versos que não terão luz, porque a luz foi tua somente um instante. Tudo será névoa, desaparecerá como um amanhecer sobre as ondas na lembrança de um velho. Irá perder-se a luz. Irás perder-te. E serás infeliz, e não saberás a razão. Alejandro Martín, trad. Manuel A. Domingos
¶ 4 de Fevereiro de 2009
Todos os idiomas da dúvida são meus mesmo com tradução mistério e enigma fazem parte do meu dicionário O verbo oceânico persigo conjugar o inefável, o intangível, o paradoxal: não elidir os contrários Se minha dicção é múltipla almejo uma sintaxe própria enquanto isso, soletro a ponte entre o efêmero e o estável Coar a nata do sentido para seu deleite o poema – o leite no copo – esperando pela interpretação Os buracos no texto, como borra de café, o seu deciframento A arquitectura da ficção, sua desconstrução Antes que se queixe ou interrogue, explico não é a forma nem o conteúdo do que lemos o que está aqui em cogitação é só a coisa em si, nada mais, nada menos Ana Guimarães
¶ 4 de Fevereiro de 2009
Um passo pra frente, dois passos pra trás assim me (des)construo tecendo e destecendo a trama de minha vida atribuindo-lhe novos significados, matizes, texturas Penélope de mim mesma Sigo veredas que não levam a lugar algum utilizo métodos que já se mostraram improdutivos aro terras inférteis rego sementes que não germinam Ouço profecias – utopias – de oráculos cegos acredito no canto das sereias Nada em vão, no entanto: como Sócrates, aprendendo uma ária com flauta enquanto se lhe preparavam a cicuta Pra que? Pra aprendê-la antes de morrer, só isso Estendo a mão para um vilão dou (mais) uma chance ao traidor amigo Como uma criança que de nada desconfia me doo para amores que não se concretizam Explodo em lágrimas após cada – previsível – perda quando não, resignada, sorrio Mas jamais me esqueço de retornar ao caminho porque a verdadeira viagem nunca é de ida e sim de volta, como a de Ulisses Ana Guimarães
¶ 3 de Fevereiro de 2009
O bom guerreiro haverá de deixar manipular seu todo nos dois sentidos, numa guerra em que não há vencedores nem vencidos, em que perder é o ganhar de quem exerce o poder, trocando assim os papéis do que toca o instrumento, pois cada instante há de ser ora tinta ora pincéis. Há de ser cada momento um dar e obter tão louco que o perdedor ganha tudo e o ganhador perde pouco: tudo é dito em instante mudo. O guerreiro entrega a espada a quem o vence e deseja, assim termina a peleja onde perder vale nada e onde vencer é depor, onde quem empurra abraça, onde o exausto perdedor poderá erguer a taça, onde o terreno ocupado é entregue ao usurpador, é espaço dado e tomado em nome e em função do amor. Ana Maria Almeida Xavier
¶ 3 de Fevereiro de 2009
Ter ficado fechado não me fez ausente. Amante e amado recobro o inconsentido da partida. Barco ancorado, desço à terra e afirmo os pés sobre a areia. Arenosa forma de ser seduzido ao encontro da mulher transitada em imóveis pernas. Apelo ao vão da porta onde trancafio espias. Na apologia remanescente sinto o encadear dos sinos desabalados. Não saio de mim: resisto à voz metálica dos avisos. Avisto o barco derivado em águas inauditas. Encerro o texto e retorno ao convívio. Ao escurecer o galo cessa a cantoria. Pedro Du Bois
¶ 3 de Fevereiro de 2009
Oráculos em sonhos, Inconscientes rituais, Como posso possuir alma cigana, se me prendo a tantas convenções? Procuro um mago, um alquimista, um pai, um guru, um artista, Que me instrua na ciência inexata, mas absoluta das transformações. Que através de sua abstrata teoria, Possa eu, luz em redoma, transformar, não mais vil metal em ouro, mas em amor, as paixões. Ana Maria Ramiro
¶ 3 de Fevereiro de 2009
o mês que já passou, iluminado em Les Très riches Heures de Jean de France, duc de Berry
¶ 3 de Fevereiro de 2009
O risco na pele acende a noite enquanto a lua (por ironia ilumina o esgoto anuncia o canto dos gatos) De quantos partos se vive para quantos partos se morre um rito espera-se faca na garganta da noite recortada sobre o tempo pintada de cicatrizes olhos secos de lágrimas Domingo, organiza a cerveja de sobreviver os dias. Ana Paula Tavares
¶ 1 de Fevereiro de 2009
O primeiro verso atravessa o espaço desconhecido onde se formam ventos e intenções surgem do quase nada pelos sobre a pele amortecem o impacto com que a queda se apresenta em céus azulados passa o corpo ignorado no começo o rastro indica apenas a sua passagem versos se recolhem em medos desmesurados do ignorado objeto atravessado em ares. Pedro Du Bois
¶ 1 de Fevereiro de 2009
(gentileza de Amélia Pais) Tudo quanto é feio, destruído, todas as coisas gastas, velhas o grito de uma criança à beira do caminho, o rangido de uma carroça que se arrasta, o pesado andar do lavrador, passo a passo sobre o limo invernal, maculam a tua imagem que engendra uma rosa no fundo do meu coração. Tão grande é a mácula das coisas torpes que não pode ser descrita; a minha ânsia é tudo reconstruir e sentar-me num verde outeiro solitário, com a terra, o céu, a água renovados, como um cofre de ouro para os meus sonhos da tua imagem que floresce numa rosa tão profundamente no meu coração. W. B. Yeats, tradução de José Agostinho Baptista