Modus vivendi

"bene senescere sine timore nec spe"

blogue de Ana Roque

Arquivo de março 2006


31 de Março de 2006

Kandinsky

kandinsky.gif


31 de Março de 2006

Quantas vezes...

(gentileza de Amélia Pais) Quantas vezes caminhei pela praia à espera que viesses. Luas inteiras. Praias de cinza invadidas pelo vento. Quantas estações quantas noites indormidas. Embranqueceram-me os cabelos. E só hoje quando exausto me deitei em mim reparei que sempre estiveste a meu lado. Na cal frágil dos meus ossos. Nas hastes do mar infiltradas no sangue. Na película dos meus olhos quase cegos. Casimiro de Brito


31 de Março de 2006

A Cliff Dwelling

There sandy seems the golden sky And golden seems the sandy plain. No habitation meets the eye Unless in the horizon rim, Some halfway up the limestone wall, That spot of black is not a stain Or shadow, but a cavern hole, Where someone used to climb and crawl To rest from his besetting fears. I see the callus on his soul The disappearing last of him And of his race starvation slim, Oh years ago -- ten thousand years. Robert Frost


31 de Março de 2006

Seurat

seurat012.jpg


30 de Março de 2006

Há Noites

Há noites que são feitas dos meus braços E um silêncio comum às violetas. E há sete luas que são sete traços De sete noites que nunca forarn feitas. Há noites que levarnos à cintura Como um cinto de grandes borboletas. E um risco a sangue na nossa carne escura Duma espada à bainha dum cometa. Há noites que nos deixam para trás Enrolados no nosso desencanto E cisnes brancos que só são iguais A mais longínqua onda do seu canto. Há noites que nos levam para onde O fantasma de nos fica mais perto; E é sempre a nossa voz que nos responde E só o nosso nome estava certo. Há noites que são lírios e são feras E a nossa exactidão de rosa vil Reconcilia no frio das esferas Os astros que se olham de perfil. Natália Correia


29 de Março de 2006

Bronzino

youngwomanbronzino.JPG


29 de Março de 2006

Há Dias

Há dias em que julgamos que todo o lixo do mundo nos cai em cima depois ao chegarmos à varanda avistamos as crianças correndo no molhe enquanto cantam não lhes sei o nome uma ou outra parece-me comigo quero eu dizer : com o que fui quando cheguei a ser luminosa presença da graça ou da alegria um sorriso abre-se então num verão antigo e dura dura ainda. Eugénio de Andrade


29 de Março de 2006

Uma quase-entrega-imaterial

Quando partires, às cegas, pelas veias da cidade, encontrarás quem de mim diga que estou vivo, ou o contrário. E quando o fizeres, ver-me-ás, sozinho, de rosto estampado nos quadros da parede, com as pálpebras cerradas sobre o meu peito. Escreverei cartas como se te desenhasse a cada palavra, o vento voará por mim sem que o impeça, e tocar-me-ei pela noite dentro, imaginando que estás por aqui. De hoje em diante, cerro a porta do quarto para que não entres - tenho a certeza de que te convidei, um dia, mas já não estou certo. Apagarei cigarros em frenesim, como páginas soltas de memória ou como lumes brandos nas copas das árvores - imaginei tudo isto enquanto dormias, nos teus sonhos em que o corpo era uma massa volúvel, insana e vermelha. Hoje já é manhã - a esta hora já acorda quem por mim não passa. Não durmo para que, ao chegar aonde tu estás, possa ser uma surpresa ou desilusão - como uma marca no peito, como um soluço de água quando a noite cai. Para isso estou hoje aqui, para que me entregues e para que morra. Pela penumbra, espalhei fotografias e luas luminescentes que olho e que gasto com a minha saliva, como o selo desta carta. Na minha pele ainda jaz o teu bafo quente de quando acordavas e de quando eu te via - às escuras, nua, pelo quarto herege e quente. De dentro dos lençóis emanava a voz que, aos nossos corpos, se assemelhava a uma religião, a uma quase-entrega-imaterial. E, por não te ter, me retiro para países onde o sol se ponha e onde os olhos não me ardam. Para que me possa solver no meio das multidões, onde alguém fala, onde ninguém me conhece - como uma palavra. E em línguas estranhas me defino no livro que escreves, dia após dia, onde te recordas, onde deixas latente quem eras ou quem serias se, por aqui, as giestas fossem calmas e se o teu corpo se enlevasse - à altura do meu peito surgem marcas, os teus dedos estão queimados e a pele nada mais é que um perfume mastigado onde não estás mais. Sérgio Xarepe


29 de Março de 2006

Song

The weight of the world is love. Under the burden of solitude, under the burden of dissatisfaction the weight, the weight we carry is love. Who can deny? In dreams it touches the body, in thought constructs a miracle, in imagination anguishes till born in human-- looks out of the heart burning with purity-- for the burden of life is love, but we carry the weight wearily, and so must rest in the arms of love at last, must rest in the arms of love. No rest without love, no sleep without dreams of love-- be mad or chill obsessed with angels or machines, the final wish is love --cannot be bitter, cannot deny, cannot withhold if denied: the weight is too heavy --must give for no return as thought is given in solitude in all the excellence of its excess. The warm bodies shine together in the darkness, the hand moves to the center of the flesh, the skin trembles in happiness and the soul comes joyful to the eye-- yes, yes, that's what I wanted, I always wanted, I always wanted, to return to the body where I was born. Allen Ginsberg


28 de Março de 2006

Velde

velde.jpg999.jpg


28 de Março de 2006

Hook

I was only a young man In those days. On that evening The cold was so God damned Bitter there was nothing. Nothing. I was in trouble With a woman, and there was nothing There but me and dead snow. I stood on the street corner In Minneapolis, lashed This way and that. Wind rose from some pit, Hunting me. Another bus to Saint Paul Would arrive in three hours, If I was lucky. Then the young Sioux Loomed beside me, his scars Were just my age. Ain't got no bus here A long time, he said. You got enough money To get home on? What did they do To your hand? I answered. He raised up his hook into the terrible starlight And slashed the wind. Oh, that? he said. I had a bad time with a woman. Here, You take this. Did you ever feel a man hold Sixty-five cents In a hook, And place it Gently In your freezing hand? I took it. It wasn't the money I needed. But I took it. James Wright


28 de Março de 2006

São Miguel

sao miguel.gif


28 de Março de 2006

Claridade dada pelo tempo

IV Simples como é a claridade é a coisa mais difícil de encontrar talvez porque a distância que nos separa longa muito longa e nítida seja a torre de chumbo do nosso próprio isolamento talvez porque sentir o aparecimento da madrugada seja a origem do desespero sombratrópicolâmina entre nós dois ouve o que te digo não esqueças os meus lábios mesmo quando desfeitos e a claridade essa não a procuresnãonunca deixa-a ir comigo até ao esgotamento do meu sangue até ao limite do meu corpo em carne viva Mário-Henrique Leiria


28 de Março de 2006

Ilha(s)

smiguel_ilha.jpg


25 de Março de 2006

Claridade dada pelo tempo

III Viver com a crueldade da criança que tira os olhos ao pássaro um desconhecido movendo-se constantemente no deserto em que cada pegada deixa bem marcada na areia a imagem dessa outra existência em que a morte e a memória ainda nada significam mais alto muito mais alto talvez que a claridade do voo das aves que partem para o desconhecido o próprio corpo nada mais é do que a sombra bem simples por sinal em que, por erro nosso ou dos outros, já não existe a persistência do que foi perdido e as mãos as mãos que sentimos bem presassegurasaptas essas todos sabemos que podem ainda cada vez mais esmagar com cuidado com extremo cuidado dilacerar suavemente nos olhos está o amor Mário-Henrique Leiria


25 de Março de 2006

Furnas

church.jpg


25 de Março de 2006

Ilhas

Vamos com alguma frequência a encontros (universitários sobretudo, mas não só) que juntam bloggers e/ou têm os blogs por tema. Acabamos por ter convivas mais recorrentes, conversas que vão evoluindo em continuum, proximidades, afinidades, simpatias. Este encontro tem tido tudo isso, somada a beleza esplenderosa do local, a gentileza sóbria e estimulante da organização, a chuva diferente, o verde pontuado de flores imprevisíveis, o sabor a ferro na água, a névoa que sobe da terra e não se limita a descer sobre nós.


24 de Março de 2006

Claridade dada pelo tempo

II Deixa que eu quebre tudo que tenho e que terei tudo o que é de todos e que só a mim pertence deixa-me quebrar o cavalo que me deste na noite do nosso primeiro encontro deixa-me partir a bola o cão o espaço deixa-me quebrar a minha casa e a minha cama a minha única cama não quero que me contem a aventura nem que me dêem almofadas não quero que me ofereçam sombras só por mim construídas e logo abandonadas nem sequer esquinas de ruas não quero a vida sei claramente que a não quero a não ser que ela esteja partida quebrada quebrada por mim e por ti e a minha infância essa dou-ta inteira muito longa e cruel deixa que dela me fique apenas essa crueldade e que nela só eu siga ignorando o que me deste e que martelo ou pedra eu continue partindo quebrando esfacelando dilacerando o teu corpo que já não está ao meu alcance deixa-me ser anatomicamente autêntico sem erro sangrando perdido para sempre Mário-Henrique Leiria


23 de Março de 2006

Composed Upon Westminster Bridge

Earth has not anything to show more fair: Dull would he be of soul who could pass by A sight so touching in its majesty: This City now doth like a garment wear The beauty of the morning; silent , bare, Ships, towers, domes, theatres, and temples lie Open unto the fields, and to the sky, All bright and glittering in the smokeless air. Never did the sun more beautifully steep In his first splendour, valley, rock, or hill; Ne'er saw I, never felt a calm so deep! The river glideth at his own sweet will: Dear God! the very houses seem asleep; And all that mighty heart is lying still! William Wordsworth


23 de Março de 2006

Van der Weyden

RogierVanDerWeyden_7detail.jpg


23 de Março de 2006

Claridade dada pelo tempo

I Deixa-me sentar numa nuvem a mais alta e dar pontapés na Lua que era como eu devia ter vivido a vida toda dar pontapés até sentir um tal cansaço nas pernas que elas pudessem voar mas não é possível que tenho tonturas e quando olho para baixo vejo sempre planícies muito brancas intermináveis povoadas por uma enorme quantidade de sombras dá-me um cão ou uma bola ou qualquer coisa que eu possa olhar dá-me os teus braços exaustivamente longos dá-me o sono que me pediste uma vez e que transformaste apenas para teu prazer nos nossos encontros e nos nossos dias perdidos e achados logo em seguida depois de terem passado por uma ponte feita por nós dois em qualquer sítio me serve encontrar o teu cabelo em qualquer lugar me bastam os teus olhos porque sentado numa nuvem na lua ou em qualquer precipício eu sei que as minhas pernas feitas pássaros voam para ti e as tonturas que a planície me dá são feitas por nós de propósito para irritar aqueles que não sabem subir e descer as montanhas geladas são feitas por nós para nunca nos esquecermos da beleza dum corpo cintilando fulgurantemente para nunca nos esquecermos do abraço que nos foi dado por um braço desconhecido nós sabemos tu e eu que depois de tudo apenas existem os nossos corpos rutilantes até se perderem no limite do olhar dá-me um cigarro mesmo que seja só um já me basta desde que seja dado por ti mas não me leves não me tires as tonturas que eu teria que eu terei sempre que penso cá de cima duma altura vertiginosa onde a própria águia nada mais é que um minúsculo objecto perdido onde a nuvem mais alta de todas se agasalha como um cão de caça leva-me a recordação apenas a recordação da vida martelada que em mim tem ficado como herança dada há mil e duzentos anos deixa que eu fique muito afastado silencioso e único no alto daquela nuvem que escolhi ainda antes de existir Mário-Henrique Leiria


22 de Março de 2006

Memória sobre os teus olhos

Magníficos. como os jactos que aguardam no aeroporto o iminente sinal da partida, seus grandes olhos imensos escorvam, impacientes, o subsolo da imagem pressentida. Perfurantes como as brocas dos mineiros, pontas de aço-vanádio que o cubro alcançam sem perder o gume, um fogo o olhar o queima, um mar invade-o, um lume feito de água, água de lume. Súbito, seus grandes olhos imensos descolam e levantam voo. Ei-los que sobem. Seu movimento é como se apenas as coisas deles se afastassem, é como se move o tempo, sem agravo nem estrago, como boiam as folhas na dormência do lago, como bate o coração do homem enterrado no chão. Na estática subida a que se entregam são o próprio silêncio em que navegam, são a curva do espaço, a quarta dimensão. Cá em baixo, onde as superfícies se avaliam multiplicando pi por érre dois, um formigueiro de bois desenha na planície coloridos talhões. Cumprem-se as sementeiras. As cores são as bandeiras; os regos, os limites das nações. Um rabiar de células, Cultura de bactérias num capacete de aço, ziguezagueiam, obstinadas como libélulas, num charco de sargaço. Entretanto, seus grandes olhos imensos olham, e olhando, no desígnio frontal que não hesita nem disfarça, com linhas de olhos vão bordando a talagarça. Sento-me à secretária, preparo-a, limpo-a, esfrego-a na aflita busca do mais puro espaço, e com o esquadro e a régua, o lápis e o compasso, construo os olhos d'Ela. Deliberada e escrupulosamente ergue-se a construção de arquitectura mansa, quase cinicamente, como quem premedita uma vingança. (Aliás o engano, a ilusão, a mentira, a falsidade, o perjúrio, a invenção, tudo, em Amor, é verdade.) Eis os mais lindos olhos deste mundo. O Amor os fez. Proas de galeões de velas pandas, meninas a correr que chegam às varandas olhando o mundo pela primeira vez. Dou-lhes uns toques nas íris, um tempero na plácida inocência, um miligrama de cianeto, morte sem desespero, acicate da humana permanência. Sobre o fundo sombrio um tom de folha seca de plátano, uns veios de clorofila, mancha irisada em redor da pupila, óleo vertido no asfalto da estrada. Encosto o rosto às mãos, e embevecido contemplo a construção de linhas, e finjo-me esquecido como se não soubesse que são minhas. Como se não soubesse comovo-me e entrego-me no sorriso total, Construo o meu real conforme me apetece. António Gedeão


21 de Março de 2006

Quem alguma vez amou

Evocar a amada é, para aquele que a recorda, opor-se à desordem do mundo. Que a morte nos surpreenda num episódio da intriga, não enquanto nos bastidores mudamos de disfarce. Há mulheres que começando a envelhecer só sabem do amor o que Ihes deixou entrever a adolescência. E refugiam-se na casa abandonada, mal assomam à janela, nem nos dias de sol vão passear a pé na areia da praia. As cidades nos domingos são o túmulo repugnante do tédio. Por vezes é como se, atravessando as avenidas, fizéssemos parte do filme a preto e branco em que se conta a monotonia da paixão sem objecto. Sentada em casa, a jovem adolescente enche folhas de papel com as palavras do poema. Elas descem do seu espírito como gotas de orvalho muito antigas, translúcidas, habitadas pela imaginação e pelos fantasmas do sonho. Quem alguma vez amou? Só aqueles a quem o amor, como uma maldição, foi recusado. Para engrandecer a figura da amada o homem senta-se à tarde na esplanada de um café e sente a sua ausência. Passam na rua homens e mulheres, automóveis. Mas o seu espírito inebria-se na recordação da desaparecida, daquela que já ninguém sabe onde vive. Trazem-lhe um café e ele mexe o açúcar na chávena indefinidamente. Já não pensa em nada, a alma diluiu-se-lhe na azáfama da avenida. Depois desperta, bebe a bica lentamente. Acende um cigarro e contempla o infinito, sem se aperceber da fachada das casas em que esbarra o olhar. Mais tarde levanta-se e caminha ao acaso pelas ruas estreitas. Quem, como a amada, ser inexistente entre os mais inexistentes, pode sobre a imaginação desocupada exercer uma sedução tão intensa? João Camilo


20 de Março de 2006

Tu pensas em mim

Caiu a chuva, depois o silêncio, e em surdina apenas o ruido das máquinas mastigando o remorso. Para o pouco do grande amor que te tive nasce em mim, ó quase desconhecida, um pensamento. Breve, leve, e já se perdeu a inquietação, esvoaçou da caixa em que a fechara. Nos braços do visitante que veio para o fim-de-semana os teus olhos pousam devagar na sombra da cadeira, tu pensas em mim, e sem te assustares beijas devagar as suas mãos. João Camilo


20 de Março de 2006

Velde

velde.jpgppp.jpg


20 de Março de 2006

The Conspiracy

You send me your poems, I'll send you mine. Things tend to awaken even through random communication Let us suddenly proclaim spring. And jeer at the others, all the others. I will send a picture too if you will send me one of you. Robert Creeley


19 de Março de 2006

Eleanor Callahan

callahan_eleanor_ny45.jpg


19 de Março de 2006

Unobtainable

Whether it was putting in an extra beat, or leaving one out, I couldn't tell. My heart seemed to have forgotten everything it ever knew about timing and co-ordination in its efforts to get through to someone on the other side of a wall. As I lay in bed, I could hear it hammering away inside my pillow, being answered now and then by a distant guitar-note of bedsprings, pausing for a moment, as if listening, Then hurrying on as before. Hugo Williams


19 de Março de 2006

Um (belo) poeta (erudito) tradutor

A revista Colóquio Letras, editada pela Fundação Calouste Gulbenkian, publicou, a partir do seu nº 163,três volumes que dedicou na íntegra a traduções de poesia europeia feitas por David Mourão-Ferreira. Uma recolha cuidada, desde Homero ao século XX, com ilustrações sóbrias e intrigantes de Nuno Viegas. A não perder.


19 de Março de 2006

Ars amatoria

Se vais para o amor como quem vai pela primeira vez ao fogo das pelejas, trata de procurar, antes de mais, aquela a quem desejas. Trata depois, então, de conquistar o coração da jovem que elegeste entre as demais mulheres. E trata, em último lugar, de esse amor prolongar o mais que tu puderes. Aqui tens o plano, nas suas grandes linhas. Este vai ser de nosso carro o Curso; esta, a meta - que há-de ser atingida no termo do percurso. Ovídio, in Arte de amar, Livro I, trad. David Mourão-Ferreira, ed. Colóquio Letras nº 163.


19 de Março de 2006

William Collins

William Collins.jpg


19 de Março de 2006

Sem ti

Pairo sobre a cidade sem ti entre vultos de língua estrangeira sem pressa de chegar a um qualquer destino o rio baço e resignado as flores inúteis sem nexo o frenesim das gentes atento apenas aos lugares onde tu estás dentro de mim À sombra dos plátanos brincas com as manchas de luz que nos vestem os corpos macio o musgo a brisa acorda murmúrios segredos da tua alma antiga há séculos menina que voltaste a ser nos meus braços Nos teus olhos translúcidos ainda passam sombras que a ternura afasta lentamente Menina do fundo dos tempos menina do universo luz de uma longa noite Não sentes o mar, as neblinas o castanho doirado das folhas com laivos de agonia? Vem, é outono José Carlos Teixeira


19 de Março de 2006

An Arundel Tomb

Side by side, their faces blurred, The earl and countess lie in stone, Their proper habits vaguely shown As jointed armour, stiffened pleat, And that faint hint of the absurd - The little dogs under their feet. Such plainness of the pre-baroque Hardly involves the eye, until It meets his left-hand gauntlet, still Clasped empty in the other; and One sees, with a sharp tender shock, His hand withdrawn, holding her hand. They would not think to lie so long. Such faithfulness in effigy Was just a detail friends would see: A sculptor's sweet commissioned grace Thrown off in helping to prolong The Latin names around the base. They would no guess how early in Their supine stationary voyage The air would change to soundless damage, Turn the old tenantry away; How soon succeeding eyes begin To look, not read. Rigidly they Persisted, linked, through lengths and breadths Of time. Snow fell, undated. Light Each summer thronged the grass. A bright Litter of birdcalls strewed the same Bone-littered ground. And up the paths The endless altered people came, Washing at their identity. Now, helpless in the hollow of An unarmorial age, a trough Of smoke in slow suspended skeins Above their scrap of history, Only an attitude remains: Time has transfigured them into Untruth. The stone fidelity They hardly meant has come to be Their final blazon, and to prove Our almost-instinct almost true: What will survive of us is love. Philip Larkin


19 de Março de 2006

Canova

canova_cupidpsyche1.jpg


19 de Março de 2006

Do amor (s)em dúvida

Eu te amo Ah, se já perdemos a noção da hora Se juntos já jogamos tudo fora Me conta agora como hei de partir Se, ao te conhecer, dei pra sonhar, fiz tantos desvarios Rompi com o mundo, queimei meus navios Me diz pra onde é que inda posso ir Se nós nas travessuras das noites eternas Já confundimos tanto as nossas pernas Diz com que pernas eu devo seguir Se entornaste a nossa sorte pelo chão Se na bagunça do teu coração Meu sangue errou de veia e se perdeu Como, se na desordem do armários embutido Meu paletó enlaça o teu vestido E o meu sapato inda pisa no teu Como, se nos amamos feito dois pagãos Teus seios inda estão nas minhas mãos Me explica como que cara eu vou sair Não, acho que estás te fazendo de tonta Te dei meus olhos pra tomares conta Agora conta como hei de partir Tom Jobim / Chico Buarque


18 de Março de 2006

Good Nignt, and Good Luck

A liberdade de imprensa tem sido inspiradora generosa para escritores e cineastas. George Clooney mostra que não é "just another handsome guy" com a realização deste filme. Das críticas a ler, sublinhe-se esta, pelo olhar sem reverência. Um filme a ver pela actualidade extrema.


18 de Março de 2006

Man Ray

legend_half man ray.jpg


18 de Março de 2006

The Hollow Men

Mistah Kurtz -- he dead. A penny for the Old Guy I We are the hollow men We are the stuffed men Leaning together Headpiece filled with straw. Alas! Our dried voices, when We whisper together Are quiet and meaningless As wind in dry grass Or rats' feet over broken glass In our dry cellar Shape without form, shade without colour, Paralysed force, gesture without motion; Those who have crossed With direct eyes, to death's other Kingdom Remember us -- if at all -- not as lost Violent souls, but only As the hollow men The stuffed men. II Eyes I dare not meet in dreams In death's dream kingdom These do not appear: There, the eyes are Sunlight on a broken column There, is a tree swinging And voices are In the wind's singing More distant and more solemn Than a fading star. Let me be no nearer In death's dream kingdom Let me also wear Such deliberate disguises Rat's coat, crowskin, crossed staves In a field Behaving as the wind behaves No nearer -- Not that final meeting In the twilight kingdom III This is the dead land This is cactus land Here the stone images Are raised, here they receive The supplication of a dead man's hand Under the twinkle of a fading star. Is it like this In death's other kingdom Waking alone At the hour when we are Trembling with tenderness Lips that would kiss Form prayers to broken stone. IV The eyes are not here There are no eyes here In this valley of dying stars In this hollow valley This broken jaw of our lost kingdoms In this last of meeting places We grope together And avoid speech Gathered on this beach of the tumid river Sightless, unless The eyes reappear As the perpetual star Multifoliate rose Of death's twilight kingdom The hope only Of empty men. V Here we go round the prickly pear Prickly pear prickly pear Here we go round the prickly pear At five o'clock in the morning. Between the idea And the reality Between the motion And the act Falls the Shadow For Thine is the Kingdom Between the conception And the creation Between the emotion And the response Falls the Shadow Life is very long Between the desire And the spasm Between the potency And the existence Between the essence And the descent Falls the Shadow For Thine is the Kingdom For Thine is Life is For Thine is the This is the way the world ends This is the way the world ends This is the way the world ends Not with a bang but a whimper. T.S. Eliot


18 de Março de 2006

Velde

+++velde.jpg


18 de Março de 2006

Salute

Past is past, and if one remembers what one meant to do and never did, is not to have thought to do enough? Like that gather- ing of one each I planned, to gather one of each kind of clover, daisy, paintbrush that grew in that field the cabin stood in and study them one afternoon before they wilted. Past is past. I salute that various field. James Schuyler


17 de Março de 2006

O fio de um cabelo

Abandono a casa o horto o lugar à mesa o casaco de que gostava, sobre o leito dobrado esta verdade quase banal que toda a vida fui Não abro a porta quando batem (às vezes batiam só por engano) não avalio o balanço das certezas o que separa uma forma da outra sempre me escapou Ontem começava a clarear o ar frio que vinha dos campos julguei-o de passagem e afinal era um segredo que meu corpo de uma vez por todas contava ao meu corpo Mas quando tombei sobre a terra perdido como o fio de um cabelo (aqueles que primeiro caem da cabeça de um rapaz e por não serem notados são mais perdidos ainda) estavas junto de mim Lançaste ao fogo cidades afogaste os exércitos no vermelho mar da sua ira hipotecaste terras tão preciosas para estares junto de mim José Tolentino Mendonça


17 de Março de 2006

beato25.jpg


17 de Março de 2006

Frio

Cold night: the wild duck, sick, falls from the sky and sleeps awhile. Matsuo Basho, trad. Robert Hass


16 de Março de 2006

Velde

veldeççç.jpg


16 de Março de 2006

Fim de estação

Saímos dos ruídos do inverno e saímos do frio em que dormimos e dormimos ainda ainda temos sono igual ao inverno e nada se mudou senão a luz a saída da luz que se esforçava no calor do rio por achar o motor da sua húmida súbita madrugada ali contida no silêncio do rio na ferida por onde pôde a árvore evadir-se da luz e nada se mudou somente um rasgo de claridade no clarão da água rompeu do rio de súbito o motor Gastão Cruz


16 de Março de 2006

Zodíaco

O céu nocturno está cheio de vida terrestre. As estrelas são flores. As constelações animais ao espelho. A memória de que são feitas as estrelas é a matéria de outro sangue. Olho o céu de noite como se visse a terra de dia. O céu é um estábulo onde a luz é matéria sublimada. Os animais da terra comem flores os do céu comem estrelas. Em vez de sangue têm luz. Vejo-me calado entre os homens celestes que se movem na abóbada como ideias. O céu também é um chão. Um chão feito de memória. Pisam-se lá em cima astros como se pisam pedras em baixo. António Cândido Franco


15 de Março de 2006

Da imobilidade

pela imobilidadeincrível desta hora, dir-se-ia que o planeta aqui cristalizou pois nesta praia imensa intensa onda é sobra do que ficou de um homem primitivo e bom: o seu frugal aspecto.A lentidão astral de sua inteligente mãoe de seu gesto, quando ambos em repouso.O cúmplice sinal comparticipativo de seu próprio sexo. O corposim. Aqui nesta verdade inteira de não ser nunca o quaseou lhe ficar à beira, como algo que é demais.Seu limite. Seu estorvo. O corposim. Real em dimensãotambém. Vestidosó de pele. De argila revestido. No absoluto da pura formaque o contém. Maria da Graça Varella Cid


14 de Março de 2006

Velde

velde-e.jpg


14 de Março de 2006

The Touch

(para ti, em bold, pour cause) For months my hand was sealed off in a tin box. Nothing was there but the subway railings. Perhaps it is bruised, I thought, and that is why they have locked it up. You could tell time by this, I thought, like a clock, by its five knuckles and the thin underground veins. It lay there like an unconscious woman fed by tubes she knew not of. The hand had collapse, a small wood pigeon that had gone into seclusion. I turned it over and the palm was old, its lines traced like fine needlepoint and stitched up into fingers. It was fat and soft and blind in places. Nothing but vulnerable. And all this is metaphor. An ordinary hand -- just lonely for something to touch that touches back. The dog won't do it. Her tail wags in the swamp for a frog. I'm no better than a case of dog food. She owns her own hunger. My sisters won't do it. They live in school except for buttons and tears running down like lemonade. My father won't do it. He comes in the house and even at night he lives in a machine made by my mother and well oiled by his job, his job. The trouble is that I'd let my gestures freeze. The trouble was not in the kitchen or the tulips but only in my head, my head. Then all this became history. Your hand found mine. Life rushed to my fingers like a blood clot. Oh, my carpenter, the fingers are rebuilt. They dance with yours. They dance in the attic and in Vienna. My hand is alive all over America. Not even death will stop it, death shedding her blood. Nothing will stop it, for this is the kingdom and the kingdom come. Anne Sexton


14 de Março de 2006

Georgia O´Keeffe

Georgia O'Keefe.jpg00.jpg


13 de Março de 2006

Thomas Dewing

ThomasDewing-LadyWithALuteSmall.jpg


12 de Março de 2006

Same old story III

He said, "You are order, they are caos." He did not say that he wanted both, but she came to see that he did. He said "I love you eternally, I could not say that to any other woman." She believed him. It did not occur to her that she might be pitied, she did not think of herself as a wronged or defeated woman. Her love connived at what she now took to be inevitable. Iris Murdoch, in The message to the planet, ed. Vintage Classics.


12 de Março de 2006

Botticelli

botticelli.jpg


12 de Março de 2006

A quem?

Eu amava as árvores, a rua deserta em que descansava o sol da tarde, o frio que arrefecia o meu corpo. À janela da casa olhava lá para fora. Nenhuma paixão pelo que é humano perturbava, durante esse instante de silêncio, a paz do meu espírito. Flores amarelas na erva que crescia entre a estrada e a residência. De uma árvore caíam, lânguidos, os ramos e no seu verde brilhavam espigas vermelhas. Era sábado, talvez. A poesia era-me inacessível. As palavras pesavam no papel e no espírito como erros de cálculo, como um excesso e prova, inesperadamente, do desajuste. A quem dirigir uma súplica ou uma carta em que, não falando de amor, se revelaria o maior amor? A quem? Incapaz de responder e de me atormentar, eu deixava passar os minutos. Depois levantava-me da cadeira em que estivera sentado e ia àquilo a que eu chamava a minha vida, o meu destino. João Camilo


12 de Março de 2006

Noturno

Alguém que me falou de amor imaginou na noite dos corpos a solidão a fluidificar-se nas ancas da mais fecunda borboleta. Nas noites há apenas o erotismo das palavras por florir um corpo à espera de um casulo num aconchego de crisálida o sono de beber a boca-fonte líquida pura tremer até à última metamorfose depois voar não importa para que flor. João Martim


12 de Março de 2006

The Triple Fool

I am two fools, I know— For loving, and for saying so In whining poetry; But where's that wiseman that would not be I, If she would not deny? Then, as th' earths inward narrow crooked lanes Do purge sea waters fretful salt away, I thought, if I could draw my pains Through rhymes vexation, I should them allay. Grief brought to numbers cannot be so fierce, For he tames it that fetters it in verse. But when I have done so, Some man, his art and voice to show, Doth set and sing my pain, And, by delighting many, frees again Grief, which verse did restrain. To Love and Grief tribute of verse belongs, But not of such as pleases when 'tis read; Both are increased by such songs, For both their triumphs so are published; And I, which was two fooles, do so grow three; Who are a little wise, the best fools be. John Donne


12 de Março de 2006

Georgia O´Keeffe

georgia-2.gif


12 de Março de 2006

I Know A Man

As I sd to my friend, because I am always talking,--John, I sd, which was not his name, the darkness sur- rounds us, what can we do against it, or else, shall we & why not, buy a goddamn big car, drive, he sd, for christ's sake, look out where yr going. Robert Creeley


10 de Março de 2006

Tardiamente

Em jardins nocturnos odoríferos tecemos um casulo de paredes translúcidas e corpos indivisos crisálida voando entre mil sóis A infância, de ausências, enfim cristalizada ciprestes como falos laranjas vermelhas de romã quarto dos fundos o mundo em contraluz em silhuetas Isolei o teu corpo, a tua alma demoro-me em cada pormenor mas sou estrangeiro e dói-me ter perdido o tempo das raízes José Carlos Teixeira


9 de Março de 2006

"Hope" is the thing with feathers

"Hope" is the thing with feathers— That perches in the soul— And sings the tune without the words— And never stops—at all— And sweetest—in the Gale—is heard— And sore must be the storm— That could abash the little Bird That kept so many warm— I've heard it in the chillest land— And on the strangest Sea— Yet, never, in Extremity, It asked a crumb—of Me. Emily Dickinson


9 de Março de 2006

Velde

Velde Ships u.1653-1707.jpg


9 de Março de 2006

Same old story II

Of course she uttered no repproaches and learnt to conceal her unhappiness, to conceal it even from herself, when Jack explained to her, after the first girl had been succeeded by another, that this was how it was going to be, but she was the permanent, the real. (...) On this basis, many things were possible. Sincerety was all. The bad thing about adultery was the lying, that was the poison. He would never deceive anyone, truth was the key, the girls knew where they stood, and Franca would always know where he was. He developed, for her, concerning these matters, a whole philosophy, a warm poultice for the wound. Iris Murdoch, in The message to the planet, ed. Vintage Classics.


9 de Março de 2006

Da realidade

Vive, dizes, no presente, Vive só no presente. Mas eu não quero o presente, quero a realidade; Quero as cousas que existem, não o tempo que as mede. O que é o presente? É uma cousa relativa ao passado e ao futuro. É uma cousa que existe em virtude de outras cousas existirem. Eu quero só a realidade, as cousas sem presente. Não quero incluir o tempo no meu esquema. Não quero pensar nas cousas como presentes; quero pensar nelas como cousas. Não quero separá-las de si-próprias, tratando-as por presentes. Eu nem por reais as devia tratar. Eu não as devia tratar por nada. Eu devia vê-las, apenas vê-las; Vê-las até não poder pensar nelas, Vê-las sem tempo, nem espaço, Ver podendo dispensar tudo menos o que se vê. É esta a ciência de ver, que não é nenhuma. Alberto Caeiro


8 de Março de 2006

Quero um cavalo de várias cores

Quero um cavalo de várias cores, Quero-o depressa, que vou partir. Esperam-me prados com tantas flores, Que só cavalos de várias cores Podem servir. Quero uma sela feita de restos Dalguma nuvem que ande no céu. Quero-a evasiva - nimbos e cerros - Sobre os valados, sobre os aterros, Que o mundo é meu. Quero que as rédeas façam prodígios: Voa, cavalo, galopa mais, Trepa às camadas do céu sem fundo, Rumo àquele ponto, exterior ao mundo, Para onde tendem as catedrais. Deixem que eu parta, agora, já, Antes que murchem todas as flores. Tenho a loucura, sei o caminho, Mas como posso partir sozinho Sem um cavalo de várias cores? . Reinaldo Ferreira


8 de Março de 2006

Thomas Dewing

ThomasDewing-TheNecklace-1907.jpg


8 de Março de 2006

Morning

We are what we repeatedly do. Aristotle You know how it is waking from a dream certain you can fly and that someone, long gone, returned and you are filled with longing, for a brief moment, to drive off the road and feel nothing or to see the loved one and feel everything. Perhaps one morning, taking brush to hair you'll wonder how much of your life you've spent at this task or signing your name or rising in fog in near darkness to ready for work. Day begins with other people's needs first and your thoughts disperse like breath. In the in-between hour, the solitary hour, before day begins all the world gradually reappears car by car. Deborah Ager


6 de Março de 2006

In Those Years

In those years, people will say, we lost track of the meaning of we, of you we found ourselves reduced to I and the whole thing became silly, ironic, terrible: we were trying to live a personal life and yes, that was the only life we could bear witness to But the great dark birds of history screamed and plunged into our personal weather They were headed somewhere else but their beaks and pinions drove along the shore, through the rags of fog where we stood, saying I Adrienne Rich


6 de Março de 2006

Kokoschka

kokoschka.342x258.jpg


6 de Março de 2006

Música luz

Hora secreta e inúmera flamejante som música longínqua que já ecoa e enternece. Nova cada dia fugacíssima faúlha súbita num incessante fogo perpassando a ferida nos alvéolos do instante. Ah! Que maré tão de prata. Ser um momento cântico dos dias alaúde nocturnal asa de silêncio revelação só duma verdade bela. Só e extinguir-se. João Martim


6 de Março de 2006

Pouco depressa

falo-te de chuva como quem diz que as minhas mãos não se exaltam em revisitar-te o peito revejo todos os verdes no peppermint do meu cálice enquanto a janela abro pouco depressa sobre a tarde falo-te de cansaço como quem se sentasse numa poltrona de lã Daniel Maia-Pinto Rodrigues


5 de Março de 2006

Hopper

hopper.jpg


5 de Março de 2006

Same old story

When, some time after their marriage, Jack told her that he loved eternally, that they would never be parted, that she was not to worry, and that he had taken a mistress, Franca thought she would die of grief. Her life seemed to be at an end. She saw now the difference between the joy that expected nothing and the joy that presumed to have everything. In a special way, she wept over a change, which she tried to resist but could not, in her estimate of her husband. Iris Murdoch, in The message to the planet, ed. Vintage Classics.


5 de Março de 2006

Mirò

miro13.JPG


5 de Março de 2006

Several Questions Answered

What is it men in women do require? The lineaments of Gratified Desire. What is it women do in men require? The lineaments of Gratified Desire. The look of love alarms Because 'tis fill'd with fire; But the look of soft deceit Shall Win the lover's hire. Soft Deceit & Idleness, These are Beauty's sweetest dress. He who binds to himself a joy Dot the winged life destroy; But he who kisses the joy as it flies Lives in Eternity's sunrise. William Blake


5 de Março de 2006

Theory

Into love and out again, Thus I went, and thus I go. Spare your voice, and hold your pen- Well and bitterly I know All the songs were ever sung, All the words were ever said; Could it be, when I was young, Some one dropped me on my head? Dorothy Parker


5 de Março de 2006

Georgia O´Keeffe

GEORGIA_O_KEEFE_001.jpg


5 de Março de 2006

Agora

Agora é diferente Tenho o teu nome o teu cheiro A minha roupa de repente ficou com o teu cheiro Agora estamos misturados No meio de nós já não cabe o amor Já não arranjamos lugar para o amor Já não arranjamos vagar para o amor agora isto vai devagar isto agora demora Manuel António Pina


5 de Março de 2006

exercício espiritual

É preciso dizer rosa em vez de dizer ideia é preciso dizer azul em vez de dizer pantera é preciso dizer febre em vez de dizer inocência é preciso dizer o mundo em vez de dizer um homem É preciso dizer candelabro em vez de dizer arcano é preciso dizer Para Sempre em vez de dizer Agora é preciso dizer O Dia em vez de dizer Um Ano é preciso dizer Maria em vez de dizer aurora Mário Cesariny de Vasconcelos


5 de Março de 2006

Hopper

hotellobbyhopper.jpg


5 de Março de 2006

L'Invitation au Voyage

Mon enfant, ma soeur, Songe à la douceur, D'aller là-bas, vivre ensemble! Aimer à loisir, Aimer et mourir, Au pays qui te ressemble! Les soleils mouillés, De ces ciels brouillés, Pour mon esprit ont les charmes, Si mystérieux, De tes traîtres yeux, Brillant à travers leurs larmes. Là, tout n'est qu'ordre et beauté, Luxe, calme et volupté. Des meubles luisants, Polis par les ans, Décoreraient notre chambre; Les plus rares fleurs Mêlant leurs odeurs Aux vagues senteurs de l'ambre, Les riches plafonds, Les miroirs profonds, La splendeur orientale, Tout y parlerait A l'âme en secret Sa douce langue natale. Là, tout n'est qu'ordre et beauté, Luxe,calme et volupté. Vois sur ces canaux Dormir ces vaisseaux Dont l'humeur est vagabonde; C'est pour assouvir Ton moindre désir Qu'ils viennent du bout du monde. --Les soleils couchants Revêtent les champs Les canaux, la ville entière D'hyacinthe et d'or; Le monde s'endort Dans une chaude lumière Là, tout n'est qu'ordre et beauté, Luxe, calme et volupté. Charles Baudelaire


5 de Março de 2006

O Peso da Hora

(gentileza de Amélia Pais) Não fugir. Suster o peso da hora Sem palavras minhas e sem os sonhos, Fáceis, e sem as outras falsidades. Numa espécie de morte mais terrível Ser de mim despojado, ser abandonado aos pés como um vestido. Sem pressa atravessar a asfixia. Não vergar. Suster o peso da hora Até soltar sua canção intacta. Cristovam Pavia


5 de Março de 2006

Samurai

Unidsamurai.jpg


5 de Março de 2006

Dream Deferred

What happens to a dream deferred? Does it dry up Like a raisin in the sun? Or fester like a sore-- And then run? Does it stink like rotten meat? Or crust and sugar over-- like a syrupy sweet? Maybe it just sags like a heavy load. Or does it explode? Langston Hughes


4 de Março de 2006

Eugène Atget

eugène atget.jpg


4 de Março de 2006

The Play

I am the only actor. It is difficult for one woman to act out a whole play. The play is my life, my solo act. My running after the hands and never catching up. (The hands are out of sight - that is, offstage.) All I am doing onstage is running, running to keep up, but never making it. Suddenly I stop running. (This moves the plot along a bit.) I give speeches, hundreds, all prayers, all soliloquies. I say absurd things like: eggs must not quarrel with stones or, keep your broken arm inside your sleeve or, I am standing upright but my shadow is crooked. And such and such. Many boos.Many boos. Despite that I go on to the last lines: To be without God is to be a snake who wants to swallow an elephant. The curtain falls. The audience rushes out. It was a bad performance. That’s because I’m the only actor and there are few humans whose lives will make an interesting play. Don’t you agree? Anne Sexton


3 de Março de 2006

Botticelli

botticelli madonna.JPG


3 de Março de 2006

Nada quer dizer nada

Abri uma carta antiga e reli-a. Tinham perdido sentido as palavras e as frases. Em que língua me tinham falado? E eu entendera, mas agora fora-se o entendimento. Quem, se eu lesse em voz alta os sons incompreensíveis, se voltaria para mim e atentamente teria a paciência de me elucidar? Reconquistaria desse modo muitas das coisas que um dia possuíra e depois perdera. Em que língua exprimira a confusão e o caos que me habitavam? Ou, mais rigorosamente: com que língua tentara vencer a insignificância do mundo e da minha existência? Nada quer dizer nada, as palavras pesam como pedras, escondem-se nelas o sentido e a paixão. Mas quem pode ainda suportar a recordação do tempo em que falar era uma parte importante da existência, o indício de que pertencíamos e nos reconheciam? O meu corpo tomava consciência dos seus limites e do que o distinguia das paredes, da mesa e dos livros que me cercavam. O sono começou a descer sobre mim, diminuiu a minha capacidade de suportar a luz. Confundia-me, enfim, com as quentes trevas da noite? Quis manter os olhos abertos e eles iam-se fechando. Entendi então que uma vez mais chegara a hora de renunciar. Na rua ouvi o jornal cair, lançado de um carro para a porta de casa. Levantei-me e fui buscá-lo. Podia enfim terminar o dia, adiar a tentativa de redução ao silêncio da minha vida. Que ninguém dê pela minha presença, que me esqueçam aqueles que um dia prometi amar. Para que eu possa, sem remorso, continuar a viver. João Camilo


3 de Março de 2006

Phoenix Lyrics

I If nature is life, nature is death: It is winter as it is spring: Confusion is variety, variety And confusion in everything Make experience the true conclusion Of all desire and opulence, All satisfaction and poverty. II When a hundred years had passed nature seemed to man a clock Another century sank away and nature seemed a jungle in a rock And now that nature has become a ticking and hidden bomb how we must mock Newton, Democritus, the Deity The heart's ingenuity and the mind's infinite uncontrollable insatiable curiosity. III Purple black cloud at sunset: it is late August and the light begins to look cold, and as we look, listen and look, we hear the first drums of autumn. Delmore Schwartz


2 de Março de 2006

Hidden Flame

Feed a flame within, which so torments me That it both pains my heart, and yet contains me: 'Tis such a pleasing smart, and I so love it, That I had rather die than once remove it. Yet he, for whom I grieve, shall never know it; My tongue does not betray, nor my eyes show it. Not a sigh, nor a tear, my pain discloses, But they fall silently, like dew on roses. Thus, to prevent my Love from being cruel, My heart's the sacrifice, as 'tis the fuel; And while I suffer this to give him quiet, My faith rewards my love, though he deny it. On his eyes will I gaze, and there delight me; While I conceal my love no frown can fright me. To be more happy I dare not aspire, Nor can I fall more low, mounting no higher. John Dryden


2 de Março de 2006

Ne me quitte pas

Ne me quitte pas Il faut oublier Tout peut s'oublier Qui s'enfuit deja Oublier le temps Des malentendus Et le temps perdu A savoir comment Oublier ces heures Qui tuaient parfois A coups de pourquoi Le coeur du bonheure Ne me quitte pas Moi je t'offrirai Des perles du pluie Venues de pays Ou il ne pleut pas Je creuserai la terre Jusqu'apres ma mort Pour couvrir ton corps D'or et de lumiere Je ferai un domaine Ou l'amour sera roi Ou l'amour sera loi Ou tu seras reine Ne me quitte pas Ne me quitte pas Je t'inventerai Des mots insensés Que tu comprendras Je te parlerai De ces amants là Qui ont vu deux fois Leurs coeurs s'embraser Je te racont'rai L'histoire de ce roi Mort de n'avoir pas Pu te rencontrer Ne me quitte pas On a vu souvent Rejaillir le feu De l'ancien volcan Qu'on croyait trop vieux Il est paraît-il Des terres brûlées Donnant plus de blé Qu'un meilleur avril Et quand vient le soir Pour qu'un ciel flamboie Le rouge et le noir Ne s'épousent-ils pas Ne me quitte pas Ne me quitte pas Je ne veux plus pleurer Je ne veux plus parler Je me cacherai là A te regarder Danser et sourire Et à t'écouter Chanter et puis rire Laisse-moi devenir L'ombre de ton ombre L'ombre de ta main L'ombre de ton chien Ne me quitte pas Jacques Brel


2 de Março de 2006

Frida Kahlo

frida_kahlo.jpg


2 de Março de 2006

Única Estação

Porque agora o que mais nos inquieta nesta funda ravina onde de rastos o corpo declinamos suportamos onde o canto dos pássaros se apresta ao exílio capaz deste deserto porque agora aquilo que nos faz voltar os olhos e não ver além das cores o branco e o silêncio além da música do sangue pelos troncos e do frio nos ramos e nas sebes que ornam o tempo ano a ano aquilo que agora nos acode é sermos a voz única que grava nesta pedra os sítios da memória os rituais da espera porque agora reparamos e nos frutos sentimos já os dentes com a nova revolta chamada talvez resignação porque temos é forçoso de aceitar que a estação que vivemos agora e se eterniza não é mais do que a única estação. Nuno de Figueiredo


1 de Março de 2006

Da coragem necessária

We, unaccustomed to courage exiles from delight live coiled in shells of loneliness until love leaves its high holy temple and comes into our sight to liberate us into life. Love arrives and in its train come ecstasies old memories of pleasure ancient histories of pain. Yet if we are bold, love strikes away the chains of fear from our souls. We are weaned from our timidity In the flush of love's light we dare be brave And suddenly we see that love costs all we are and will ever be. Yet it is only love which sets us free. Maya Angelou


1 de Março de 2006

Seurat

seurat-03x.jpg


1 de Março de 2006

Fulfillment

For this my mother wrapped me warm, And called me home against the storm, And coaxed my infant nights to quiet, And gave me roughage in my diet, And tucked me in my bed at eight, And clipped my hair, and marked my weight, And watched me as I sat and stood: That I might grow to womanhood To hear a whistle and drop my wits And break my heart to clattering bits. Dorothy Parker


1 de Março de 2006

Days

What are days for? Days are where we live. They come, they wake us Time and time over. They are to be happy in: Where can we live but days? Ah, solving that question Brings the priest and the doctor In their long coats Running over the fields. Philip Larkin


1 de Março de 2006

Mirò

miro3a.JPG


1 de Março de 2006

As crinas do vento

o vento: música ou murmúrio da árvore. Encosta a obsessão à parede branca dos quintais. Vento de mar? E jovem leva a nuvem. Os sinos de bronze, o cimo das searas: viver é brusco, tão incerto. E a minha mão, desabituada de sentir que toca e é gesto e me deixa possuir, a minha mão quer a janela aberta. O vento não tem, não, não tem crinas. Nem as costas luzidias de cavalo ou égua. Áspero, vidro partido espetado na terra. Os dentes de uma serra, espaço de repouso e cume que agride. Pôr a mão em tanto e sem respirar quando parecia que era tarde e apenas hora de dormir? João Camilo