¶ 31 de Dezembro de 2008
William Blake
mais um ano
"bene senescere sine timore nec spe"
blogue de Ana Roque
¶ 31 de Dezembro de 2008
Ring out, wild bells, to the wild sky, The flying cloud, the frosty light; The year is dying in the night; Ring out, wild bells, and let him die. Ring out the old, ring in the new, Ring, happy bells, across the snow: The year is going, let him go; Ring out the false, ring in the true. Alfred Lord Tennyson
¶ 31 de Dezembro de 2008
Ni mas, ni menos. Porque el tiempo es un camino que lleva conforme vas, si vas hacia algún destino todos los días son buenos pues andando llegarás. Ni menos, ni mas. Jorge Vocos Lescano
¶ 31 de Dezembro de 2008
Saber travar o gosto da framboesa louvar a luz do sol fugir da neve que estilhaça O vento o vento em manhãs de rocio e à noite o fanal das madrugadas em portos ancestrais Gente de olhar gris e têmpora marcada ou gente aos trapos tropa de trapos e o rio a correr levando troncos e cardumes. Aymar Mendonça
¶ 30 de Dezembro de 2008
texto do Mul Mantar, escrito em punjabi usando o alfabeto gurmukhi.
¶ 30 de Dezembro de 2008
No flanco das rochas a marca de carneiros emancipados O giro das cirandas travando a liberdade das esferas E na eclosão das uvas, mães do vinho a saudação telúrica dos pâmpanos As aranhas tecendo mandalas os relógios registrando ausências enquanto a mariposa adeja sem rumo tentando frustrar a arrogância dos ventos num incontido descaso do amanhã Cumprem-se as sentenças do Universo e o Tempo se traja de compromissos. Aymar Mendonça
¶ 30 de Dezembro de 2008
Cuando digo mujer quiero decir tus ojos Cuando digo amor quiero decir tu voz Cuando digo infinito quiero decir un día Cuando digo distancia quiero decir no estás Y si digo el pasado digo todas las playas del mundo Donde estuvimos juntos Y si digo futuro Hablo de tu presencia que se propaga Por las cosas como un incendio Y si digo silencio quiero decir adiós Cuando digo las noches quiero decir tu cuerpo Cuando digo decir Quiero decir tocar saltar permanecer Cuando digo matar Quiero decir tus gritos tus celos De tigresa merodeando en las noches Y si digo dinero digo mis deudas y tus deudas Y si digo cordura digo tu locura y la mía Y si digo estar vivos Quiero decir casi morirse Y cuando digo ahora digo tiempo Y cuando digo tiempo digo siempre Cuando digo dolor Quiero hablar de todo lo que odiamos juntos Y cuando digo odio quiero decir amar Y cuando digo muerte quiero decirlo todo Cuando digo tu nombre Quiero decir tu nombre Cuando digo vida quiero decir tu amor Jorge Vocos Lescano
¶ 29 de Dezembro de 2008
(gentileza de Amélia Pais) Virás de manto realmente novo Entre searas ardentes e mãos puras? Poderemos enfim chamar-te novo, Ano novo entre as tuas criaturas? Deceparás enfim as mãos tiranas? Será feita, enfim, nossa vontade? Eu queria acreditar, vozes humanas, Acreditar em ti, deus da verdade! Como eu queria trazer-te a este mundo (Mas onde te escondeste? Desde quando?) Ó deus livre, sem espinhos, ó fecundo Senhor do fogo alegre e não do pranto! Ó ano novo, a minha esperança é cega. Transforma em luz a nossa própria treva. Alberto de Lacerda
¶ 29 de Dezembro de 2008
Aproveito a tua neutralidade, o teu rosto oval, a tua beleza clara, para enviar notícias do bloqueio aos que no continente esperam ansiosos. Tu lhes dirás do coração o que sofremos nos dias que embranquecem os cabelos … Tu lhes dirás a comoção e as palavras que prendemos – contrabando – aos teus cabelos. Tu lhes dirás o nosso ódio construído, sustentando a defesa à nossa volta - único acolchoado para a noite florescida de fome e de tristezas. Tua neutralidade passará por sobre a barreira alfandegária e a tua mala levará fotografias, um mapa, duas cartas, uma lágrima … Dirás como trabalhamos em silêncio, como comemos silêncio, bebemos silêncio, nadamos e morremos feridos de silêncio duro e violento. Vai pois e noticia com um archote aos que encontrares de fora das muralhas o mundo em que nos vemos, poesia massacrada e medos à ilharga. Vai pois e conta nos jornais diários ou escreve com ácido nas paredes o que viste, o que sabes, o que eu disse entre dois bombardeamentos já esperados. Mas diz-lhes que se mantém indevassável o segredo das torres que nos erguem, e suspensa delas uma flor em lume grita o seu nome incandescente e puro. Diz-lhes que se resiste na cidade desfigurada por feridas de granadas e, enquanto a água e os víveres escasseiam, aumenta a raiva e a esperança reproduz-se. Egito Gonçalves
¶ 29 de Dezembro de 2008
Alinhavado o tecido esgarça seus pontos: retorna a vestimenta ao liso pano. Pedro Du Bois
¶ 29 de Dezembro de 2008
Aquela clara madrugada que Viu lágrimas correrem do teu rosto E alegre se fez triste como se Chovesse de repente em pleno Agosto. Ela só viu dedos nos teus dedos meu nome no teu nome. E demorados Viu nossos olhos juntos nos segredos Que em silêncio dissemos separados. A clara madrugada em que parti. Só ela viu teu rosto olhando a estrada Por onde um automóvel se afastava. E viu que a pátria estava toda em ti. E ouviu dizer-me adeus: essa palavra Que fez tão triste a clara madrugada. Manuel Alegre
¶ 28 de Dezembro de 2008
Ariel was glad he had written his poems. They were of a remembered time Or of something seen that he liked. Other makings of the sun Were waste and welter And the ripe shrub writhed. His self and the sun were one And his poems, although makings of his self, Were no less makings of the sun. It was not important that they survive. What mattered was that they should bear Some lineament or character, Some affluence, if only half-perceived, In the poverty of their words, Of the planet of which they were part. Wallace Stevens
¶ 28 de Dezembro de 2008
Não são aparentes em ti as marcas da grandeza, nenhum monumento desfigura ou altera a monotonia sem convulsões do teu rosto quase anónimo. A escassez de ogivas, arcobotantes, rosáceas, burilados portais, cobra-la tu na gravidade das tuas sombras e do teu silêncio. Não vem sequer da tua voz a opressão que cerra as almas de quantos de ti se acercam. Não demonstras, não afirmas, não impões. Elusiva e discretamente altiva, fala por ti apenas o tempo. Rui Knopfli
¶ 28 de Dezembro de 2008
Leitura do Livro de Ben-Sirá Sir 3, 3-7.14-17a (gr. 2-6.12-14) Deus quis honrar os pais nos filhos e firmou sobre eles a autoridade da mãe. Quem honra seu pai obtém o perdão dos pecados e acumula um tesouro quem honra sua mãe. Quem honra o pai encontrará alegria nos seus filhos e será atendido na sua oração. Quem honra seu pai terá longa vida, e quem lhe obedece será o conforto de sua mãe. Filho, ampara a velhice do teu pai e não o desgostes durante a sua vida. Se a sua mente enfraquece, sê indulgente para com ele e não o desprezes, tu que estás no vigor da vida, porque a tua caridade para com teu pai nunca será esquecida e converter-se-á em desconto dos teus pecados. Palavra do Senhor.
¶ 28 de Dezembro de 2008
Na minha juventude antes de ter saído da casa de meus pais disposto a viajar eu conhecia já o rebentar do mar das páginas dos livros que já tinha lido Chegava o mês de maio era tudo florido o rolo das manhãs punha-se a circular e era só ouvir o sonhador falar da vida como se ela houvesse acontecido E tudo se passava numa outra vida e havia para as coisas sempre uma saída Quando foi isso? Eu próprio não sei dizer Só sei que tinha o poder duma criança entre as coisas e mim havia vizinhança e tudo era possível era só querer Ruy Belo
¶ 28 de Dezembro de 2008
Vivam, apenas. Sejam bons como o sol. Livres como o vento naturais como as fontes. Imitem as árvores dos caminhos Que dão flores e frutos Sem complicações. Mas não queiram convencer os cardos A transformar os espinhos Em rosas e canções. E principalmente não pensem na Morte. Não sofram por causa dos cadáveres Que só são belos Quando se desenham na terra em flores. Vivam, apenas. A morte é para os mortos. José Gomes Ferreira
¶ 27 de Dezembro de 2008
(excerto) Permitamos que o vento sopre. E que a pedra exista. E que o sol dispare a sua fúria Em todas as direcções. E que a lua se entretenha No seu jogo de brilhar. (...) Ou, Melhor dizendo, Permitamos que um silêncio muito antigo Venha Carregado de silvos e sussurros Venha Conduzir-nos a palavra Pelas veredas impalpáveis Do mistério. José Fanha
¶ 27 de Dezembro de 2008
Floriram por engano as rosas bravas No Inverno: veio o vento desfolhá-las... Em que cismas, meu bem? Por que me calas As vozes com que há pouco me enganavas? Castelos doidos! Tão cedo caístes!... Onde vamos, alheio pensamento, De mãos dadas? Teus olhos, que um momento Perscrutaram nos meus, como vão tristes! E sobre nós cai nupcial a neve, Surda, em triunfo, pétalas, de leve Juncando o chão, na acrópole de gelos... Em redor do teu vulto é como um véu! Quem as esparze – quanta flor! – do céu Sobre nós dois, sobre os nossos cabelos? Camilo Pessanha
¶ 27 de Dezembro de 2008
Está hoje um dia de vento e eu gosto do vento O vento tem entrado nos meus versos de todas as maneiras e só entram nos meus versos as coisas de que gosto O vento das árvores o vento dos cabelos o vento do inverno o vento do verão O vento é o melhor veículo que conheço Só ele traz o perfume das flores só ele traz a música que jaz à beira-mar em agosto Mas só hoje soube o verdadeiro valor do vento O vento actualmente vale oitenta escudos Partiu-se o vidro grande da janela do meu quarto Ruy Belo
¶ 27 de Dezembro de 2008
Que a tua sabedoria não seja uma humilhação para o teu próximo. Guarda domínio sobre ti mesmo e nunca te abandones à cólera. Se aspiras à paz definitiva, sorri ao destino que te fere; não firas ninguém. Omar Kháyyám, trad. Cecília Meireles
¶ 27 de Dezembro de 2008
o que em mim comovia as pessoas e ainda as comove é a minha flagrante parecença com Abraham Lincoln de tal maneira que no dia em que ergueram a minha estátua de bronze numa praça qualquer do Pireu vieram depor aos meus pés em silêncio alguma coisa que se assemelhava de cima do pedestal não conseguia distinguir a um despojo a um braseiro de cobre com carvões a arder esperei que caísse a noite profunda e depois aproximei-me para ver descobri que alegria que não eram mais do que os olhos negros da mulher que amo que brilhavam nas trevas Nikos Engonópoulos, trad. de Manuel Resende
¶ 26 de Dezembro de 2008
E eu tinha os olhos cheios, mas tão cheios de luz, que se fechasse as pálpebras ela jorraria em pranto, como pranto abrindo-se em flores orvalhadas. A luz cavava sulcos em meu cérebro, aligeirando-o como à árvore o vento que lhe atira os frutos ao chão, e aí, libertas, as folhas frondejam nas alturas com um novo frémito. A luz cavava sulcos em meu cérebro e corria-me pelas veias, lenta, calma. Ággelos Sikelianós, trad. José Paulo Pães
¶ 26 de Dezembro de 2008
É bom estarmos atentos ao rodar do tempo O outono por exemplo tem recantos entre dia e noite ao pé de certos troncos indecisos cercados um por um de sombras envolventes Rente às árvores vamos, húmidos humildes Dizem que é outono. Mas que época do ano toca nestas paredes que roçamos como gente que vai à sua vida e não avista o mar, afinal símbolo de quanto quer, ó Deus, ó mais redonda boca para os nomes das coisas para o nome do homem ou o homem do homem? Banho lustral de ausência é este tempo de pés postos na terra em puro esquecimento E vamo-nos perdendo de nós mesmos, vamos dispersos em bocados, vítimas do vento ficando aqui, ali, nalgum lugar que amamos Nada mais do que a terra há quem ao corpo nos prometa Quem somos? Que dizemos? Reúna-nos um dia o toque da trombeta Ruy Belo
¶ 26 de Dezembro de 2008
de novo penso no mar. a cicatriz não chega a existir. a brisa desenha apenas uma voz - o sono. a dor permanece na ferida e na imagem. carregarei também o peso? a noite continua - demasiado longa. Ruy Ventura
¶ 26 de Dezembro de 2008
Olho-me ao espelho e não me reconheço na imagem que o espelho me devolve: é o tempo, cruel, cobrando o preço dos erros que somei desde o começo e dos quais não me absolve. Mas nada me garante que outra imagem o espelho me traria devolvida se eu tivesse vivido uma outra vida e empreendido outra viagem. Torquato da Luz
¶ 25 de Dezembro de 2008
O amor, espelho de muita leitura Com mil formas e feições, encantado, Por muitos, belos matizes pintado, Ao feio traz bem linda formosura. Ah! ele tem sempre nova feitura Do velho em novo ser transformado; Em boas ou más trovas é louvado, Quebrado o enlevo, já não perdura. Então, noutro campo deve a vontade Buscar o entendimento e carinho; O mau tédio afastado, sem pena Renascendo a nova felicidade, De ouro e verde corando o caminho, Com ternura doce e vida serena. Victor Nogueira
¶ 25 de Dezembro de 2008
Canção divina as cousas comovia, E de ternura as árvores choravam... E lembrava o luar a luz do dia E os ribeiros, extáticos, paravam. Era Orfeu, de inspirado, que descia Às entranhas da terra! E se afundavam Os seus olhos na noite, muda e fria, Onde as pálidas sombras vagueavam. Eurídice, o seu morto e triste amor, Ouvindo-o, tomou forma e viva cor, Íntima luz à face lhe subiu... Mas Orfeu, pobre amante enlouquecido, Quis ver aquele corpo estremecido... E, outra vez sombra, Eurídice fugiu... Teixeira de Pascoaes
¶ 24 de Dezembro de 2008
Sonhei tanto contigo, Caminhei tanto, falei tanto Amei tanto a tua sombra, Que já nada me resta de ti. Resta-me ser sombra entre as sombras Ser cem vezes mais sombra que a sombra Ser a sombra que há-de vir e voltar Na tua vida cheia de sol. Robert Desnos, trad. Amélia Pais
¶ 24 de Dezembro de 2008
Here is the same as there, my friend, All places in this world are like. If doomed thy life in grief to spend, What change can then thy fate amend, What from thy soul the pain can strike? When pain doth wound the tired heart And grief doth tire the fevered eye, Some joy indeed the world's great art May to thy pained soul impart- What's this if joy in thee not lie? When on my restless couch I lie And count the throbbing of my breath, I see the joy of earth and sky Yet hate it alI; why should not I So keep my coward mind from death? True joy comes not from outward show But in our deepest soul doth rest. What matter if the sun can glow And stars at night look sweetly so When hearts are by their grief opprest? For when the darkness weighs thy thought, And night doth fall upon thy soul, Are not again thy sorrows brought? Is not thy mind in shadows caught? Do fears not back upon thee roll? I cannot do but hope; as mine Thy mind I see to hopes doth bend; I in my land and thou in thine We suffer both - our griefs entwine. Here is the same as there, my friend. Alexander Search, heterónimo de Fernando Pessoa
¶ 23 de Dezembro de 2008
who sharpens every dull here comes the only man reminding with his bell to disappear a sun and out of houses pour maids mothers widows wives bringing this visitor their very oldest lives one pays him with a smile another with a tear some cannot pay at all he never seems to care he sharpens is to am he sharpens say to sing you'd almost cut your thumb so right he sharpens wrong and when their lives are keen he throws the world a kiss and slings his wheel upon his back and off he goes but we can hear him still if now our sun is gone reminding with his bell to reappear a moon E. E. Cummings
¶ 23 de Dezembro de 2008
Acredito em desvios por onde barcos singram terras não navegáveis. Sonhos reafirmados no acordar. O acorde surdo do instrumento. Peço perdão amada pela contingência crepuscular da vida desviada: hora repartida e a solidão ao contemplar o grito ensurdecedor da opinião desfiada. Teia e teares. Teço amada o necessário à tragédia. Da calçada complementar com que a rua se divide acorro ao sóbrio estar consigo. Amada, procuro creditar ao sorriso a necessidade de alucinar estrelas sobre os ombros. Brincos e colares. Você. Pedro Du Bois
¶ 23 de Dezembro de 2008
A noite ainda te assusta. Sabes que é interminável E de dimensões desmesuradas, inimagináveis. «É porque a Sua insónia é constante», Leste nalgum místico. Será o bico do Seu compasso escolar Que te fere o coração? Algures estarão os amantes deitados Debaixo dos ciprestes sombrios, Tremendo de felicidade, Mas aqui só a tua barba de muitos dias E uma mariposa nocturna tiritando Debaixo da mão que apertas contra o peito. Filho mais velho, Prometeu De um fogo tão frio que não consegues nomear Pelo qual te condenaram a um tempo largo Com o terror dessa mariposa nocturna por companhia. Charles Simic, tradução de José Alberto Oliveira
¶ 23 de Dezembro de 2008
Viver! - O corpo nu, a saltar, a correr Numa praia deserta, ou rolando na areia, Rolando, até ao mar... (que importa o que a alma anseia?) Isto sim, é viver! O Paraíso é nosso e está na terra. Nós É que temos o olhar velado de incerteza; E julgamos ouvir a voz da Natureza Ouvindo a nossa voz. Ilusões! O triunfo, o amor, a poesia... Não merecem, sequer, um dia à beira-mar Vivido plenamente, - a sorver, a beijar O vento e a maresia. Viver é estar assim, a fronte ao céu erguida, Os membros livres, as narinas dilatadas; Com toda a Natureza, em espírito, as mãos dadas - O resto não é vida. Que venha, pois, a brisa e me trespasse a pele, Para melhor poder compreendê-Ia e amá-Ia! Que a voz do mar me chame e ouvindo a sua fala, Eu vá e seja dele! Que o Sol penetre bem na minha carne e a deixe Queimada para sempre! As ondas, uma a uma, Rebentem no meu corpo e eu fique, ébrio de espuma, Contente como um peixe! Carlos Queiroz
¶ 22 de Dezembro de 2008
We smile at each other and I lean back against the wicker couch. How does it feel to be dead? I say. You touch my knees with your blue fingers. And when you open your mouth, a ball of yellow light falls to the floor and burns a hole through it. Don't tell me, I say. I don't want to hear. Did you ever, you start, wear a certain kind of dress and just by accident, so inconsequential you barely notice it, your fingers graze that dress and you hear the sound of a knife cutting paper, you see it too and you realize how that image is simply the extension of another image, that your own life is a chain of words that one day will snap. Words, you say, young girls in a circle, holding hands, and beginning to rise heavenward in their confirmation dresses, like white helium balloons, the wreathes of flowers on their heads spinning, and above all that, that's where I'm floating, and that's what it's like only ten times clearer, ten times more horrible. Could anyone alive survive it? Ai
¶ 22 de Dezembro de 2008
Entre a bicicleta e a laranja vai a distância de uma camisa branca Entre o pássaro e a bandeira vai a distância dum relógio solar Entre a janela e o canto do lobo vai a distânciadum lago desesperado Entre mim e a bola de bilhar vai a distância dum sexo fulgurante Qualquer pedaço de floresta ou tempestade pode ser a distância entre os teus braços fechados em si mesmos e a noite encontrada para além do grito das panteras qualquer grito de pantera pode ser a distância entre os teus passos e o caminho em que eles se desfazem lentamente Qualquer caminho pode ser a distância entre tu e eu Qualquer distância entre tu e eu é a única e magnífica existência do nosso amor que se devora sorrindo Mário Henrique Leiria
¶ 22 de Dezembro de 2008
Once I spoke the language of the flowers, Once I understood each word the caterpillar said, Once I smiled in secret at the gossip of the starlings, And shared a conversation with the housefly in my bed. Once I heard and answered all the questions of the crickets, And joined the crying of each falling dying flake of snow, Once I spoke the language of the flowers. . . . How did it go? How did it go? Shel Silverstein
¶ 22 de Dezembro de 2008
Neste dia meu amor os meus dedos são o candelabro que te ilumina o único existente. E o homem sua esfera perdida em mãos alheias é o objecto de malabarismo o insecto voltejando cega a luz que lhe irradiam o límpido cristal corrompido o defunto. E este patíbulo onde o próprio carrasco se enforcará eu o digo será erguido como símbolo de todos os homens. Aqui a hora vai sendo longínqua meu amor e solene. O caminho é grande o tempo tão pouco tenhamos muita esperança e muito ódio e vítreas flores a ornar o teu cabelo porque serei o homem para as transportar e tu a última mulher que as aceitará. E enquanto assim for erguer-se-á a nuvem de múltiplas estrelas a nebulosa que dizem estar a milhões de anos-luz mas não acreditemos bem o sabes porque em verdade a temos em nossas próprias mãos oculta para a contemplarmos agora. Carlos Eurico da Costa
¶ 21 de Dezembro de 2008
All profits disappear: the gain Of ease, the hoarded, secret sum; And now grim digits of old pain Return to litter up our home. We hunt the cause of ruin, add, Subtract, and put ourselves in pawn; For all our scratching on the pad, We cannot trace the error down. What we are seeking is a fare One way, a chance to be secure: The lack that keeps us what we are, The penny that usurps the poor. Theodore Roethke
¶ 21 de Dezembro de 2008
I am writing these poems From inside a lion, And it's rather dark in here. So please excuse the handwriting Which may not be too clear. But this afternoon by the lion's cage I'm afraid I got too near. And I'm writing these lines From inside a lion, And it's rather dark in here. Shel Silverstein
¶ 21 de Dezembro de 2008
(gentileza de Amélia Pais) Como se nada pudesse alterar o percurso de uma paixão, enfeito os ombros de mimosas e mudo de perfume, para inquietar quem roce os meus cabelos. Chegaste: trazias nos olhos toda a claridade das manhãs da tua infância e um sorriso de menino triste no contorno da boca. Chegaste: o meu olhar propício ao teu olhar. A marca da sede nos meus lábios. Um frio perturbado, coagulando-me o sangue e o sexo. Chegaste: lembras-te como, em nossas mãos, se insinuou um rio e, sem tréguas, os dedos deslizaram, lentamente, adivinhando o começo da nascente em nossos corpos? Graça Pires
¶ 21 de Dezembro de 2008
Este ano o Solstício de Inverno ocorre no dia 21 de Dezembro às 12h04m, instante que marca o início do Inverno no Hemisfério Norte. A estação mais fria do ano prolonga-se por 88,99 dias até ao próximo Equinócio, que ocorre no dia 20 de Março de 2009 às 11h44m. A palavra tem origem latina - Solstitium - e está associada à ideia de que o Sol ficaria estacionário ao atingir a sua posição mais alta ou mais baixa no céu.
¶ 21 de Dezembro de 2008
Be glad your nose is on your face, not pasted on some other place, for if it were where it is not, you might dislike your nose a lot. Imagine if your precious nose were sandwiched in between your toes, that clearly would not be a treat, for you'd be forced to smell your feet. Your nose would be a source of dread were it attached atop your head, it soon would drive you to despair, forever tickled by your hair. Within your ear, your nose would be an absolute catastrophe, for when you were obliged to sneeze, your brain would rattle from the breeze. Your nose, instead, through thick and thin, remains between your eyes and chin, not pasted on some other place-- be glad your nose is on your face! Jack Prelutsky
¶ 21 de Dezembro de 2008
Tapas os caminhos que vão dar a casa Cobres os vidros das janelas Recolhes os cães para a cozinha Soltas os lobos que saltam as cancelas Pões guardas atentos espiando no jardim Madrastas nas histórias inventadas Anjos do mal voando sem ter fim Destróis todas as pistas que nos salvam Depois secas a água e deitas fora o pão Tiras a esperança Rejeitas a matriz E quando já só restam os sinais Convocas devagar os vendavais Maria Teresa Horta
¶ 20 de Dezembro de 2008
When I was young, I used to Watch behind the curtains As men walked up and down the street. Wino men, old men. Young men sharp as mustard. See them. Men are always Going somewhere. They knew I was there. Fifteen Years old and starving for them. Under my window, they would pause, Their shoulders high like the Breasts of a young girl, Jacket tails slapping over Those behinds, Men. One day they hold you in the Palms of their hands, gentle, as if you Were the last raw egg in the world. Then They tighten up. Just a little. The First squeeze is nice. A quick hug. Soft into your defenselessness. A little More. The hurt begins. Wrench out a Smile that slides around the fear. When the Air disappears, Your mind pops, exploding fiercely, briefly, Like the head of a kitchen match. Shattered. It is your juice That runs down their legs. Staining their shoes. When the earth rights itself again, And taste tries to return to the tongue, Your body has slammed shut. Forever. No keys exist. Then the window draws full upon Your mind. There, just beyond The sway of curtains, men walk. Knowing something. Going someplace. But this time, I will simply Stand and watch. Maybe. Maya Angelou
¶ 20 de Dezembro de 2008
Rodopiei no azul Espreguicei-me no anil Emergi do caos - Pairei sob o teu corpo - Atenta ao brilho das estrelas Julieta Lima
¶ 20 de Dezembro de 2008
You are beautiful and faded Like an old opera tune Played upon a harpsichord; Or like the sun-flooded silks Of an eighteenth-century boudoir. In your eyes Smoulder the fallen roses of out-lived minutes, And the perfume of your soul Is vague and suffusing, With the pungence of sealed spice-jars. Your half-tones delight me, And I grow mad with gazing At your blent colours. My vigour is a new-minted penny, Which I cast at your feet. Gather it up from the dust, That its sparkle may amuse you. Amy Lowell
¶ 20 de Dezembro de 2008
Tão brando é o movimento das estrelas, da lua, das nuvens e do vento, que se desenha a tua face no firmamento. Desenha-se tão pura como nunca a tiveste, nem nenhuma criatura. Pois é sombra celeste da terrena aventura. Como um cristal se aquieta minha vida no sono, venturosa e completa. E teu rosto aprisiono em grave luz secreta. Teu silêncio em meu peito de tal maneira existe, reconhecido e aceito, que chego a ficar triste de vê-lo tão perfeito. E não pergunto nada. Espero que amanheça, e a cor da madrugada pouse na tua cabeça uma rosa encarnada. Cecília Meireles
¶ 19 de Dezembro de 2008
Se te pareço ausente, não creias: hora a hora minha dor agarra-se aos teus braços, hora a hora meu desejo revolve teus escombros, e escorrem dos meus olhos mais promessas. Não acredites nesse breve sono; não dês valor maior ao meu silêncio; e se leres recados numa folha branca, Não creias também: é preciso encostar teus lábios nos meus lábios para ouvir. Nem acredites se pensas que te falo: palavras são meu jeito mais secreto de calar. Lya Luft
¶ 19 de Dezembro de 2008
Ahora estamos aquí los dos maduros. Sol y espiga, redonda la certeza. Estamos con los pies de piedra, continuando la carne de la tierra, y la tierra se termina en nosotros. Ahora estamos con el tiempo a todo color, y a todo viento nuestra ensanchada voz, y nuestros brazos rodearían el mundo si quisieran; estamos en el centro, tú y yo. hay un tropel de horas, y los frustrados sueños desbarrancan; somos de piedra y es de piedra Dios. Por nuestro pulmón respira el universo y por nuestro latido golpea la existencia entera. Toma el sol, sofócalo en tus brazos, el sol quema. Toma tu acero y corta en pedazos los gajos de la tierra, la tierra ya está vieja, se deshace; sólo estamos tú y yo. En nosotros la senda, y en nosotros el paso, el oído y la voz. Bésame ahora, la madurez golpea en el minuto una rayita apenas, un parpadeo, o no seremos nada, si evapora la gota de tiempo que nos queda. Bésame ahora que estamos verticales al cielo enfilando el impulso al infinito, el trigo lanza rayos al sol, y el sol madura, comeremos pan de fuego. Es la hora del zumo, del zumo suelto, sin forma y sin encierro, del libre zumo, de la saliva dulce de la tierra. Apoya tu cabeza sobre las nubes, y lanza al aire tu grito y destroza la indescifrable pulpa de las cosas, y arroja tu semilla por el mundo y afírmate en el centro de la rueda del tiempo que nos gira. Una figura como un soplo, y una voz pequeña, palpita en la envoltura de tu beso. Matilde Alba Swann
¶ 19 de Dezembro de 2008
Queria subir às palavras e gritá-las E ter o privilégio de inventar formas diferentes de dizer amor Manuela Amaral
¶ 19 de Dezembro de 2008
Sessenta e seis países, incluindo Portugal, apelaram hoje para que as Nações Unidas (ONU) aprovem a despenalização universal da homossexualidade, uma posição fortemente rejeitada por vários Estados árabes e pelo Vaticano. A Assembleia tem 192 Estados-Membros. O apelo, lido durante um plenário da Assembleia-geral da ONU pelo Embaixador da Argentina, Jorge Arguello, em nome dos 66 países que o apoiam, tem como base o princípio da universalidade dos Direitos Humanos, consagrados na Declaração Universal que este ano completa sessenta anos e que estabelece, no seu primeiro artigo, que "todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos".
¶ 19 de Dezembro de 2008
O passado é como o mar: nunca sossega. José Eduardo Agualusa, in Passageiros em Trânsito
¶ 18 de Dezembro de 2008
By the road to the contagious hospital under the surge of the blue mottled clouds driven from the northeast—a cold wind. Beyond, the waste of broad, muddy fields brown with dried weeds, standing and fallen patches of standing water the scattering of tall trees All along the road the reddish purplish, forked, upstanding, twiggy stuff of bushes and small trees with dead, brown leaves under them leafless vines— Lifeless in appearance, sluggish dazed spring approaches— They enter the new world naked, cold, uncertain of all save that they enter. All about them the cold, familiar wind— Now the grass, tomorrow the stiff curl of wildcarrot leaf One by one objects are defined— It quickens: clarity, outline of leaf But now the stark dignity of entrance—Still, the profound change has come upon them: rooted they grip down and begin to awaken William Carlos Williams
¶ 18 de Dezembro de 2008
Nem se chega a saber como um inusitado sorriso, um volver de olhos doentes, um caminhar indeciso e cego por entre as gentes, chamam a si, aglutinam, essa dor que anda suspensa ( e é dor de toda a maneira) como o vapor se condensa sobre núcleos de poeira. É essa angústia latente boiando no ar parado como um trovão iminente, que em muda voz se pressente num simples olhar trocado. Essa angústia universal, esse humano desespero, revela-se num sinal, numa ferida natural que rói com lento exagero. Não deita sangue nem pus, não se mede nem se pesa, não diz, não chora, não reza, não se explica nem traduz. A gente chega, respira, olha, sorri, cumprimenta, fala do frio que apoquenta ou do suor que transpira, e pronto, sem saber como, inútil, seco, vazio, cai na penumbra do rio, emerge, bóia, soçobra, fácil e desinteressado como um papel que se dobra por onde já foi dobrado. António Gedeão
¶ 17 de Dezembro de 2008
Razors pain you; Rivers are damp; Acids stain you; And drugs cause cramp. Guns aren't lawful; Nooses give; Gas smells awful; You might as well live. Dorothy Parker
¶ 17 de Dezembro de 2008
(...) acenda as luzes e veja o regato onde nadam peixes menores, não os enrede em conversas tolas, deixe-os livres nos poucos vidros que os cercam; a liberdade sufoca paixões esfalfadas em mandados. Pedro Du Bois
¶ 17 de Dezembro de 2008
- Sabes, não podemos traçar uma linha para dividir as nossas vidas e dizer que aqui é a luz e aqui é a sombra. Existe uma zona de sombras no meio, marcada pela semiobscuridade. Faz parte da inteligência saudável reconhecer esses matizes, compreendê-los. E adquirir esse inteligente conhecimento das coisas implica tempo e esforço. Haruki Murakami, in After Dark/Os Passageiros da Noite, trad. Maria João Lourenço
¶ 17 de Dezembro de 2008
Eu escrevo versos ao meio-dia e a morte ao sol é uma cabeleira que passa em fios frescos sobre a minha cara de vivo Estou vivo e escrevo sol Se as minhas lágrimas e os meus dentes cantam no vazio fresco é porque aboli todas as mentiras e não sou mais que este momento puro a coincidência perfeita no acto de escrever e sol A vertigem única da verdade em riste a nulidade de todas as próximas paragens navego para o cimo tombo na claridade simples e os objectos atiram suas faces e na minha língua o sol trepida Melhor que beber vinho é mais claro ser no olhar o próprio olhar a maravilha é este espaço aberto a rua um grito a grande toalha do silêncio verde António Ramos Rosa
¶ 16 de Dezembro de 2008
Pouco importa a vontade manifestada por cada um. Somos transportados, todos juntos, rigorosamente à mesma velocidade, em direcção à corrente do tempo. Haruki Murakami, in After Dark/Os Passageiros da Noite, trad. Maria João Lourenço
¶ 16 de Dezembro de 2008
ou Ambruogio Laurati, activo em Siena no início do século XIV
¶ 16 de Dezembro de 2008
(...) A man reaches behind my eyes and finds them empty a woman's head turns away from my head in the mirror children are dying my death and eating crumbs of my life. Pity is not your forte. Calmly you ache up there pinned aloft in your crow's nest, my speechless pirate! You take it all for granted and when I look you back it's with a starlike eye shooting its cold and egotistical spear where it can do least damage. Breath deep! No hurt, no pardon out here in the cold with you you with your back to the wall. Adrienne Rich
¶ 16 de Dezembro de 2008
From the shadow of domes in the city of domes, A snowflake, a blizzard of one, weightless, entered your room And made its way to the arm of the chair where you, looking up From your book, saw it the moment it landed. That's all There was to it. No more than a solemn waking To brevity, to the lifting and falling away of attention, swiftly, A time between times, a flowerless funeral. No more than that Except for the feeling that this piece of the storm, Which turned into nothing before your eyes, would come back, That someone years hence, sitting as you are now, might say: "It's time. The air is ready. The sky has an opening." Mark Strand
¶ 16 de Dezembro de 2008
Sentavas-te junta à esteira e acendias os cabelos numa lágrima. Em silêncio ias moldando entre os dedos luas muito cheias que depois me ofertavas, dizendo, abre no meu rosto um poema a pique por onde a luz se despenhe. Só tu conhecias a inclinação certa do cachimbo, a púrpura linguagem do fumo, a revelada cadência dos sonhos. E eu amava-te pela maneira como os barcos sangravam nos teus lábios Jorge Melícias
¶ 15 de Dezembro de 2008
Pamela was too gentle to deceive Her roses. "Let the men stay where they are," She said, "and if Apollo's avatar Be one of them, I shall not have to grieve." And so she made all Tilbury Town believe She sighed a little more for the North Star Than over men, and only in so far As she was in a garden was like Eve. Her neighbors—doing all that neighbors can To make romance of reticence meanwhile— Seeing that she had never loved a man, Wished Pamela had a cat, or a small bird, And only would have wondered at her smile Could they have seen that she had overheard. Edwin Arlington Robinson
¶ 15 de Dezembro de 2008
If a man says half himself in the light, adroit Way a tune shakes into equilibrium, Or approximates to a note that never comes: Says half himself in the way two pencil-lines Flow to each other and softly separate, In the resolute way plane lifts and leaps from plane: Who knows what intimacies our eyes may shout, What evident secrets daily foreheads flaunt, What panes of glass conceal our beating hearts? A.S.J. Tessimond
¶ 14 de Dezembro de 2008
a simplicidade luminosa de Giovanni da Fiesole, nascido Guido di Pietro Trosini e mais conhecido como Fra Angelico, pintor no início do século XV.
¶ 14 de Dezembro de 2008
Quando a noite curva os ombros mergulhando-nos nas coisas apagando o espaço que busco no teu corpo porque me deito sobre o teu ventre Encosto o ouvido ao pulsar do seio queimamo-nos lentamente para acender o sol António Borges Coelho
¶ 14 de Dezembro de 2008
De correr mundo as terras e os humanos como paisagem que ante os olhos passa, e às vezes percorrer umas e outros nos breves intervalos entre duas viagens, uma incerteza deixa que é diversa da que se aprende no convívio longo: quem se demora vê, sob as fachadas ou as perspectivas de alta torre feitas um gesto em que se mostra uma outra vida, ou troca frases que desnudam crua o que de interno ser sob as fachadas vive; mas quem só passa e mal aos outros toca com mais que olhares ou fugidias vozes, mais adivinha o que não é paisagem mas dia a dia tão diverso dela ou pelo menos para além ansioso. Mas, se num caso a vida se conhece e noutro caso nos conhece a nós, por ambos aprendemos que do mundo se vive o que não passa, ou se não vive o que passando é só terras e gentes - -o conhecer, porém, não se conhece nunca. Apenas resta a escolha: como descobrir essa experiência inútil. Antes, pois, correr do mundo as terras e os humanos que consumir-se alguém ao lado deles sempre. Jorge de Sena
¶ 14 de Dezembro de 2008
Por detrás de cada flor há um homem de chapéu de coco e sobrolho carregado. Podia estar à frente ou estar ao lado, mas não, está colocado exactamente por detrás da flor. Também não está escondido nem dissimulado, está dignamente especado por detrás da flor. Abro as narinas para respirar o perfume da flor, não de repente (é claro) mas devagar, a pouco e pouco, com os olhos postos no chapéu de coco. Ele ama-me. Defende-me com os seus carinhos, protege-me com o seu amor. Ele sabe que a flor pode ter espinhos, ou tem mesmo, ou já teve, ou pode vir a ter, e fica triste se me vê sofrer. Transmito um pensamento à flor sem mover a cabeça e sem a olhar De repente, como um cão cínico arreganho o dente e engulo-a sem mastigar. António Gedeão
¶ 13 de Dezembro de 2008
Como paredes através das quais o mundo vemos pelo ser dos outros, quem vamos conhecendo nos rodeia, multiplicando as faces da gaiola de que se tece em volta a nossa vida. No espaço dentro (mas que não depende do número de faces ou distância entre elas nós somos quem nós somos: só distintos de cada um dos outros, para quem apenas somos uma face em muitas, pelo que em nós se torna, além do espaço uma visão de espelhos transparentes. Mas o que nos distingue não existe. Jorge de Sena
¶ 13 de Dezembro de 2008
(gentileza de Loureiro) É urgente que as pessoas se amem sem vergonha e sem tristeza Que se amem com orgulho Com a alegria pagã da joie grega É urgente que as pessoas não se escondam por detrás das outras pessoas das ideias das outras pessoas dos muros espessos do medo É urgente que as pessoas se amem É urgente partilhar o pão e o corpo com a claridade da terra molhada nas manhãs de sol É urgente assumir a verdade Manuela Amaral
¶ 13 de Dezembro de 2008
Um lado do teu rosto era sempre o estio. Ondas, mansamente, a boca, o mormaço. Eu era um pássaro espiando a luz e o grão. Sem pressa, pousava: teus cabelos, a restinga, a chuva da tarde. Mas tua outra face não esperava e nela estranhos bichos subiam do mar fundo à terra. Se tocados, um líquido, mijo ou lágrima, queimava, repelia, insultava. Tudo em mim, então, era uma concha que se fechou de susto e os penhascos doíam sem nenhum remédio. Era quando, durante toda a noite, eu queria apenas morrer. E morria. Mais de uma vez, fui um homem que se afogou na barra. Eucanaã Ferraz
¶ 13 de Dezembro de 2008
Sob a grande neblina livre e monge mil e quinhentas donzelas protegem o meu pulso mineral e morto. Procuro no meu sangue. Encontro? Encontro, meu amor, encontro? Alto mar as imagens acordam uma surpresa. Braço no braço uma meiguice sagra-me pajem das tuas mãos. Dormem. Deixá-lo! Mas já a minha voz acorda os esponsais. Brilha que brilha medito: melhor se me afigura a noite sem termo. Levanto o teu retrato ao plano dos meus olhos - assim cheguei porque suceda em breve agitado e nervoso o meu corpo e ainda verás nele claro espelho do teu esplendor. Fernando Alves dos Santos
¶ 13 de Dezembro de 2008
Empurram-se dos olhos, dividem-se pela casa. Como grandes câmaras vazias sonham ou enlouquecem por detrás dos cântaros. Cantam as mãos que cozem junto ao barro, o azeite dormindo nas talhas. Cantam o outono nos olhos húmidos dos cães. Jorge Melícias
¶ 12 de Dezembro de 2008
When I heard the learn'd astronomer, When the proofs, the figures, were ranged in columns before me, When I was shown the charts and diagrams, to add, divide, and measure them, When I sitting heard the astronomer where he lectured with much applause in the lecture-room, How soon unaccountable I became tired and sick, Till rising and gliding out I wander'd off by myself, In the mystical moist night-air, and from time to time, Look'd up in perfect silence at the stars. Walt Whitman
¶ 12 de Dezembro de 2008
The poem is important, but not more than the people whose survival it serves, one of the necessities, so they may speak what is true, and have the patience for beauty: the weighted grainfield, the shady street, the well-laid stone and the changing tree whose branches spread above. For want of songs and stories they have dug away the soil, paved over what is left, set up their perfunctory walls in tribute to no god, for the love of no man or woman, so that the good that was here cannot be called back except by long waiting, by great sorrows remembered and to come by invoking the thunderstones of the world, and the vivid air. Wendell Berry
¶ 11 de Dezembro de 2008
Madrid à noite, debaixo de chuva (foto de Paulo Querido)
¶ 11 de Dezembro de 2008
The poem is important, as the want of it proves. It is the stewardship of its own possibility, the past remembering itself in the presence of the present, the power learned and handed down to see what is present and what is not: the pavement laid down and walked over regardlessly--by exiles, here only because they are passing. Oh, remember the oaks that were here, the leaves, purple and brown, falling, the nuthatches walking headfirst down the trunks, crying "onc! onc!" in the brightness as they are doing now in the cemetery across the street where the past and the dead keep each other. To remember, to hear and remember, is to stop and walk on again to a livelier, surer measure. It is dangerous to remember the past only for its own sake, dangerous to deliver a message you did not get. Wendell Berry
¶ 11 de Dezembro de 2008
Na ponta dos dedos batem as palavras sísmicas. E a testa abre-se profusamente à força do nome. Digo: aquele que escreve infunde o prodígio, respira ao cimo com a luz nos pulmões, atravessa como se florisse nos abismos. Jorge Melícias
¶ 10 de Dezembro de 2008
Todo mandato é minucioso e cruel eu gosto das frugais transgressões por exemplo inventar o bom amor aprender nos corpos e em seu corpo ouvir a noite e não dizer amem traçar cada um o mapa de sua audácia mesmo que nos esqueçamos de esquecer é certo que a recordação nos esquece obedecer cegamente deixa cego crescemos somente na ousadia só quando transgrido alguma ordem o futuro se torna respirável todo mandato é minucioso e cruel eu gosto das frugais transgressões Mario Benedetti, trad. Astolfo Lima Sandy
¶ 10 de Dezembro de 2008
Roda em torno o bafo do nome, e o homem está como um fole a prumo sob o arco da língua. Outras vezes é uma vara fincada ao centro. Abre a ideia, sustenta o fogo nas mãos, arde ao meio como um ofício puro. Jorge Melícias
¶ 9 de Dezembro de 2008
In the long journey out of the self, There are many detours, washed-out interrupted raw places Where the shale slides dangerously And the back wheels hang almost over the edge At the sudden veering, the moment of turning. Better to hug close, wary of rubble and falling stones. The arroyo cracking the road, the wind-bitten buttes, the canyons, Creeks swollen in midsummer from the flash-flood roaring into the narrow valley. Reeds beaten flat by wind and rain, Grey from the long winter, burnt at the base in late summer. -- Or the path narrowing, Winding upward toward the stream with its sharp stones, The upland of alder and birchtrees, Through the swamp alive with quicksand, The way blocked at last by a fallen fir-tree, The thickets darkening, The ravines ugly. Theodore Roethke
¶ 9 de Dezembro de 2008
It's all I have to bring today— This, and my heart beside— This, and my heart, and all the fields— And all the meadows wide— Be sure you count—should I forget Some one the sum could tell— This, and my heart, and all the Bees Which in the Clover dwell. Emily Dickinson
¶ 9 de Dezembro de 2008
a paleta dramática de Doménikos Theotokópoulos, na viragem para o século XVII
¶ 9 de Dezembro de 2008
O equilíbrio sustenta a família. O filho maior envelhecido e a mulher cabisbaixa (olha o chão onde pisa a solidão). O filho do meio na correnteza juvenil do esforço e a filha menor representa fadas em teatros escolares. O equilíbrio sustenta em bambas cordas. Os cordéis acionados. Pedro Du Bois
¶ 7 de Dezembro de 2008
Um corpo mais pequeno que uma lasca de pedra defrontando o vazio infinito desenrola de um coração apertado sedoso fio que de outro modo se não concebe nem pelo Sol majestoso. Sem confusão costura o vazio de onde emerge uma teia magnífica. Ressoa no seu frémito o som primitivo de uma viola. Asas de prata presas esvoaçam no Sol do meio-dia. Onde vos perdestes? Nesta terra onde rosas e criaturinhas brincam testemunho Deus. Moon Chung-hee, trad. Wolhee Choe e Robert E. Hawks
¶ 7 de Dezembro de 2008
visto esta tarde, no Museu do Prado, em excelente companhia
¶ 7 de Dezembro de 2008
Blue and dark-blue rose and deepest rose white and pink they are everywhere in the diligent cornfield rising and swaying in their reliable finery in the little fling of their bodies their gear and tackle all caught up in the cornstalks. The reaper's story is the story of endless work of work careful and heavy but the reaper cannot separate them out there they are in the story of his life bright random useless year after year taken with the serious tons weeds without value humorous beautiful weeds. Mary Oliver
¶ 7 de Dezembro de 2008
(gentileza de Amélia Pais) depois da Sandra partir em conversas casuais até com estranhos era obrigado a responder a perguntas como o que vais fazer lá para cima porque te deixou a tua namorada porque não arranjou aqui trabalho não poderia fazer uso do seu diploma a vida é boa lá em cima independentemente de quem fosse eu repetia sempre as mesmas respostas quando me disseram que também iriam se ao menos tivessem a oportunidade que a situação aqui é terrível que daqui a um ano ou dois isto será como o Chile eu pegava no meu copo ou chávena e começava a deslizá-lo em cima da mesa então ficávamos em silêncio durante algum tempo á espera que algo acontecesse quando me encontrava com eles mais tarde na vila eles punham-me a mão no ombro e diziam ainda aqui estás quando é que partes como está a tua namorada Bojan Radašinovi?, versão (do Inglês) de Manuel A. Domingos
¶ 7 de Dezembro de 2008
A la desierta plaza conduce un laberinto de callejas. A un lado, el viejo paredón sombrío de una ruinosa iglesia; a otro lado, la tapia blanquecina de un huerto de cipreses y palmeras, y, frente a mí, la casa, y en la casa la reja ante el cristal que levemente empaña su figurilla plácida y risueña. Me apartaré. No quiero llamar a tu ventana... Primavera viene ?su veste blanca flota en el aire de la plaza muerta?; viene a encender las rosas rojas de tus rosales... Quiero verla... Antonio Machado
¶ 5 de Dezembro de 2008
1 Times in the morning early when it rained and the long gray buildings came forward from darkness offering their windows for light. 2 Evenings out there on the plains when sunset donated farms that yearned so far to the west that the world centered there and bowed down. 3 A teacher at a country school walking home past a great marsh where ducks came gliding in -- she saw the boy out hunting and waved. 4 Silence on a hill where the path ended and then the forest below moving in one long whisper as evening touched the leaves. 5 Shelter in winter that day -- a storm coming, but in the lee of an island in a cover with friends -- oh, little bright cup of sun. Mary Oliver
¶ 5 de Dezembro de 2008
Se negarmos as coisas que nos são penosas, não se vão embora. Apenas nos escondemos delas. Robert Wilson, in O cego de Sevilha, trad. Ana Cardoso Pires e Pedro Pla.
¶ 5 de Dezembro de 2008
tomada pela luz a sala destaca as vozes que se calam o manto elétrico eterniza o espanto o silêncio é a regra amedrontada da cegueira o tato identifica a porta fechada. Pedro Du Bois
¶ 4 de Dezembro de 2008
Alone, we are alone as far down as the sediment Were it not for the visits of the rainbows. Mahmoud Darwish
¶ 4 de Dezembro de 2008
Levanto-me da cama com gestos semelhantes aos golpes de asa de um corvo rápido. Levanto-me para saudar o dia, Uá, uá! Minha face afasta-se das trevas da noite e olha para a aurora que se abre. poema esquimó, versão de Herberto Helder
¶ 3 de Dezembro de 2008
The host, he says that all is well And the fire-wood glow is bright; The food has a warm and tempting smell,— But on the window licks the night. Pile on the logs... Give me your hands, Friends! No,— it is not fright... But hold me... somewhere I heard demands... And on the window licks the night. Hart Crane
¶ 3 de Dezembro de 2008
Dear love, as simple as some distant evil we walk a little drunk up these three flughts where you tacked a Dufy print above your army cot. The thin apartment doors on the way up will not tell us. We are saying, we have our rights and let them see the sandwiches and wine we bought for we do not explain my husband's insane abuse and we do not say why your wild-haired wife has fled or that my father opened like a walnut and then was dead. Your palms fold over me like knees. Love is the only use. Both a little drunk in the afternoon with the forgotten smart of August on our skin we hold hands as if we were still children who trudge up the wooden tower, on up past that close platoon of doors, past the dear old man who always asks us in and the one who sews like a wasp and will not budge. Climbing the dark halls, I ignore their papers and pails, the twelve coats of rubbish of someone else's dim life. Tell them need is an excuse for love. Tell them need prevails. Tell them I remake and smooth your bed and am your wife. Anne Sexton
¶ 3 de Dezembro de 2008
Desfaleço em abandono: o ruído da rua cerca a casa. O horror de ser encontrado junto à janela espia o espírito recolhido em esquecimentos. Devia ter ido embora: o suceder dos passos ressoam pedras repisadas. Pedro Du Bois
¶ 2 de Dezembro de 2008
(gentileza de Amélia Pais) que faria sem este mundo sem rosto sem perguntas onde ser dura apenas um instante onde cada instante verte para o vazio o esquecimento de ter sido sem esta onda onde no final corpo e sombra juntos se devoram que faria sem este silêncio sorvedouro dos murmúrios que anelam frenéticos por socorro por amor sem este céu que se ergue sobre a poeira do seu lastro que faria faria o que fiz ontem o que fiz hoje espreitar do meu postigo para ver se não estou só a dar voltas e voltas longe de toda a vida num espaço fantoche sem voz no meio das vozes encerradas comigo Samuel Beckett
¶ 2 de Dezembro de 2008
If you don't know the kind of person I am and I don't know the kind of person you are a pattern that others made may prevail in the world and following the wrong god home we may miss our star. For there is many a small betrayal in the mind, a shrug that lets the fragile sequence break sending with shouts the horrible errors of childhood storming out to play through the broken dyke. And as elephants parade holding each elephant's tail, but if one wanders the circus won't find the park, I call it cruel and maybe the root of all cruelty to know what occurs but not recognize the fact. And so I appeal to a voice, to something shadowy, a remote important region in all who talk: though we could fool each other, we should consider-- lest the parade of our mutual life get lost in the dark. For it is important that awake people be awake, or a breaking line may discourage them back to sleep; the signals we give--yes or no, or maybe-- should be clear: the darkness around us is deep. William Stafford
¶ 1 de Dezembro de 2008
Estou aqui desprovido de amigos conhecidos e companheiros o vulto acompanha meus passos sombra de outros tempos em minha terra acompanho o silêncio com que me levam ao encontro a pedra a serpente a sereia apenas a realidade entrevista o bastante para o pranto o peregrino aprisionado pássaro em areias charcos florestas a prisão se fecha em si mesma dos meus pecados o estranho personagem aproximado aos poucos na cautela dos passos lentos reconheço a face entendo a linguagem sei que o pior passou agora é a hora da chegada irreconhecível ser de outras eras não tinha razões para voltar ao ninho nem pedir que o regresso seja recebido em festas o irmão que me acolhe sabe das bolhas em meus pés e dos piolhos entre os cabelos ralos mal enxergo o futuro em privações passadas malgrado o fato de estar de volta me revolto por ter voltado meu gesto o desespero e a raiva a sujeira retornada o passado esquecido reaquecido em frágil pessoa assomada à porta esqueço o tormento no único instante em que penso enxergar o corpo outro é o corpo na entrada de quem foi embora em tempos piores a serpente sibila segredos e a pedra amassa sua cabeça não mentira suas verdades a pele retirada na oferenda aos deuses quero mais que o regresso o retorno ao tempo passado o espaço e o tempo recuperados no soluço reconheço a perda as perdas detalhadas e o peregrino se liberta em choros e provações diversas nenhum paraíso permite o reencontro entre os que partiram na bruma e na chuva retornam a lama dificulta o caminho e marca os pés indefinidamente o estranho retorna ante os olhos atônitos dos que ficaram. Pedro Du Bois
¶ 1 de Dezembro de 2008
Shakespearean fish swam the sea, far away from land; Romantic fish swam in nets coming to the hand; What are all those fish that lie gasping on the strand? William Butler Yeats
¶ 1 de Dezembro de 2008
And some time make the time to drive out west Into County Clare, along the Flaggy Shore, In September or October, when the wind And the light are working off each other So that the ocean on one side is wild With foam and glitter, and inland among stones The surface of a slate-grey lake is lit By the earthed lightening of flock of swans, Their feathers roughed and ruffling, white on white, Their fully-grown headstrong-looking heads Tucked or cresting or busy underwater. Useless to think you'll park or capture it More thoroughly.You are neither here nor there, A hurry through which known and strange things pass As big soft buffetings come at the car sideways And catch the heart off guard and blow it open Seamus Heaney