Modus vivendi

"bene senescere sine timore nec spe"

blogue de Ana Roque

Arquivo de novembro 2008


30 de Novembro de 2008

je suis seul

je parle de qui parle qui parle je suis seul je ne suis qu'un petit bruit j'ai plusieurs bruits en moi un bruit glacé froissé au carrefour jeté sur le trottoir humide aux pieds des hommes pressés courant avec leurs morts autour de la mort qui étend ses bras sur le cadran de l'heure seule vivante au soleil. Tristan Tzara, in L'Homme approximatif


30 de Novembro de 2008

Miró

Tzara.Miro.Parlerseul.2.jpg Tristan Tzara (Samuel ou Samy Rosenstock, conhecido também como S. Samyro) inspirou ao pintor a série Parler seul


30 de Novembro de 2008

Intensidades

cessam em ferida as nossas bocas as nossas bocas evaporadas luzem arrastando os despojos do amor descarnado na névoa do tule da tarde teu corpo como um deserto treme pensativo agreste profanação de sombras seculares onde desabrido geme inútil o meu corpo ignorado cujos olhos sepultam flores silvestres no vasto caminho da alma dos outros... o vento sublime pelas nossas bocas evaporadas vai subindo graciosa carícia de água que adormece o consolo somos felizes somos loucos! onde ondeia a força que nos separa? no compasso astral! canto agora ensandecido a tua boca regato do meu ser bem firme sopro húmido da aurora é deus o novo outrora que perfuma a lama da eternidade ilusão da maré destas bocas revoltadas exaustas que arrebatam o pecado nunca amaram as bocas geladas que se afastam evaporadas no ocaso primaveril da luz do teu peito redondo onde antes entrara escuro o último raio de sol quando mortas repetirem este gesto as nossas bocas na lonjura intemporal gigante encostadas às rochas da fome terna onde aprendemos a sentir a extensão diluída do que fomos os lábios que te peço lembram o arder do fogo que curioso adormece na vigília da noite com a amarga ânsia roubada aos beijos inextinguíveis das bocas de néctar evaporadas Henrique Levy


30 de Novembro de 2008

Da exaustão

Era um cansaço que nunca experimentara antes. Uma profunda fadiga estrutural, como uma ponte antiga que tivesse sustentado várias eras de trânsito e aguentado com imparáveis toneladas de água. Robert Wilson, in O cego de Sevilha, trad. Ana Cardoso Pires e Pedro Pla.


30 de Novembro de 2008

Places Among The Stars

Places among the stars, Soft gardens near the sun, Keep your distant beauty; Shed no beams upon my weak heart. Since she is here In a place of blackness, Not your golden days Nor your silver nights Can call me to you. Since she is here In a place of blackness, Here I stay and wait Stephen Crane


29 de Novembro de 2008

Ossip Zadkine

ossip%20zadkine.jpg o som visível


29 de Novembro de 2008

There Was A Land Where Lived No Violets

There was a land where lived no violets. A traveller at once demanded : "Why?" The people told him: "Once the violets of this place spoke thus: 'Until some woman freely gives her lover To another woman We will fight in bloody scuffle.'" Sadly the people added: "There are no violets here." Stephen Crane


29 de Novembro de 2008

Monólogo

Bajo las rotas columnas, entre la nada y el sueño, cruzan mis horas insomnes las sílabas de tu nombre. Tu largo pelo rojizo, relámpago del verano, vibra con dulce violencia en la espalda de la noche. Corriente oscura del sueño que mana entre rüinas y te construye de nada: amargas trenzas, olvido, húmeda costa nocturna donde se tiende y golpea un mar sonámbulo, ciego. Octavio Paz


29 de Novembro de 2008

Bilbau

bilbao600.jpg ou a luz mais a norte


28 de Novembro de 2008

El alma en los labios

Cuando de nuestro amor la llama apasionada, dentro de tu pecho amante contemples extinguida, ya que sólo por ti la vida me es amada, el día en que me faltes me arrancaré la vida. Porque mi pensamiento lleno de este cariño, que en una hora feliz me hiciera esclavo tuyo, lejos de tus pupilas es triste como un niño, que se duerme soñando en tu acento de arrullo. Para envolverte en besos quisiera ser el viento, y quisiera ser todo lo que tu mano toca; ser tu sonrisa, ser hasta tu mismo aliento, para poder estar más cerca de tu boca. Vivo de tu palabra y eternamente espero, llamarte mía como quien espera un tesoro. Lejos de ti comprendo lo mucho que te quiero, y besando tus cartas ingenuamente lloro. Perdona que no tenga palabras con que pueda, decirte la inefable pasión que me devora; para expresar mi amor solamente me queda, rasgarme el pecho, Amada, y en tus manos de seda, dejar mi palpitante corazón que te adora. Medardo Angel Silva


28 de Novembro de 2008

Bricklayer Love

I thought of killing myself because I am only a bricklayer and you a woman who loves the man who runs a drug store. I don't care like I used to; I lay bricks straighter than I used to and I sing slower handling the trowel afternoons. When the sun is in my eyes and the ladders are shaky and the mortar boards go wrong, I think of you. Carl Sandburg


27 de Novembro de 2008

Pintura Mughal

mughal_emperor_shahjahan_mg51.jpg Shah Jahan à conquista do mundo, ou da inspiração


27 de Novembro de 2008

Neste outono

Neste outono, as pedras agasalham-se no cobertor do musgo; e o barro bebe a água; e o vento viaja rente aos muros. Mas eu, sem ti, deito-me gelada sobre a cama e digo palavras que queimam a boca por dentro ? amor, saudade, o teu nome e os nomes das coisas que tocaste (e sobre as quais deixo crescer o pó, para que os dias não se decalquem sempre de outros dias). Fecho os olhos depois sobre a almofada e vejo o rosto branco da casa desenhar-se à medida da tua ausência: as janelas abrem-se para a solidão dos becos e há um farrapo de luz sobre a porta a que ninguém virá bater. pergunto-me onde anda a tua sombra quando aqui não estás. E tenho medo. São estes os solavancos de uma ida pequena ? bordar uma toalha para logo a manchar de vinho, sentir a ferida na distância do punhal, viver à espera de uma dor que há-de chegar. Maria do Rosário Pedreira


27 de Novembro de 2008

Mundos sedentários

A água renovada ao pote escorrida em paredes manchadas roupas encharcadas horas de esquecer o barulho e o brilho o líquido bebido sorvido em goles de alvorecer sobre os ares o pássaro pára suas asas há sede em seu corpo a água negada ao peregrino escorre pela fresta onde anoitecem mundos sedentários. Pedro Du Bois


27 de Novembro de 2008

Frei Carlos

frei%20carlos.jpg imagem da resignação impossível


27 de Novembro de 2008

reparaste no século?

(gentileza de Amélia Pais) sucintamente, para José Craveirinha Não sei se descrevo correctamente a raiz do teu nariz. Antes que tantos partiu ela do cheiro que só os sábios visitam quando intuem a bebedeira das balas e a rota da sua condição. Realmente sem epitáfio o teu planetário mafalense. Em resumo: reparaste no século? Quando te viu passar tirou o chapéu. Carlos Cardoso


26 de Novembro de 2008

Bárbaros

Vinham de longe, arrastados pelos ventos, e escondiam nas mãos um punhado de areia fina para não esquecerem o cheiro dos desertos. Subiram à montanha e, com um ramo quebrado, puseram-se a riscar o contorno do lago e os caminhos tortuosos das primeiras margens. A água fascinava-os, como aos cavalos que traziam alados e sem crinas para chegarem sempre mais cedo. Nessa noite acamparam no vale. Assaram um veado. Beberam às mulheres que haveriam de ter. E adormeceram mais longe do céu. Sonharam com o fogo para não terem de cortar o trigo. De manhã, a planície estava ainda mais plana. Maria do Rosário Pedreira


26 de Novembro de 2008

Your Book

Strangers came into the apartment walked right to the bookshelf to spill beer on your book. Your book on a hook dangling off the roof attracted a white horse to the door. Your book emitted physical waves into the air, drying my hair. You climbed a tree to write your book where you wouldn't be seen. There was no tree there until you made it. The shimmering leaves seemed to be powered by light. The tree shuffled this light onto strings. The strings hung from the air. The printers sewed your book together with them. Matthew Rohrer


25 de Novembro de 2008

Toulouse-Lautrec

H.%20Toulouse-Lautrec.jpg perfil nocturno


25 de Novembro de 2008

Espelho

Sou prateado e exacto. Não tenho preconceitos. Tudo o que vejo engulo imediatamente Do jeito que for, desembaçado de amor ou aversão. Não sou cruel, apenasverdadeiro - O olho de um pequeno deus, de quatro cantos. Na maior parte do tempo medito sobre a parede em frente. Ela é rosa, pontilhada. Já olhei para ela tanto tempo, Eu acho que ela é parte do meu coração. Mas ela oscila. Rostos e escuridão nos separam toda hora. Agora sou um lago. Uma mulher se dobra sobre mim, Buscando na minha superfície o que ela realmente é. Então ela se vira para aquelas mentirosas, as velas ou a lua. Vejo suas costas, e as reflicto fielmente. Ela me recompensa com lágrimas e um agitar das mãos. Sou importante para ela. Ela vem e vai. A cada manhã é o seu rosto que substitui a escuridão. Em mim ela afogou uma menina, e em mim uma velha Se ergue em direcção a ela dia após dia, como um peixe terrível. Sylvia Plath, trad. de André Cardoso


25 de Novembro de 2008

Alguns silêncios

Guardava alguns silêncios e também as coisas que não dissera por acaso. Guardava agora também esses acasos, brancos recados entre as palavras que lhe sobravam nas gavetas. E ainda assim guardaria para sempre essas palavras, ou a imagem de lábios a dizê-las ? um rosto ainda sem ser triste lembrando o verão. Teria aguardado esse verão, o cheiro quente dos morangos à beira os dedos. E tê-lo-ia sobretudo guardado, como guardava agora, sem nunca o ter ouvido, o som das espigas, na planície, à passagem do vento. Mas agora só podia aguardar a passagem do tempo sem palavras; ou um vento de feição, um acaso que tudo justificasse. E no silêncio em que se ia guardando buscava apenas um lugar mais sereno para as memórias. Maria do Rosário Pedreira


25 de Novembro de 2008

Índice

Como um livro Folheei o teu corpo como um livro à procura da tua alma : encontrei-a no índice. Albano Martins


25 de Novembro de 2008

Carl Rotky

Carl%20Rotky.jpg a uma luz de inverno


25 de Novembro de 2008

Alegoria

De poetas e filósofos tu sabes, sabes também por ti. Por isso eu digo: esta pedra é vermelha, esta pedra é sangue. Toca-lhe: saberás como em segredo florescem as acácias ao redor dos muros, como fluem suas concêntricas artérias. Acaricia-as: tocas a parte mais sensível de ti mesmo. Dizias ontem que o verão ardia nesta pedra. Nela queimavas tuas mãos. Onde as aqueces hoje? Eu digo: o verão não morreu, esta pedra é o verão. E tudo permanece. E tudo é teu. Tu és o sangue, o verão e a pedra. Albano Martins


24 de Novembro de 2008

Melancholia

the history of melancholia includes all of us. me, I writhe in dirty sheets while staring at blue walls and nothing. I have gotten so used to melancholia that I greet it like an old friend. I will now do 15 minutes of grieving for the lost redhead, I tell the gods. I do it and feel quite bad quite sad, then I rise CLEANSED even though nothing is solved. that's what I get for kicking religion in the ass. I should have kicked the redhead in the ass where her brains and her bread and butter are at ... but, no, I've felt sad about everything: the lost redhead was just another smash in a lifelong loss ... I listen to drums on the radio now and grin. there is something wrong with me besides melancholia. Charles Bukowski


24 de Novembro de 2008

Uma coisa é a letra

(gentileza de Amélia Pais) Não basta um grande amor para fazer poemas. E o amor dos artistas, não se enganem, não é mais belo que o amor da gente. O grande amante é aquele que silente se aplica a escrever com o corpo o que seu corpo deseja e sente. Uma coisa é a letra, e outra o ato, ­ quem toma uma por outra confunde e mente. Affonso Romano de Sant’Anna


24 de Novembro de 2008

Miró

miro-joan.jpg saudades do mar


24 de Novembro de 2008

Quatro Novembros

Em que idioma te direi este amor sem nome que é servo e rei? Como o direi? Como o calarei? É como se a noite se molhasse repentinamente, quando choras. É como se o dia se demorasse, quando te espero e tu te demoras. Albano Martins


24 de Novembro de 2008

Planeta vermelho

o planeta se avermelha em pólos a desaguar mares sobre minhas casas Pedro Du Bois


23 de Novembro de 2008

A mão ao assinar este papel

A mão ao assinar este papel arrasou uma cidade; cinco dedos soberanos lançaram a sua taxa sobre a respiração; duplicaram o globo dos mortos e reduziram a metade um país; estes cinco reis levaram a morte a um rei. A mão soberana chega até um ombro descaído e as articulações dos dedos ficaram imobilizadas pelo gesso; uma pena de ganso serviu para pôr fim à morte que pôs fim às palavras. A mão ao assinar o tratado fez nascer a febre, e cresceu a fome, e todas as pragas vieram; maior se torna a mão que estende o seu domínio sobre o homem por ter escrito um nome. Os cinco reis contam os mortos mas não acalmam a ferida que está cicatrizada, nem acariciam a fronte; há mãos que governam a piedade como outras o céu; mas nenhuma delas tem lágrimas para derramar. Dylan Thomas, trad. Fernando Guimarães


23 de Novembro de 2008

O caminho à vista

caminho.jpg foto de G.& F.


23 de Novembro de 2008

A Configuração do Acaso

A noite acontece na escuridão do quarto: o medo cede ao sono o sonho arrebata o menino ao lado avesso dos fatos. O ressurgir do tempo na iluminação forçada do acordar sobressaltado. Sorri a cena do esquecimento ao colocar o travesseiro sobre a cabeça: as mãos procuram a eventualidade do acaso: o lençol cobre a vergonha de estar com medo. Pedro Du Bois


23 de Novembro de 2008

sobre o teu silêncio

Esta noite o vento ceifa os bosques e uma raiva sacode a terra. se a voz do mar chamasse pelas velas, os estreitos aguardariam um naufrágio. E se dissesses o meu nome eu morreria de amor. Devo, por isso, afastar-me de ti ? não por ter medo de morrer (que é de já não o ter que tenho medo), mas porque a chuva que devora as esquinas é a única canção que se ouve esta noite sobre o teu silêncio. Maria do Rosário Pedreira


23 de Novembro de 2008

À flor do olhar

alcachofra.jpg foto de G.& F.


23 de Novembro de 2008

Inconveniência

Se fosse um pouco menos inteligente, poderia enganar-me a mim mesmo, pensando que era melhor do que sou. Edward Docx, in A Verdade, trad. Beatriz Sequeira


23 de Novembro de 2008

Espinho

Espinho - áspero trajeto ? rasga o caminho evita a minha volta Pedro du Bois


23 de Novembro de 2008

George Hoyningen-Huene

artwork_images_george-hoyningen-huene.jpg linha do horizonte


23 de Novembro de 2008

Agora

Agora que morri de um amor incurável já não consigo lembrar o que doeu. Olho o meu corpo estendido sobre a ama e dou comigo a descrever a sua geografia com o rigor invejável de um compêndio ? mas como alguém que apenas conhecesse o mundo pelos mapas. A morte separa-nos da dor e da sua memória ? se dobrares neste instante o ângulo do corredor que conduz ao meu quarto, decerto saberei o teu nome e os nomes das flores que me trouxeres ? mas já terei esquecido o desencanto de não as ter recebido noutro tempo, quando morrer de amor não tinha ainda perdido o efémero estatuto de metáfora. Maria do Rosário Pedreira


23 de Novembro de 2008

Saudades de Melquisedeque

Esta manhã gostaria de ter dado ontem um grande passeio àquela praia onde ontem por sinal passei o dia É difícil a vida dos homens senhor Os anjos tinham outras possibilidades e alguns deles foi o que tu sabes Esta terra não está feita para nós Mesmo que ela fosse diferente nós quereríamos talvez outra terra talvez esta de que agora dispomos Não achas meu senhor que temos braços a mais dias a mais complicações a mais? Pra nascer e morrer seria necessário tanto? Falhamos tantas vezes (Como os judeus que juraram não comer nem beber até matar paulo e apesar disso não o mataram) É difícil a vida difícil a morte. Por vezes os homens juntam-se todos ou quase todos e organizam grandes manifestações. Mas nada disso os dispensa da grande solidão da morte de termos de morrer cada um por nossa conta Todos tivemos pai e mãe nenhum de nós que eu saiba veio de salém Ruy Belo


22 de Novembro de 2008

Miró

miro-garden.jpg jardim para um sábado


22 de Novembro de 2008

Devagar

nada entre nós tem o nome da pressa. conhecemo-nos assim, devagar, o cuidado traçou os seus próprios labirintos. sobre a pele é sempre a primeira vez que os gestos acontecem. porém, se se abrir uma porta para o verão, vemos as mesmas coisas – o que fica para além da planície e da falésia; a ilha, um rebanho, um barco à espera de partir, uma palavra que nunca escreveremos. entre nós o tempo desenha-se assim, devagar. daríamos sempre pelo mais pequeno engano. Maria do Rosário Pedreira


21 de Novembro de 2008

Lee Miller

Lee_Miller_1929_jpg.jpg en garde


21 de Novembro de 2008

Nada consta

Falta-me a folha cinco E entretanto a barba foi crescendo a minha barba veio crescendo ferozmente indiferente à morte de um ou outro amigo às letras protestadas aos desgostos domésticos às viagens lunares às convenções às lutas Quando as coisas se erguem contra o homem se eriçam agressivas contra ele nem ao poeta basta o parapeito das palavras Eu por exemplo homem de pouco tempo trazido pelos dias aqui estou Continuo a dizer: se alguma coisa há que podias perder e ainda não perdeste de que já a perdeste podes estar certo Falta-me a folha cinco Estou com a barba feita Ainda este ano talvez em marienbad eu vi mulheres curtidas pelos lutos Mal de morte é o meu em plena posição de pé às três da tarde em meio do movimento do rossio sentado à tarde no cinema em dias de semana Já caem carnes já se perdem pêlos já quase só me resta a devoção lisboa certos dias um amigo às vezes Poucas coisas importantes pensei durante a vida uma mesa de sol em pleno inverno um mar incontroverso alguns papéis - continua a faltar-me a folha cinco - pois apesar de tudo nada consta Ruy Belo


21 de Novembro de 2008

On A Tree Fallen Across The Road

(To hear us talk) The tree the tempest with a crash of wood Throws down in front of us is not bar Our passage to our journey's end for good, But just to ask us who we think we are Insisting always on our own way so. She likes to halt us in our runner tracks, And make us get down in a foot of snow Debating what to do without an ax. And yet she knows obstruction is in vain: We will not be put off the final goal We have it hidden in us to attain, Not though we have to seize earth by the pole And, tired of aimless circling in one place, Steer straight off after something into space. Robert Frost


21 de Novembro de 2008

Pintura Mughal

426px-Shah_Jahan.jpg Shah Jahan, ou inspiração para ganhar o dia


21 de Novembro de 2008

The Young Housewife

At ten AM the young housewife moves about in negligee behind the wooden walls of her husband's house. I pass solitary in my car. Then again she comes to the curb to call the ice-man, fish-man, and stands shy, uncorseted, tucking in stray ends of hair, and I compare her to a fallen leaf. The noiseless wheels of my car rush with a crackling sound over dried leaves as I bow and pass smiling. William Carlos Williams


20 de Novembro de 2008

Meditação Anciã

Aqui eu fui feliz aqui fui terra aqui fui tudo quanto em mim se encerra aqui me senti bem aqui o vento veio aqui gostei de gente e tive mãe em cada árvore e até em cada folha aqui enchi o peito e mesmo até desfeito eu fui aquele que da vida vil se orgulha Aqui fiquei em tudo aquilo em que passei um avião um riso uns olhos uma luz eu fui aqui aquilo tudo até a que me opus Ruy Belo


20 de Novembro de 2008

Miró

Joan%20Miro%20-%20Hand%20Catching%20a%20Bird.jpg a mão em pleno voo


20 de Novembro de 2008

Sobre o Melhor dos Mundos

Porque sou ensinado duvido das palavras espreito pessoas e me escondo em verdades. Os fatos assumem faces impenetráveis: olhos e ouvidos. Bocas dizem orações mecanizadas. O silêncio me afasta ao abraço e no beijo rompo a face oferecida. O medo inoculado das necessidades e o horror da incógnita estampada. Pedro Du Bois


19 de Novembro de 2008

Nocturno

Deambulas pela noite como cão ao abandono enquanto num alto andar um homem cercado quer dormir e ficar acordado Nem só os cães esgravatam homens procuram batatas Vestida de noite a morte passeia entre automóveis vazios as órbitas espreitam nas janelas apagadas e vem com passos de ladrão ou sátiro António Borges Coelho


19 de Novembro de 2008

Movimento

Aberta estende reclama ternura Frágil de palma voltada Quando se fecha sobe no braço é arma apontada António Borges Coelho


19 de Novembro de 2008

Francesco di Giorgio

Francesco%20di%20Giorgio%20Martini_jpg.jpg renascimento na escola de Siena, no século XV.


19 de Novembro de 2008

Primaveras Românticas

O teu pé, subtil e breve, É como a visão doirada Que em sonhos roça, fugindo, A nossa fronte pesada: Todo o escuro se ilumina, Duma luz coada e branda, E voam as fantasias, Como aves, de cada banda: Assim, quando teus pés roçam A terra dura e sem cores, Sob a pisada, que a afaga, Às mil vem brotando as flores! Antero de Quental


18 de Novembro de 2008

Linha de Água

Folha-de-flandres líquida pinga das árvores dos milhos trepa pelos pés arrefece as pernas e as virilhas António Borges Coelho


18 de Novembro de 2008

Ascensão

the_Ascension%20riches%20heures.jpg iluminar a noite


18 de Novembro de 2008

Como As Espigas

Finalmente (embora saibas que não há nem fim nem princípio): deves dizer ainda que há uma rosa de espuma no teu peito e que o seu perfume não se esgota. E que lá também existe uma fonte onde bebem as flores silvestres. Mas não humildes, como ias chamar-lhes: altas como as espigas do vento, que no vento se esquecem e que no vento amadurecem. Albano Martins


18 de Novembro de 2008

Told

The air lay soffly on the green fur of the almond, it was April and I said, I begin again but my hands burned in the damp earth the light ran between my fingers a black light like no other this was not home, the linnet settling on the oleander the green pod swelling the leaf slowly untwisting the slashed egg fallen from the nest the tongue of grass tasting I was being told by a pulse slowing in the eyes the dove mourning in shadow a nerve waking in the groin the distant hills turning their white heads away told by the clouds assembling in the trees, told by the blooming of a black mouth beneath the rose the worm sobbing, the dust settling on my eyelid, told by salt, by water, told and told. Philip Levine


18 de Novembro de 2008

Maluda

olh%C3%A3o%20maluda.jpg saudades daquela luz


17 de Novembro de 2008

A manutenção do nome (II)

Cada rio passante lava seu caminho ao rio jusante. Pedro Du Bois


17 de Novembro de 2008

As mãos

Tenho para te dar as mãos vazias e pouco mais, mas olha como são as minhas mãos, que outrora foram frias e hoje ardem ao calor da emoção de sentir como espantam as sombrias noites em que o negrume e a solidão eram a manta com que te cobrias. Torquato da Luz


17 de Novembro de 2008

Rafael

397px-Raffael_098.jpg da proporção


17 de Novembro de 2008

Mudez

Quando por fim voltares, traz no olhar a nesga de areal onde algum dia te encontrei entre a espuma e a maresia, passeando a surpresa de haver mar. Traz também nos cabelos o luar e deixa que o veneno da poesia nos envenene aos dois em sintonia, como exige o mistério do lugar. Talvez assim eu possa finalmente segredar-te as palavras que não soube dizer-te no momento em que te vi pela primeira vez e, de repente, o mundo foi tão grande que não coube na minha voz e logo emudeci. Torquato da Luz


17 de Novembro de 2008

A manutenção do nome

Todo rio nascente leva seu caminho ao rio passante Pedro Du Bois


16 de Novembro de 2008

Miró

Joan-Miro-Vuelo-de-pajaros-83993.jpg entre o dia e a noite


16 de Novembro de 2008

Admonitions To A Special Person II

Watch out for love (unless it is true, and every part of you says yes including the toes), it will wrap you up like a mummy, and your scream won't be heard and none of your running will end. Love? Be it man. Be it woman. It must be a wave you want to glide in on, give your body to it, give your laugh to it, give, when the gravelly sand takes you, your tears to the land. To love another is something like prayer and can't be planned, you just fall into its arms because your belief undoes your disbelief. Special person, if I were you I'd pay no attention to admonitions from me, made somewhat out of your words and somewhat out of mine. A collaboration. I do not believe a word I have said, except some, except I think of you like a young tree with pasted-on leaves and know you'll root and the real green thing will come. Let go. Let go. Oh special person, possible leaves, this typewriter likes you on the way to them, but wants to break crystal glasses in celebration, for you, when the dark crust is thrown off and you float all around like a happened balloon. Anne Sexton


16 de Novembro de 2008

Madison e Outros Lugares

Nova Iorque, 1984 Mando-te pelo correio a bagagem abstracta dos anos segue num selo maduro colado aos lábios pela mão de asas pátrias, as melhores para os voos baixos estão comigo a mãe convexa das origens atada a um excesso tímido na cama e um velho literal num berço enorme não consigo dormir o quarto todo saio de semana a domingo sem remédio por um fio suspenso da guilhotina urbana sobre migalhas de sons e luzes de que fazem hamburguers de sentido os edifícios conhecem-se ao longe como as ideias mobiladas e o império concentra-se nas portas estou ferido não longe do corpo pelo estilhaço de um orador de mármore. Boaventura de Sousa


16 de Novembro de 2008

George Hoyningen-Huene

lee_miller_b.jpg domingo em beleza, ou a imagem de Lee Miller, em 1930.


16 de Novembro de 2008

Admonitions To A Special Person

Watch out for power, for its avalanche can bury you, snow, snow, snow, smothering your mountain. Watch out for hate, it can open its mouth and you'll fling yourself out to eat off your leg, an instant leper. Watch out for friends, because when you betray them, as you will, they will bury their heads in the toilet and flush themselves away. Watch out for intellect, because it knows so much it knows nothing and leaves you hanging upside down, mouthing knowledge as your heart falls out of your mouth. Watch out for games, the actor's part, the speech planned, known, given, for they will give you away and you will stand like a naked little boy, pissing on your own child-bed. Anne Sexton


15 de Novembro de 2008

Postcards III

Outside the window they're building the damn hotel, nail by nail, someone's crumbling dream. A universe that includes you can't be all bad, but does it? At this distance you're a mirage, a glossy image fixed in the posture of the last time I saw you. Turn you over, there's the place for the address. Wish you were here. Love comes in waves like the ocean, a sickness which goes on & on, a hollow cave in the head, filling & pounding, a kicked ear. Margaret Atwood


15 de Novembro de 2008

Edward Steichen

Steichen_flatiron.jpg crepúsculo em tons de névoa


15 de Novembro de 2008

Postcards II

Time comes in waves here, a sickness, one day after the other rolling on; I move up, it's called awake, then down into the uneasy nights but never forward. The roosters crow for hours before dawn, and a prodded child howls & howls on the pocked road to school. In the hold with the baggage there are two prisoners, their heads shaved by bayonets, & ten crates of queasy chicks. Each spring there's race of cripples, from the store to the church. This is the sort of junk I carry with me; and a clipping about democracy from the local paper. Margaret Atwood


15 de Novembro de 2008

Rosas

Rosas miúdas: cores contra o azul. Era tão-somente o lençol. Mas que teu corpo nu, estendido por sob, supunha ser, imagino assim, a primavera. É o que explicaria, talvez, o modo ameno de os seios e tudo o mais respirarem como águas de um lago. Águas meio animais: mansos cães dormindo. Ou: caminhando. Devagar, por entre aléias. Eucanaã Ferraz


15 de Novembro de 2008

Pintura Mughal

410px-Shahjahan_on_globe.jpg Shah Jahan no topo do mundo, ou do lugar instável


15 de Novembro de 2008

Postcards

I'm thinking about you. What else can I say? The palm trees on the reverse are a delusion; so is the pink sand. What we have are the usual fractured coke bottles and the smell of backed-up drains, too sweet, like a mango on the verge of rot, which we have also. The air clear sweat, mosquitoes & their tracks; birds & elusive. Margaret Atwood


14 de Novembro de 2008

O Corpo Iluminado

Quantos em ti lagos e rios Quantos em ti os oceanos Água vermelha que aos ouvidos traz o aviso de nenhuns campos É bom sondarmos os abismos que nunca vão cicatrizando E ao som da água pressentirmos de onde provimos aonde vamos David Mourão-Ferreira


14 de Novembro de 2008

Matisse

matisse.jpg as cores desta manhã


14 de Novembro de 2008

Espaço para uma canção

As noites desmedidas de novembro abertas sobre a queixa rígida das árvores inauguram o outono sobre a terra Adeus ó meu verão impiedoso ó limpidez da água sobre as pedras ó inúmeros galos da manhã ó tempestade agreste de alegria É o país da música é a fome da noite impossível estar só razoável rapaz meu príncipe da própria juventude Nos cabelos de vento do mar morto do destino fundo antigo de água conchas e areias no centro solitário deste solo ante a solenidade sensual do sono eu olho os paralelipípedos do nada não me detenho nos umbrais das trevas caminho numa mesma direcção Onde o cheiro da esteva sobre a vila o trigo para o campo do olhar as estrelas abertas pelo céu? Ponho os pés sobre as folhas no asfalto espero por dezembro mês para morrer evoco a luz discreta das doenças de outrora Aqui os cisnes são da cor da cinza e o vento devasta o país dos pauis quando perto do chão a última cigarra anuncia a definitiva solidão Que é momentos puros de outra vida da luminosa luz como ferro em fusão do silêncio como a nossa melhor obra? Eu te saúdo outono punitivo sinal desse silêncio que me não permite desistir de cantar enquanto vivo Que o vento a névoa a folha e sobretudo o chão caibam dentro do espaço da minha canção Ruy Belo


13 de Novembro de 2008

No mundo tão concreto

(excerto) Deito-me e amo a mulher. E amo o amor na mulher. E na palavra, o amor. Amo com o amor do amor, não só a palavra, mas cada coisa que invade cada coisa que invade a palavra. E penso que sou total no minuto em que a mulher eternamente passa a mão da mulher no gato dentro da casa. No mundo tão concreto. Herberto Hélder


13 de Novembro de 2008

George Winkelmann

Georg%20Winkelmann.jpg nota matinal


13 de Novembro de 2008

Esta situação

E a senhora dos filhos e dos gritos e da malha não falha nenhum dia chega sempre à mesma hora Poderás ser feliz: basta mudar de esplanada mas acredita não resolve nada a mesma água vem na mesma calha e é tudo como antes para aquele que chora: a mudança é fatal até para a face mudada Já nela havia rugas e era fresca e corada A cara da senhora? Não. Mas espera, talvez o que eu disse estivesse já dito de vez E eu só amanhã me vou ontem embora Ruy Belo


12 de Novembro de 2008

Da afinidade

Somos parecidos com o que quisemos ser, Mantemos a afinidade com a imaginação. Só por sinceridade extrema não exageramos o preço da dor. Dormimos pesadamente porque nos dão abrigo E é no meio da podridão que reproduzimos a tristeza. Cada passo resiste ao tempo que nos é dado, Mas há outros melhores que nós Que traficam a bondade do mesmo modo Com que o medo coroa intenções sérias de sustento Nos locais propícios à simulação. As poucas palavras que dizemos São ainda construções de resistência, Actos solenes para a conquista de um pouco da fé Que traz a libertação do tempo imposto Com o qual nos recompensam pelo cansaço. É por não buscarmos o que nos salva ou Por não sabermos beber da secura dos lábios Que nos transportamos para fora dos campos Sujeitos à pequenez e à aparência de abundância Como seres que perderam a consciência do riso. Rui Almeida


12 de Novembro de 2008

Gloria Swanson

Gloria-Swanson.jpg densidade à flor dos olhos


12 de Novembro de 2008

The Slave's Dream

At night he heard the lion roar, And the hyena scream, And the river-horse, as he crushed the reeds Beside some hidden stream; And it passed, like a glorious roll of drums, Through the triumph of his dream. The forests, with their myriad tongues, Shouted of liberty; And the Blast of the Desert cried aloud, With a voice so wild and free, That he started in his sleep and smiled At their tempestuous glee. He did not feel the driver's whip, Nor the burning heat of day; For Death had illumined the Land of Sleep, And his lifeless body lay A worn-out fetter, that the soul Had broken and thrown away! Henry Wadsworth Longfellow


12 de Novembro de 2008

Cigana

A cigana arisca traceja vidas em riscos. As mãos dispostas ao contato dizem passados desconhecidos. Luzes iluminam caminhos fechados em mãos recolhidas. Pedro Du Bois


12 de Novembro de 2008

Miró

miro-joan-singing-fish-2104880.jpg peixe cantor, ou da improbabilidade


12 de Novembro de 2008

Te quiero

Te quiero. Te lo he dicho con el viento, jugueteando como animalillo en la arena o iracundo como órgano impetuoso; Te lo he dicho con el sol, que dora desnudos cuerpos juveniles y sonríe en todas las cosas inocentes; Te lo he dicho con las nubes, frentes melancólicas que sostienen el cielo, tristezas fugitivas; Te lo he dicho con las plantas, leves criaturas transparentes que se cubren de rubor repentino; Te lo he dicho con el agua, vida luminosa que vela un fondo de sombra; te lo he dicho con el miedo, te lo he dicho con la alegría, con el hastío, con las terribles palabras. Pero así no me basta: más allá de la vida, quiero decírtelo con la muerte; más allá del amor, quiero decírtelo con el olvido. Luis Cernuda


11 de Novembro de 2008

Gelo com flores

(excerto) Agora é tarde. Sobe para além da noite o nevoeiro habitado na comporta onde correm lamas e a ferrugem de todas as coisas abandonadas. Quando sorriste por entre os remos, a convulsão viscosa dos detritos cresceu em arbustos vermelhos com as bagas crepitando na sombra; e uma rede de pássaros invisíveis cantou para ninguém, nos cimos, na flutuação de chamas inesperadas Joaquim Manuel Magalhães


11 de Novembro de 2008

se o vento

se o vento é a ignição das árvores venha o temporal, elas ateadas sobre as nossas cabeças, desmembradas da terra como voadores desajeitados, meu pai já conheço o vão da tua fome, peço-te, faz de mim uma colher divina valter hugo mãe


11 de Novembro de 2008

John Piper

John%20Piper.jpg reflexo de outra luz


11 de Novembro de 2008

para vos engordar a alma

alguns ainda se iludem com adocicar o corpo, fazem-no em pânico ignorantes do fermento que é para a alma, ficam gordos preparados para serem despojados das carnes que inutilizaram, e já os junto à terra como se evadidos para o pó, a criarem esperanças parvas nos outros valter hugo mãe


11 de Novembro de 2008

Love

30 Cents, Two Transfers, Love Thinking hard about you I got on the bus and paid 30 cents car fare and asked the driver for two transfers before discovering that I was alone. Richard Brautigan


10 de Novembro de 2008

Man Ray

man_ray_lee_miller.jpg Lee Miller, ou suave é a noite


10 de Novembro de 2008

A small breath

Nothing would sleep in that cellar, dank as a ditch, Bulbs broke out of boxes hunting for chinks in the dark, Shoots dangled and drooped, Lolling obscenely from mildewed crates, Hung down long yellow evil necks, like tropical snakes. And what a congress of stinks! Roots ripe as old bait, Pulpy stems, rank, silo-rich, Leaf-mold, manure, lime, piled against slippery planks. Nothing would give up life: Even the dirt kept breathing a small breath. Theodore Roethke


10 de Novembro de 2008

Picabia

francis-picabia-idylle-1927.jpg idílio, pintado em 1927


10 de Novembro de 2008

Before The Game

Shut one eye then the other Peek into every corner of yourself See that there are no nails no thieves See that there are no cuckoo's eggs Shut then the other eye Squat and jump Jump high high high On top of yourself Fall then with all your weight Fall for days on end deep deep deep To the bottom of your abyss Who doesn't break into pieces Who remains whole gets up whole Plays Vasko Popa


10 de Novembro de 2008

Guarda a manhã

Guarda a manhã Tudo o mais se pode tresmalhar Porque tu és o meio da manhã O ponto mais alto da luz Em explosão Daniel Faria


9 de Novembro de 2008

Frei Carlos

freicarlos.jpg um olhar de apreensão


9 de Novembro de 2008

Canto-te

(excerto) Canto-tepara que tu definitivamente existas Canto o teu nome porque só as coisas cantadas realmente são e só o nome pronunciado inicia a mágica corrente Canto o teu nome como o homem fazia eclodir o fogo do atrito das pedras Canto o teu nome como o feiticeiro invoca a magia do remédio Canto o teu nome como um animal uiva de Como os animais pequenos bebem nos regatos depois das grandes feras Canto-te e tu definitivamente existes nos meus olhos Sempre abertos porque é sempree os meus olhos são os olhos da criança que nós somos sempre diante da imensidão do teu espaço Canto-te e os meus olhos sempre abertos são a pergunta instante pendente de eu te interrogar e interrogo as coisas em seu ser noctumo em seu estar sombriamente presentes na tua claridade obscura E como é sempre meus olhos abertos prescrutam-te símbolo de tudo o que me foge como apertar o ar dentro das mãos e querer agarrar-te oh substância Ana Hatherly


9 de Novembro de 2008

Caíram folhas brancas

Caíram folhas brancas nesta casa o soalho de chumbo e gasolina mais envelhece a perguntar o dia caíram no soalho bombas rápidas Ergo nos dedos ossos esmagados e fica o pó das folhas nas retinas mais velha faz-se a casa na planície despenharam-se nela aviões ávidos A pergunta da noite sobre os mortos vem das aves caídas e da terra passou o outono já a guerra é morta e desloca-se o vento para o norte a resposta da morte envolve a terra devolve ao chão as folhas e os ossos Gastão Cruz


9 de Novembro de 2008

André Rouveyre

Andre%20Rouveyre.jpg a linha dura


9 de Novembro de 2008

Há dias assim

There are days we live as if death were nowhere in the background; from joy to joy to joy, from wing to wing, from blossom to blossom to impossible blossom, to sweet impossible blossom. Li-Young Lee


8 de Novembro de 2008

Cansaço

Não me pisem, já não danço — o melhor que faço é quando descanso. Não me louvem, estou cansado — o melhor que escrevo é quando apago. Casimiro de Brito


8 de Novembro de 2008

Edward Steichen

swanson_steichen_01.jpg Gloria Swanson à transparência


8 de Novembro de 2008

A dark reality

Love, Hope, and Self-esteem, like clouds depart And come, for some uncertain moments lent. Man were immortal, and omnipotent, Didst thou, unknown and awful as thou art, Keep with thy glorious train firm state within his heart. Thou messgenger of sympathies, That wax and wane in lovers' eyes -- Thou -- that to human thought art nourishment, Like darkness to a dying flame! Depart not as thy shadow came, Depart not -- lest the grave should be, Like life and fear, a dark reality. Percy Bysshe Shelley


8 de Novembro de 2008

A arca azul

Não desisti de habitar a arca azul do antiquíssimo sossego do universo. A minha ascendência é o sol e uma montanha verde e a lisa ondulação do mar unânime. Há novecentas mil nebulosas espirais mas só o teu corpo é um arbusto que sangra e tem lábios eléctricos e perfuma as paredes. Aos confins tranquilos entre ilhas mar e montes vou buscar o veludo e o ouro da nostalgia. Deponho a minha cabeça frágil sobre as mãos de uma mulher de onde a chuva jorra pelos poros. Ó nascente clara e mais ardente do que o sangue, sorvo o cálice do teu sexo de orquídea incandescente! A minha vida é uma lenta pulsação sob o grande vinho da sombra, sob o sono do sol. Há bois lentos e profundos no meu corpo de um outono compacto e negro como um século. Com simultâneas estrelas nas têmporas e nas mãos a deusa da noite, sonâmbula, desliza. Ao rumor da folhagem e da areia escrevo o teu odor de sangue, a tua livre arquitectura. Prisioneiro de longínquas raízes ergo sobre a minha ferida uma torre vertical. Vislumbro uma luz incompreensível sobre os campos áridos das semanas. Elevo o canto profundo do meu corpo sob o arco das tuas pernas deslumbrantes. Escrevo como se escrevesse com os meus pulmões ou como se tocasse os teus joelhos planetários ou adormecesse languidamente no teu sexo. António Ramos Rosa


8 de Novembro de 2008

Freddy Wittop

Freddy%20Wittop.jpg a magia do detalhe


8 de Novembro de 2008

Relatos

(excerto) hoje chove e nem por isso entendo melhor a vida tida ao redor dos compromissos desaconselhados em premissas verdadeiras de parentes e conhecidos os amigos se retiram em pares amparados uns aos outros fossem as duplas paredes da caverna aberta à visitação pública antes de ser higienicamente tratada para que as doenças deixadas não se propaguem aos ventos e aos ares Pedro Du Bois


7 de Novembro de 2008

Agora escrevo

Agora escrevo, já estou cansado. Melhor seria continuar a olhar para as pessoas na rua. Ou para o mar. Ver quem vive e só depois cantar. Casimiro de Brito


7 de Novembro de 2008

Max Papart

papart1317.jpg o jogo da cor nesta Hommage a Van der Weyden


7 de Novembro de 2008

Sob o silêncio outro silêncio arde

Bem-aventurado seja o inferno que há na terra e o trabalho nos campos cada dia, e o gado nos redis que nos aguarda, e as aves que chegam dos confins dos desconhecidos lugares que manteremos na frágil proximidade dos segredos. A inocência inútil seja bem-aventurada quando além do caminho só existe um outro abismo, e água, e nada mais. Bem-aventurada seja a treva infinda, este travo na língua a desespero, este rastro de fumo que nos chega dos confins do deserto e seus oásis. Glorificada seja essa cabeça que insidiosamente foi degolada e o poder do Pai não protegeu da essência da infâmia e do esquecimento. Sob o silêncio outro silêncio arde. Glorificado seja o que comigo chora. Amadeu Baptista


7 de Novembro de 2008

Joseph Pennell

the_bay_newyorkpennell.jpg cidade cor da chuva quando ameaça ficar


7 de Novembro de 2008

My Friend, My Friend

Who will forgive me for the things I do? With no special legend of God to refer to, With my calm white pedigree, my yankee kin, I think it would be better to be a Jew. I forgive you for what you did not do. I am impossibly quilty. Unlike you, My Friend, I can not blame my origin With no special legend or God to refer to. They wear The Crucifix as they are meant to do. Why do their little crosses trouble you? The effigies that I have made are genuine, (I think it would be better to be a Jew). Watching my mother slowly die I knew My first release. I wish some ancient bugaboo Followed me. But my sin is always my sin. With no special legend or God to refer to. Who will forgive me for the things I do? To have your reasonable hurt to belong to Might ease my trouble like liquor or aspirin. I think it would be better to be a Jew. And if I lie, I lie because I love you, Because I am bothered by the things I do, Because your hurt invades my calm white skin: With no special legend or God to refer to, I think it would be better to be a Jew. Anne Sexton


6 de Novembro de 2008

Theophile Alexandre Steinlen

Alexandra%20Theophile%20Steinlen.jpg noite em estilo Art Nouveau


6 de Novembro de 2008

Culpa sem tempo

Não se sequestra o mar, como se sequestra o céu? Línguas de fogo erguem-se sobre as cabeças, esta ceia sacia-nos, como se sequestra a fome do mundo? Esta é a noite ilegítima, em que a insónia contempla uma culpa sem tempo, esta culpa perdida. Como se sequestra a luz que há no espírito, a dor pela treva irremissível? Amadeu Baptista


6 de Novembro de 2008

Celebração

Assim pudesse acender-me antes de cair na parca planície do silêncio nas águas seladas de quem amo por quem ardo e morro assim eu soubesse cantar o mar o riso a imensa gota de orvalho e nela me lavo da lama dos armazéns assim eu pudesse resumir a música toda nesta obscura celebração do pó. Casimiro de Brito


6 de Novembro de 2008

Max Papart

max%20papart.jpg cavalo e cavaleiro prontos para a jornada


6 de Novembro de 2008

Botões cor-de-rosa

O armário onde guardo os botões cor-de-rosa fica neste lado da casa, coloquei-os dentro de um boião azul e sempre que os vou procurar encontro coisas de outra cor, quer dizer, encontro botões com outras tonalidades que nada têm a ver com o azul ou com a cor rosa, mas antes com a cor que tem um prado meia hora antes de amanhecer, ou com um rio que se esqueceu de adormecer depois da hora combinada, exactamente dois minutos antes da meia-noite. Por esta razão a minha mãe desistiu de me ensinar os tons do arco-íris e diz que sempre que eu quiser aprender as cores devo ir procurar no relógio de pulso do meu pai que, como toda a gente sabe, nunca se atrasa nem nunca se adianta. Amadeu Baptista


5 de Novembro de 2008

Da afeição às sombras

a afeição às sombras é como o tempo em que a vigília se prolonga algo exaspera intimamente e desce ao corpo para aproximar a vida ao itinerário da pedra com o rastilho que o homem há-de acender para que a chuva de estrelas inicie a suavidade e o acolhimento e a amazona venha a esta praia onde as marés se enchem de fascínio e o silêncio pulsa carregado de emoções que a memória envolve em bruma e em brancura para ressuscitar os ecos e na luz despertar as palavras da solidão do mundo - Amadeu Baptista


5 de Novembro de 2008

Berenice Abbott

berenice%20abbott.jpg Murray Hill Hotel, 112 Park Avenue, em 1935. Hoje é outro dia.


5 de Novembro de 2008

Gaivotas da manhã

As gaivotas da manhã acordaram-me. O canto é delas ou foi recolhido nas águas? Um raio de sol atravessa o quarto e trepa hesitante pela cama; deita-se connosco como se fosse um gato. Estendo a árvore flexível do corpo e penso como é bom esquecer-me da idade e dos outros e do mundo que felizmente se esquece muitas vezes de mim. Não sei de que lado estou se me deitei à direita ou à esquerda da minha amiga. Agrada-me o rumor dela quando se aconchega ao meu corpo sem ter ouvido ainda o piar das gaivotas nem as patas perfumadas do sol a nosso lado. Casimiro de Brito


5 de Novembro de 2008

Resultado nenhum

Queixas de um utente Pago os meus impostos, separo o lixo, já não vejo televisão há cinco meses, todos os dias rezo pelo menos duas horas com um livro nos joelhos, nunca falho uma visita à família, utilizo sempre os transportes públicos, raramente me esqueço de deixar água fresca no prato do gato, tento ser correcto com os meus vizinhos e não cuspo na sombra dos outros. Já não me lembro se o médico me disse ser esta receita a indicada para salvar o mundo ou apenas ser feliz. Seja como for, não estou a ver resultado nenhum. José Manuel Silva


4 de Novembro de 2008

Victor Vasarely

Victor%20Vasarely.jpg sem legenda


4 de Novembro de 2008

A origem do pó

Quando me perguntam pela verdade suprema ou apenas se conheço a origem do pó sento-me a teu lado como se eu fosse uma folha branca e fico à espera que tu entres silenciosamente na minha morada como as águas entravam e os ventos no painel de mica que o poeta Wang Wei deixava à porta da sua cabana. Casimiro de Brito


4 de Novembro de 2008

Trevas

E o pior é que chamamos liberdade a um tapete que, rolante, já não ouve a opinião dos nossos pés; que nos leva para onde e anuímos, alheados, aos mecânicos desígnios do terror. Respiramos cadeados, consumimos injustiça, damos duas várias voltas ao risonho torniquete que nos serve de chapéu; trocamos a cabeça por um prato de aspirinas. Os clássicos da vida sem tristeza nem remorso (Cinderela, Varadero, off-shore) iluminam o cenário em que dormimos, inocentes como balas e nem sei como não somos mais felizes. As rémoras, os ogres, os deuses mais bonitos, velam nossa carne como grifos educados. O tratado das sementes, o saber do lenhador, queremos lá saber de quem é pobre como nós. Confiados ao acaso, disputamos amuletos, reforçamos sob os pés a solidez do desacerto, colocamos outra pedra no sapato. Para o centro do inferno dirigimos este filho, o filho deste carro, cativados pelo direito conquistado de entregar os nossos dias, como rezes, ao cutelo de despachos infiéis. Neste cerco, viver é uma questão de prorrogar o desalento, de iludir o infortúnio: cerramos uma porta suicida, desatamos a gravata, ficamos satisfeitos quando o gelo, na bebida, é de boa qualidade. Se olhamos para o chão desaparece o horizonte; se olhamos para o céu ficamos sós. Não percebo como rimos quando pedem que posemos para a foto de família. Alguém nos enganamos. Confundidos pelo surto de mentira, leiloados pela última hipnose, enxertados no pedúnculo da morte, semi-envergonhados, de sorriso padecido, dizei-me se este rosto de cartão amarrotado, se esta alma como um campo pedregoso, se estes pés adaptados ao espinho, se isto que nós vemos é um homem. José Manuel Silva


4 de Novembro de 2008

Arnold Genthe

arnold%20genthe%20anna%20duncan.jpg Anna Duncan, ou da memória etérea


3 de Novembro de 2008

That I did always love

That I did always love I bring thee Proof That till I loved I never lived—Enough— That I shall love alway— I argue thee That love is life— And life hath Immortality— This—dost thou doubt—Sweet— Then have I Nothing to show But Calvary— Emily Dickinson


3 de Novembro de 2008

Tu

Tu que não cabes em casa nenhuma tu que vais leve como as nuvens no outono habitas em mim e ouço o teu perfume a tua respiração nas rosas que se abrem e dissipam no meu poema. Casimiro de Brito


3 de Novembro de 2008

George Hoyningen-Huene

George%20Hoyningen-Huene.jpg da leveza


3 de Novembro de 2008

Love's Strategems

But these maneuverings to avoid The touching of hands, These shifts to keep the eyes employed On objects more or less neutral (As honor, for time being, commands) Will hardly prevent their downfall. Stronger medicines are needed. Already they find None of their strategems have succeeded, Nor would have, no, Not had their eyes been stricken blind, Hands cut off at the elbow. Donald Justice


3 de Novembro de 2008

Certeza

Entraste na casa do meu corpo, desarrumaste as salas todas e já não sei quem sou, onde estou. O amor sabe. O amor é um pássaro cego que nunca se perde no seu voo. Casimiro de Brito


2 de Novembro de 2008

Novembro

Les_Tr%C3%A8s_Riches_Heures_du_duc_de_Berry_novembre.jpg De volta à arte dos irmãos Limbourg no livro de horas do senhor duque de Berry, com o Outono povoado pelo trabalho dos servos


2 de Novembro de 2008

A Paz

Se eu te pedisse a paz, o que me darias pequeno insecto da memória de quem sou ninho e alimento? Se eu te pedisse a paz, a pedra do silêncio cobrindo-me de pó, a voz limpa dos frutos, o que me darias respiração pausada de outro corpo sob o meu corpo? Perdoa-me ser tão só, e falar-te ainda do meu exílio. Perdoa-me se não te peço a paz. Apenas pergunto: o que me darias em troca se ta pedisse? O sol? A sabedoria? Um cavalo de olhos verdes? Um campo de batalha para nele gravar o teu nome junto ao meu? Ou apenas uma faca de fogo, intranquila, no centro do coração? Nada te peço, nada. Visito, simplesmente, o teu corpo de cinza. Falo de mim, entrego-te o meu destino. E a morte vivo só de perguntar-te: o que me darias se te pedisse a paz e soubesses de como a quero construída com as matérias vivas da liberdade? Casimiro de Brito


2 de Novembro de 2008

Traição

(excerto) A faca é o gume penetrado e o cabo entre as mãos. Pedro Du Bois


2 de Novembro de 2008

Bramantino

Bramantino_jpg.jpg luz e sombra segundo Bartolomeo Suardi


2 de Novembro de 2008

Momento

A guerra dos homens não inibiu As cores do arco-íris: O mundo está pois No seu caminho, no campo raso onde respiram Os insectos silenciosos da morte. Os homens Deslizam insaciáveis com o desejo Virado para o céu. O corpo está pois No bom caminho: A boca na terra De quem vive apenas Este momento. Casimiro de Brito


1 de Novembro de 2008

Vantagem

Se me saio bem com as mulheres não é pelas minhas virtudes, mas pelos defeitos que não tenho. Nick Hornby, in Alta Fidelidade, trad. Maria Augusta Júdice


1 de Novembro de 2008

notas para o diário

(excerto) mas gosto da noite e do riso de cinzas. gosto do deserto, e do acaso da vida. gosto dos enganos, da sorte e dos encontros inesperados. pernoito quase sempre no lado sagrado do meu coração, ou onde o medo tem a precariedade doutro corpo. a dor de todas as ruas vazias. (...) os poemas adormeceram no desassossego da idade. fulguram na perturbação de um tempo cada dia mais curto. e, por vezes, ouço-os no transe da noite. assolam-me as imagens, rasgam-me as metáforas insidiosas, porcas. ..e nada escrevo. o regresso à escrita terminou. a vida toda fodida - e a alma esburacada por uma agonia tamanho deste mar. a dor de todas as ruas vazias. Al Berto


1 de Novembro de 2008

Uma luz

Uma luz que veio de longe. Assim foi criada a terra. E o amor Casimiro de Brito


1 de Novembro de 2008

Bertha Lum

bertha%20lum.jpg passo de dança em movimentoArt-Nouveau


1 de Novembro de 2008

Mortis causa

Mulher de gestos dia a dia mais pequenos, fosses tu qualquer coisa, uma cadeira ao menos houvesse para ti sempre lugar em tua casa e não ires um dia assim convencional serena como papel ou lixo pela escada abaixo Mulher espremida enquanto deste vida e resumida à pequenina luz que se liberta do gesto estritamente necessário linha recta para anular o espaço entre a mão e a coisa movimentos dos dias divergentes de outros dias E tudo vai moendo e remoendo momento a momento triturando colhendo arrepanhando face ficta fraca e fixa a fruta em frente fita, frígida fremente Ruy Belo