Modus vivendi

"bene senescere sine timore nec spe"

blogue de Ana Roque

Arquivo de outubro 2007


31 de Outubro de 2007

Blake

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31 de Outubro de 2007

Respirar a eternidade

(gentileza de Amélia Pais) As coisas que amamos, as pessoas que amamos são eternas até certo ponto. Duram o infinito variável no limite de nosso poder de respirar a eternidade. Pensá-las é pensar que não acabam nunca, dar-lhes moldura de granito. De outra matéria se tornam, absoluta, numa outra (maior) realidade. Começam a esmaecer quando nos cansamos, e todos nós cansamos, por um outro itinerário, de aspirar a resina do eterno. Já não pretendemos que sejam imperecíveis. Restituímos cada ser e coisa à condição precária, rebaixamos o amor ao estado de utilidade. Do sonho de eterno fica esse gosto ocre na boca ou na mente, sei lá, talvez no ar. Carlos Drummond de Andrade


30 de Outubro de 2007

To Althea, From Prison

When love with unconfined wings Hovers within my gates, And my divine Althea brings To whisper at the grates; When I lie tangled in her hair, And fettered to her eye, The birds that wanton in the air Know no such liberty. When flowing cups run swiftly round With no allaying Thames, Our careless heads with roses bound, Our hearts with loyal flames; When thirsty grief in wine we steep, When healths and draughts go free, Fishes that tipple in the deep Know no such liberty. When, like committed linnets, I With shriller throat shall sing The sweetness, mercy, majesty, And glories of my King; When I shall voice aloud how good He is, how great should be, Enlarged winds that curl the flood Know no such liberty. Stone walls do not a prison make, Nor iron bars a cage; Minds innocent and quiet take That for an hermitage; If I have freedom in my love, And in my soul am free, Angels alone, that soar above, Enjoy such liberty. Richard Lovelace


30 de Outubro de 2007

Ford Madox Brown

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30 de Outubro de 2007

Boca

Boca livre trânsito de vocábulos e aves fruições e frutos. Boca sede de gozo e poder pombos lhe pousam entre os dentes ávidos pêssegos se imolam cindindo-lhe os lábios. Boca sítio de martírio se a contragosto de fome se fecha ou em pânico se cala atrás de uma mordaça. Astrid Cabral


30 de Outubro de 2007

Agora não mais agora

o implacável ardor que é viver enquanto grassa tudo o que passa implacável ardor que não se cansa na linha do destino o fogo dança o implacável ardor apenas dança o sonho a cada sonho mais informe a vida mais torta a cada vida eu te amei mais do que te amava amor com amor se apaga outras maçãs outras manhãs anos enganos sobre o fio da navalha dança o vacilante coração do instante Aricy Curvello


30 de Outubro de 2007

Poeminha Súbito

Mas que sabemos nós de toda essência? Do beijo que se foi fica um perfume; do que não foi, também. O beijo estava em nós antes do beijo! Somos o que já éramos? Terrível o futuro. Anderson Braga Horta


29 de Outubro de 2007

love is a place...

love is a place & through this place of love move (with brightness of peace) all places yes is a world & in this world of yes live (skilfully curled) all worlds e.e. cummings


29 de Outubro de 2007

Blake

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29 de Outubro de 2007

Aos amigos e inimigos

De amigos e inimigos fui servido, agora estamos unidos, atrelados ao degredo. Nunca fui o escolhido onde os deuses me puseram. Nem sou deles, sou de mim e dos íntimos infernos. Não. Não me entreguem aos mortos, os filhos que me pariram e plasmei com meus remorsos no seu mágico convívio. De amigos e inimigos fui servido e com tão finada vida e alegados motivos, que ao dar por eles, já partira e quando dei por mim, não estava vivo. Carlos Nejar


28 de Outubro de 2007

Presença

Eu gosto de não te ver para não sentir em vão com tua presença esquiva o pecado inevitável. Eu gosto de não te encontrar para não sofrer a tentação do irrealizável. Mas mesmo sem querer te vejo e mesmo sem querer te encontro. E se te vejo peco e se te encontro sofro sofro e peco porque a tua presença onírica é a volúpia de minha solidão na certeza do impossível em que pulveriza meu sonho. Genuíno Sales


28 de Outubro de 2007

Colin

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28 de Outubro de 2007

The Garden Of Love

I laid me down upon a bank, Where Love lay sleeping; I heard among the rushes dank Weeping, weeping. Then I went to the heath and the wild, To the thistles and thorns of the waste; And they told me how they were beguiled, Driven out, and compelled to the chaste. I went to the Garden of Love, And saw what I never had seen; A Chapel was built in the midst, Where I used to play on the green. And the gates of this Chapel were shut, And 'Thou shalt not' writ over the door; So I turned to the Garden of Love That so many sweet flowers bore. And I saw it was filled with graves, And tombstones where flowers should be; And priests in black gowns were walking their rounds, And binding with briars my joys and desires. William Blake


28 de Outubro de 2007

A velocidade da luz II

Há uma rotação do teu corpo – Andas pela casa: és um leve rumor sob o silêncio um rumor que alumia a sombra silenciosa; na sala, o homem quase surdo quase cego ouve-te, julga reconhecer-te: vens aí. Estás aqui. O intervalo de tempo já começou: há uma rotação no teu corpo que me exclui do mundo e entretanto é feita para mim; atinge-me à velocidade da luz. E eu o homem quase surdo quase cego sou tomado pelo vento do fogo que me consome até ser apenas a última brasa: pequenas ravinas de luz o incêndio restante sob a exausta crosta da terra Estavas, estiveste ali. O tempo recomeça. Apareces e desapareces. Como a luz do farol disparando no céu sobre as casas ou como o anúncio luminoso do prédio em frente que varre intermitente a obscuridade do quarto no filme. Quando voltará? É como se soubesses que voltará, sim, e que não, não poderá voltar. Quando, e se voltar, serei eu talvez quem já lá não está. Quando é quando? Quanto tempo ainda poderá o mundo voltar à possibilidade dessa forma? Manuel Gusmão


27 de Outubro de 2007

Carrà

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27 de Outubro de 2007

Eco

Meu coração novamente sente Como quando era chuva E tudo que é gente Corria pras biqueiras E ele desandado e fascinado Desabava nas ladeiras Com as batidas respondendo Ao barulho do ventre dos trovões... Maria Maia


27 de Outubro de 2007

Indústria do amargo

A indústria do amargo desassossego, a patente do medo, a geringonça movendo as vísceras dentadas, a fábrica de desacertos mostra o intestino, manufatura de mercadoria e dejeto, o lodo e o pêndulo como destino. Eis o lodo, barro inútil para fazer gente, massa fecunda para fabricar o desengano. Agora a outra prensa do nada: o pêndulo: que é o mesmo e seu avesso, ora num lugar, ora em outro, sem nunca sair de onde está; preso de si, são dois em um, um que se faz de dois, para iludir a salmoura da matéria. Ronaldo Costa Fernandes


26 de Outubro de 2007

This Side Of The Truth

This side of the truth, You may not see, my son, King of your blue eyes In the blinding country of youth, That all is undone, Under the unminding skies, Of innocence and guilt Before you move to make One gesture of the heart or head, Is gathered and spilt Into the winding dark Like the dust of the dead. Good and bad, two ways Of moving about your death By the grinding sea, King of your heart in the blind days, Blow away like breath, Go crying through you and me And the souls of all men Into the innocent Dark, and the guilty dark, and good Death, and bad death, and then In the last element Fly like the stars' blood Like the sun's tears, Like the moon's seed, rubbish And fire, the flying rant Of the sky, king of your six years. And the wicked wish, Down the beginning of plants And animals and birds, Water and Light, the earth and sky, Is cast before you move, And all your deeds and words, Each truth, each lie, Die in unjudging love. Dylan Thomas


26 de Outubro de 2007

Kandinsky

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26 de Outubro de 2007

Duelo II

Isto gravita na minha lembrança: Onegin estilhaça o cérebro do amigo a uma distancia de incertos passos: assisto ao seu remorso e invejo esse remorso. Luís Quintais


26 de Outubro de 2007

Homero

Escrever o poema como um boi lavra o campo Sem que tropece no metro o pensamento Sem que nada seja reduzido ou exilado Sem que nada separe o homem do vivido Sophia de Mello Breyner Andresen


25 de Outubro de 2007

Kotondo

kotondo.jpg resultado da insónia...


24 de Outubro de 2007

Invictus

Out of the night that covers me, Black as the Pit from pole to pole, I thank whatever gods may be For my unconquerable soul. In the fell clutch of circumstance I have not winced nor cried aloud. Under the bludgeonings of chance My head is bloody, but unbowed. Beyond this place of wrath and tears Looms but the Horror of the shade, And yet the menace of the years Finds, and shall find, me unafraid. It matters not how strait the gate, How charged with punishments the scroll, I am the master of my fate: I am the captain of my soul. William Ernest Henley


24 de Outubro de 2007

Carrà

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24 de Outubro de 2007

Mais uma vez prados

São os sinos, são os sinos de igreja que no meio da noite me atormentam. São as escadas espirais talhadas em pedra e traição. É a janela do quarto, retângulo de madeira, aberta de madrugada e um lobo-guará como guarda-noturno. São os sinos da igreja ou o grito desesperado de uma requinta anunciando os dias escoados. Heitor Ferraz Mello


24 de Outubro de 2007

The Subalterns

I "Poor wanderer," said the leaden sky, "I fain would lighten thee, But there are laws in force on high Which say it must not be." II --"I would not freeze thee, shorn one," cried The North, "knew I but how To warm my breath, to slack my stride; But I am ruled as thou." III --"To-morrow I attack thee, wight," Said Sickness. "Yet I swear I bear thy little ark no spite, But am bid enter there." IV --"Come hither, Son," I heard Death say; "I did not will a grave Should end thy pilgrimage to-day, But I, too, am a slave!" V We smiled upon each other then, And life to me had less Of that fell look it wore ere when They owned their passiveness. Thomas Hardy


23 de Outubro de 2007

Cícero Dias

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23 de Outubro de 2007

Calendário

Calendário vida, ainda se fosse possível compreender esses códigos gravados na cripta dos teus avessos. Então as palavras já nasceriam feitas, a lã não teria seus pastores, nem os pastores seus montes, nem as montanhas suas grutas de rapina, nem o chão da terra os rastros da serpente. Nem os maus seriam chamados para mudar o caminho da história; nem os bons haveria porque a bondade e o martírio jamais se banham nem se repetem nas águas do mesmo rio. Jorge Tufic


23 de Outubro de 2007

Língua-mar

A língua em que navego, marinheiro, na proa das vogais e consoantes, é a que me chega em ondas incessantes à praia deste poema aventureiro. É a língua portuguesa, a que primeiro transpôs o abismo e as dores velejantes, no mistério das águas mais distantes, e que agora me banha por inteiro. Língua de sol, espuma e maresia, que a nau dos sonhadores-navegantes atravessa a caminho dos instantes, cruzando o Bojador de cada dia. Ó língua-mar, viajando em todos nós. No teu sal, singra errante a minha voz. Adriano Espínola


23 de Outubro de 2007

a bubble of despair...

hate blows a bubble of despair into hugeness world system universe and bang -fear buries a tomorrow under woe and up comes yesterday most green and young pleasure and pain are merely surfaces (one itself showing,itself hiding one) life's only and true value neither is love makes the little thickness of the coin comes here a man would have from madame death nevertheless now and without winter spring? she'll spin that spirit her own fingers with and give him nothing (if he should not sing) how much more than enough for both of us darling.And if i sing you are my voice e.e. cummings


23 de Outubro de 2007

Belle Isle, 1949

We stripped in the first warm spring night and ran down into the Detroit River to baptize ourselves in the brine of car parts, dead fish, stolen bicycles, melted snow. I remember going under hand in hand with a Polish highschool girl I'd never seen before, and the cries our breath made caught at the same time on the cold, and rising through the layers of darkness into the final moonless atmosphere that was this world, the girl breaking the surface after me and swimming out on the starless waters towards the lights of Jefferson Ave. and the stacks of the old stove factory unwinking. Turning at last to see no island at all but a perfect calm dark as far as there was sight, and then a light and another riding low out ahead to bring us home, ore boats maybe, or smokers walking alone. Back panting to the gray coarse beach we didn't dare fall on, the damp piles of clothes, and dressing side by side in silence to go back where we came from. Philip Levine


22 de Outubro de 2007

Carrà

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22 de Outubro de 2007

Mãos dadas

Não serei o poeta de um mundo caduco. Também não cantarei o mundo futuro. Estou preso à vida e olho meus companheiros Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças. Entre eles, considere a enorme realidade. O presente é tão grande, não nos afastemos. Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas. Não serei o cantor de uma mulher, de uma história. Não direi suspiros ao anoitecer, a paisagem vista na janela. Não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida. Não fugirei para ilhas nem serei raptado por serafins. O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes, a vida presente. Carlos Drummond de Andrade


21 de Outubro de 2007

Mafai

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21 de Outubro de 2007

Because it is bitter, And because it is my heart

In the desert I saw a creature, naked, bestial, Who, squatting upon the ground, Held his heart in his hands, And ate of it. I said: "Is it good, friend?" "It is bitter—bitter," he answered; "But I like it Because it is bitter, And because it is my heart." Stephen Crane


21 de Outubro de 2007

Still Here

I been scared and battered. My hopes the wind done scattered. Snow has friz me, Sun has baked me, Looks like between 'em they done Tried to make me Stop laughin', stop lovin', stop livin'-- But I don't care! I'm still here! Langston Hughes


21 de Outubro de 2007

Martina

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21 de Outubro de 2007

Geórgicas IV, ou Da nostalgia

Enfim, é o estrondo – a aparição do tempo com, dentro, o ímpeto que o leva a espaço. E a essa cesura do momento que paira, desde então antepassado de um outro luto que há-de vir de dentro do recuo infinito. De onde o acaso ficou a vir perpetuamente a verbo e a aproximar esse recuo. A dá-lo para lá do estrondo. Da nostalgia. Do erro das galáxias que estendem o espaço desde o recuo. A dá-lo para lá do estrondo. Da nostalgia. Do erro das galáxias que estendem o espaço desde o recuo, cada vez mais denso, e a irradiar, muito mais negro, ao largo. Fernando Echevarría


21 de Outubro de 2007

A ferida

Real, real, porque me abandonaste? E, no entanto, às vezes bem preciso de entregar nas tuas mãos o meu espírito e que, por um momento, baste que seja feita a tua vontade para tudo de novo ter sentido, não digo a vida, mas ao menos o vivido, nomes e coisas, livre arbítrio, causalidade. Oh, juntar os pedaços de todos os livros e desimaginar o mundo, descriá-lo, amarrado ao mastro mais altivo do passado! Mas onde encontrar um passado? Manuel António Pina


20 de Outubro de 2007

Morandi

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20 de Outubro de 2007

Wires

The widest prairies have electric fences, For though old cattle know they must not stray Young steers are always scenting purer water Not here but anywhere. Beyond the wires Leads them to blunder up against the wires Whose muscle-shredding violence gives no quarter. Young steers become old cattle from that day, Electric limits to their widest senses. Philip Larkin


20 de Outubro de 2007

Verso e reverso

Estão comprometidos com o sangue o verso e o reverso desta medalha: desfaz-se em palavras o tempo de esperar tempo melhor faz-se com nosso fôlego e nossa força não importa morrer veneno que brilhou no espaço importa abrir a raiz a dor de uma bala atravessando o cérebro sem mais nenhuma palavra a dizer. Álvaro Alves de Faria


20 de Outubro de 2007

Rosai

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20 de Outubro de 2007

Os nomes das rosas

O instinto me dera a voz melodiosa, A música para cantar meus sentimentos. E agora me arrebata como o vento. A esperança mais doce e calorosa. Tirei da minha voz os nomes das rosas, Que pareciam eternos no momento. Mas que, por falta de amor, levou-os a brisa E minha festa pareceu tediosa. Receio emudecer todos os dias. Os frutos de minha voz disseram tanto E continuam a dizer, que certas horas Quase não ouço o eco do meu canto. Minha voz quase emudece e o espanto, O tédio da solidão enche-me os dias. Luiz Bello


20 de Outubro de 2007

Ode

Melhor é a coroa na choupana Que o esfregão no palácio. Enfuna as tuas velas, Conduz a tua jangada: O parco peixe pescado É teu. O mar Pertence a Deus. Daniel Mazza


19 de Outubro de 2007

Geórgicas III

Até que a adensação, tão embrenhada sucumba para dentro de si mesma que o ímpeto se empolga. Ou, mesmo, estraga a densidão da apetência. Está perto o mundo. Que a rapidez amarga o abstracto vinco que recruta a inércia para o rastilho de avidez dar largas ao concentrado estrépito. À aspereza que, resistindo, potencia a carga. Estrutura o impulso de energia prévia. Fernando Echevarría


19 de Outubro de 2007

Cícero Dias

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19 de Outubro de 2007

The Ruins Of Time

You search in Rome for Rome? O Traveller! in Rome itself, there is no room for Rome, the Aventine is its own mound and tomb, only a corpse recieves the worshipper. And where the Capitol once crowned the forum, are medals ruined by the hands of time; they show how more was lost by chance and time the Hannibal or Ceasar could consume. The Tiber flows still, but its waste laments a city that has fallen in its grave— each wave's a woman beating at her breast. O Rome! Form all you palms, dominion, bronze and beauty, what was firm has fled. What once was fugitive maintains its permenance. Robert Lowell


18 de Outubro de 2007

Carrà

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18 de Outubro de 2007

Alma (excerto)

As tuas chamas Que me acenderam Um breve riso Não te consomem Com a paixão; São frontespício. José Carlos de A. Brito


18 de Outubro de 2007

Matéria - Prima

A palavra lavra, brota é larva. A palavra é sabre fere. É flor abre-se em leque. A palavra é mina rima vida peregrina. Silvana Lourença de Meneses


18 de Outubro de 2007

Rosai

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17 de Outubro de 2007

Stillborn

These poems do not live: it's a sad diagnosis. They grew their toes and fingers well enough, Their little foreheads bulged with concentration. If they missed out on walking about like people It wasn't for any lack of mother-love. O I cannot explain what happened to them! They are proper in shape and number and every part. They sit so nicely in the pickling fluid! They smile and smile and smile at me. And still the lungs won't fill and the heart won't start. They are not pigs, they are not even fish, Though they have a piggy and a fishy air -- It would be better if they were alive, and that's what they were. But they are dead, and their mother near dead with distraction, And they stupidly stare and do not speak of her. Sylvia Plath


17 de Outubro de 2007

Animais

Dois homens abraçaram-se ruidosamente na rua, e o seu colóquio a sombra de ábditos deuses transportou-me para um comércio de infâncias e de começos. Cheguei a invejar-lhes a cruel alegria. Dois cães brincaram na água, e a sua herança de sangue expôs-se: ira inclemente, rigorosa forma expondo-se. Cheguei a invejar-lhes a ausência de conceito. Aqui te abrigas, nesta vaga hereditária e antiga, aqui sonhas a tua origem e o teu fim, aqui repousas no eixo do fátuo enigma. Nada foste. Nada és, animal cego e piedoso. Luís Quintais


17 de Outubro de 2007

Morandi

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17 de Outubro de 2007

Prospects

We have set out from here for the sublime Pastures of summer shade and mountain stream; I have no doubt we shall arrive on time. Is all the green of that enameled prime A snapshot recollection or a dream? We have set out from here for the sublime Without provisions, without one thin dime, And yet, for all our clumsiness, I deem It certain that we shall arrive on time. No guidebook tells you if you'll have to climb Or swim. However foolish we may seem, We have set out from here for the sublime And must get past the scene of an old crime Before we falter and run out of steam, Riddled by doubt that we'll arrive on time. Yet even in winter a pale paradigm Of birdsong utters its obsessive theme. We have set out from here for the sublime; I have no doubt we shall arrive on time. Anthony Hecht


17 de Outubro de 2007

The Black Unicorn

The black unicorn is greedy. The black unicorn is impatient. The black unicorn was mistaken for a shadow or symbol and taken through a cold country where mist painted mockeries of my fury. It is not on her lap where the horn rests but deep in her moonpit growing. The black unicorn is restless the black unicorn is unrelenting the black unicorn is not free. Audre Lorde


16 de Outubro de 2007

A pedra

Desta casa vai ficar a memória embora seja assim a pedra silêncio e manhã Manoel Ricardo de Lima


16 de Outubro de 2007

Outra vez

Sempre estamos a reconstruir . Estamos sempre recomeçando num caminho que se destruiu sempre se destruindo ainda. As coisas feitas, mais que perfeitas, duram apenas a construção no instante: vamos adiante. Aricy Curvello


16 de Outubro de 2007

Paula Rego

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16 de Outubro de 2007

Semelhanças

Se não pertence ao mar o que em seu dorso esplende brasas de água, se do ar não vem o que entre as mãos acorda pombas, trêmula plumagem sob um céu cativo de pomares, acaso envolvo leves semelhanças evadidas: ombro, seio, lábios, alma. Izacyl Guimarães Ferreira


16 de Outubro de 2007

Poeira das estrelas

Do norte do norte as águias decolam para vôos sem volta. Lá, tudo começa: a voz do mudo, a vez do mundo. No norte do norte as águas brotam do solo e o fogo se consome, queimando a cera do tempo. No norte do norte, mora Deus, o dono da sorte, pelo menos à noite. Lá se consuma o pecado de cada um, surgido do zero. No norte do norte, da terra é soprado o barro humano, bafo de vida. Ao sul do sul as águias sempre voltam de vôos sem ida. Lá se chega sempre ao nada, ao nenhum talvez, decerto a ninguém. No sul do sul, as águas se lavam em si mesmas. E o fogo se extingue em cinza morna. No sul do sul, Deus vive de dia, na casa de sempre, erguida sobre ocos do vazio. Lá, se colhe a semente da morte na seara das virtudes de todos, abrigados no sem fim do infinito. No sul do sul, o último sopro, matéria divina, solfeja adeuses em lábios selados. Entre o sul do sul e o norte do norte a leste e oeste, o medo traça o destino parco de quem se sente imenso. Entre o começo do fim e o fim do começo, o compasso do verso. Lá Deus repousa a sesta do guerreiro da paz à sombra da luz das estrelas. O sono divino vela a angústia do homem de não se saber apenas um sonho, nem sempre um pesadelo, mas inevitavelmente uma miragem de fumaça, uma nuvem opaca de pó seco e denso mistério. José Nêumanne Pinto


15 de Outubro de 2007

Recado

Mas quanto mais me alongo mais me achego Camões Nenhuma carta porém ressoam versos: sabor de mel lavando o sal do pranto vale de léguas, fronteira inconsistente pois tantas milhas de mim jamais se apartam. Que longe ou perto refaço a mesma rota ao cais seguro, definitivo porto onde me espero e sempre me encontro. Maria de Lourdes Hortas


15 de Outubro de 2007

Paula Rego

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15 de Outubro de 2007

Perpetuum

sereno e lábil o teu corpo cede à fragilidade do sol. os dedos tocam leve a flor da água brincando com a sombra no espelho do crepúsculo. uma brisa penteia os teus cabelos levando o cheiro solto para a raiz das pedras. José Nascimento Félix


15 de Outubro de 2007

Envelhecer

Entra pela velhice com cuidado, Pé ante pé, sem provocar rumores Que despertem lembranças do passado, Sonhos de glória, ilusões de amores. Do que tiveres no pomar plantado, Apanha os frutos e recolhe as flores Mas lavra ainda e planta o teu eirado Que outros virão colher quando te fores. Não te seja a velhice enfermidade! Alimenta no espírito a saúde! Luta contra as tibiezas da vontade! Que a neve caia! o teu ardor não mude! Mantém-te jovem, pouco importa a idade! Tem cada idade a sua juventude. Bastos Tigre


15 de Outubro de 2007

No meu país

As pequenas cidades intensas Onde o tempo não é dissolvido mas dura E cada instante ressoa nas paredes da esquina E o rosto loiro de Laura aflora na janela desencontrada E o apaixonado de testa obstinada como a de um toiro Em vão a procura onde ela nunca está – É aqui que ao passarmos a nossa garganta se aperta Enquanto um homem alto e magro Baixando a direito o chapéu largo e escuro De cima a baixo se descobre Ao transpor o limiar sagrado da casa Sophia de Mello Breyner Andresen


15 de Outubro de 2007

Paula Rego

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14 de Outubro de 2007

Nocturno

Meus noturnos amanhecem em tuas alvoradas e continuam dia a fora noite a dentro invertendo fuso horários enlouquecidos pela falta das estrelas. Cynara Novaes


14 de Outubro de 2007

Poema Todo Verde

O verde de todas as chuvas escorrendo em chão de infância amado nas flores ideais. O verso de todos os ventos brincando na várzea intensa amanho de eterna paz. O verde de todos os pássaros cantando na irmandade dos ares aragem de rações iguais. O verde de todos os sóis iluminando geografias impossíveis, armadura de colheitas matinais. Carregado de verde nas nuvens molhar o mundo fero e solitário pelos quatro cantos cardeais. Cyro de Mattos


14 de Outubro de 2007

Leaves Compared With Flowers

A tree's leaves may be ever so good, So may its bar, so may its wood; But unless you put the right thing to its root It never will show much flower or fruit. But I may be one who does not care Ever to have tree bloom or bear. Leaves for smooth and bark for rough, Leaves and bark may be tree enough. Some giant trees have bloom so small They might as well have none at all. Late in life I have come on fern. Now lichens are due to have their turn. I bade men tell me which in brief, Which is fairer, flower or leaf. They did not have the wit to say, Leaves by night and flowers by day. Leaves and bar, leaves and bark, To lean against and hear in the dark. Petals I may have once pursued. Leaves are all my darker mood. Robert Frost


14 de Outubro de 2007

Paula Rego

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14 de Outubro de 2007

Geórgicas II

Ainda não é pasmo o que se adensa. Nem é lugar. Mas um estar pra ser. Mais para dentro de si própria pesa a penúria de massa. Cada vez mais o empenho sem sujeito estrema a só energia a acumular-se, sem que um volume qualquer reduza a empresa de, nesse empenho, o adensar crescer. Fernando Echevarría


14 de Outubro de 2007

Ignoto ser

O corpo desconhece-nos E quem conhece o corpo na sua dinâmica indolência? Será que podemos ascender a coroa cerebral e em pura recepção sermos o todo do ignoto ser? Poderemos acaso consumá-lo num conhecimento que seria também o seu e o encontro a nudez do uno a pura plenitude? O homem constrói máquinas casas e sistemas mas ignora as possibilidades naturais com que poderia construir uma vida nova Ele desconhece a matéria materna que não se destina a ser manipulada ou arrancada a si mesma porque é o irredutível elemento do seu ser e a irredutível fonte que o erige e o move e o alimenta Quando erguerá ele o feixe solar das suas veias e iniciará a era da harmonia da unidade livre no centro dos seus poderes corporais para que a eterna adolescente adormecida sobre o dorso da terra abra o leque das suas falanges delicadas e o aceite no seu leito onde o mundo começa? António Ramos Rosa


13 de Outubro de 2007

Ideal

(gentileza de Amélia Pais) Sentir intensamente a vida. Haver amado e haver sofrido muito, manter a alma cega esperando, na sombra, uma luz que não chega ou empenhada em dar vida a um sonho já passado. Amar o fugitivo. Enamorar-se de uma sombra, de um sorriso... Sentir a poesia de alguma melancólica e distante harmonia que, duma varanda aberta, voa sob a lua. Desprezar o mesquinho. Fazer com louco empenho do sonhado ? a vida, e da vida ? o sonho... Extenuar-se numa longa carícia louca; e no fim duma tarde magnífica e florida, esfumar-se no céu, e abandonar a vida com um sonoro verso de amores na boca. Francisco Villaespesa, trad. Paulo Rato


13 de Outubro de 2007

Desconforto II

Vazio de cidade, há uma desordem em mim. Contemplador de desvãos, vou esculpindo infrutíferas buscas. O que há de encontro na minh’alma é só o apóstrofo. Busco desvencilhar-me da ferrugem da estrada, do ferrolho das minhas ausências, quando substantivo a vontade. Há em mim doença de lagarta, predisposição para casulo, pretensão para eterno. Voar é o meu destino. Rastejante, carrego primórdios, contemplo a estrada. Francisco Perna Filho


13 de Outubro de 2007

Paula Rego

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13 de Outubro de 2007

Inexato infinito instante

Em certos momentos vêm-me à cabeça lembranças incertas (tenho muitas luas na cabeça) são ventos cheirosos que enfunam o peito de vaga saudosa presente talvez infinita harmonia são noites imensas surpreendendo os olhos meus olhos que adoram vi(ver) às vezes pensando-se mortos (ao menos cansados) são olhos de vista cansada como dizem os neófitos mas sensações eternas não cansam a vista como gostariam os oftalmologistas embora haja vista os óculos ajudem os olhos a assumir o crepúsculo a medida da vista cansada é exata o inexato infinito instante das lembranças vistas. Luiz Paulo Santana


13 de Outubro de 2007

Primeiro Foi a Noite

"No princípio criou Deus o céu e a terra." Génesis, 1:1 Primeiro foi a noite. E a noite feita, desta engendrou-se a luz, julgada boa. Depois, fez-se o agudo desespero do céu. E a terra. E as águas separadas. E um mar se fez, da lúcida colheita das águas inferiores. A coroa tornou-se firmamento. "Haja luzeiros" — ordenou-se às estrelas debulhadas. Houve flores estáticas e flores que procuravam flores; e houve a fome de carne e amor e dessa fome as dores e das dores o Homem. Deste, esquiva, toda fome, sua fêmea, e no seu sexo, mais uma vez a noite primitiva. Renata Pallottini


12 de Outubro de 2007

Cause And Effect

the best often die by their own hand just to get away, and those left behind can never quite understand why anybody would ever want to get away from them Charles Bukowski


12 de Outubro de 2007

Carrà

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12 de Outubro de 2007

A velocidade da luz

Há uma rotação do teu corpo ou de uma parte dele que está pelo todo e fora dos eixos do mundo. Rodas a partir da cintura, estendes um braço, há um músculo que se ilumina, uma onda vertical em que tu própria te subisses; então uma perna flecte-se, e o outro pé fica em ponta oblíquo sobre o mundo que nesse instante se suspende. Manuel Gusmão


12 de Outubro de 2007

A matiné das duas

Na penumbra da pequena sala talvez o milagre fosse um gato preto que miasse ou uma mulher loura que cantasse uns blues vagamente sinceros e se decidisse depois por um streap-tease de músculos hermafroditas. Mas tudo parece de cartão. Ver um filme às duas em ponto da tarde é como entrar num drama de papéis higiénicos para doentes do siso. Quem pode habitar este pulmão sem ar e ouvir saltar a tosse como rãs da secura para o veneno do mundo em celulóide? Não sentimos sequer uma perna avançar sonâmbula, dormente pelas agulhas do desejo ou o olhar aceso no escuro dum rosto que o desespero transforma numa visão celeste, quase inebriada. É o tempo do limbo das almas solitárias, sentadas, em principio de tarde de má vida, o tempo dos animais quietos, subterrâneos, à espera. Depois virá correndo, veloz, essa inocente droga que te leva a sonhar com um suicídio discreto, de veludo puído, descoberto duas horas depois ao reacender das luzes, pelos outros quatro ou cinco que continuam vivos como tu. Armando Silva Carvalho


11 de Outubro de 2007

Filippo de Pisis

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11 de Outubro de 2007

White blossoms of the pear

White blossoms of the pear and a woman in moonlight reading a letter. Yosa Buson, translated by Robert Hass


11 de Outubro de 2007

Balada dos Casais

Os casais são tão iguais, por isto se casam e anunciam nos jornais. Os casais são tão iguais, por isto se beijam fazem filhos, se separam prometendo não se casarem jamais. Os casais são tão iguais, que além de trocar fraldas, tirar fotos, acabam se tornando avós e pais. Os casais são tão iguais, que se amam e se insultam e se matam na realidade e nos filmes policiais. Os casais são tão iguais, que embora jurem um ao outro amor eterno sempre querem mais. Affonso Romano de Sant'Anna


10 de Outubro de 2007

Respiro melhor como na praia

Foi no mar que aprendi o gosto da forma bela Ao olhar sem fim o sucessivo Inchar e desabar da vaga A bela curva luzidia do seu dorso O longo espraiar das mãos de espuma Por isso nos museus da Grécia antiga Olhando estátuas frisos e colunas Sempre me aclaro mais leve e mais viva E respiro melhor como na praia Sophia de Mello Breyner Andresen


10 de Outubro de 2007

Amarelo cetim

Não são nunca de cetim, amarelo cetim, cetim de seda talvez (é possível) os lençóis quando a casa é de lençol, televisão quadrada a olhar para a cama, no canal enigma, e às vezes há uma piscina geriátrica no tecto cadeiras e mesas voltadas ao contrário o vento em baixo a raspar o tejo leite mal passado no frigorífico (porque A Mulher está ausente) e retratos dos filhos a patinar no jardim. Tem quase a tua idade. Imagino, e já não gosto dos bonitos. Melhor é rápido, à esquina só com o lençol de cimento, ou o brusco pesadelo de mãos e pernas torcidas, que não dura, dá vantagem, mas deixa o corpo dorido. António Franco Alexandre


10 de Outubro de 2007

Rouault

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10 de Outubro de 2007

Dialética

Nada neste mundo é tão exato assim nenhum ser humano possui a fixidez da múmia se estamos vivos o sangue corre em nossas veias quente ora frio E assim vamos construindo destruindo ao mesmo tempo a cada dia esta é a lei da dialética. Maria do Socorro Cardoso Xavier


10 de Outubro de 2007

Vida Natural

Um galo aceso no telhado. Girassóis ao vento. Pessoas entram no mar de luvas. Cláudio Feldman


9 de Outubro de 2007

Santomaso

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9 de Outubro de 2007

Areias de ouro

Que estranha visão terá de ti o rio que passa e ao qual os poetas inutilmente oferecem areias de ouro e de Byron? Umas vezes oblíqua aos olhos de quem ama a liquidez das cúpulas sonoras onde ondulam as casas na sua pulsação nervosa e feminina. Outras vezes erecta e pombalina talhada para letras de câmbio velha receptara e hoje só senhora dum tempo fixo e mudo indiferente à pedra. Mas mais das vezes crespa nas ondas ruidosas erguidas da terra ébria vasto espelho de bar para novas aventuras. E na boca do fim à beira de um mar de quem não teve infância só os monumentos eventos – ventos da distância. Armando Silva Carvalho


9 de Outubro de 2007

Birolli

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9 de Outubro de 2007

A Warning To My Readers

Do not think me gentle because I speak in praise of gentleness, or elegant because I honor the grace that keeps this world. I am a man crude as any, gross of speech, intolerant, stubborn, angry, full of fits and furies. That I may have spoken well at times, is not natural. A wonder is what it is. Wendell Berry


8 de Outubro de 2007

Sobre as Horas II

O grande movimento era-nos sempre margem de olhar um rio. Ia-se-nos perdendo ver algum navio entrar nas águas de tê-lo alguma vez ouvido. Ou, se quiserem, havia o movimento. E, à volta dele, o rio estava perto de sermos lugar. Ponto de frio de onde os amantes sempre partiram esquecidos. Fernando Echevarría


8 de Outubro de 2007

Rouault

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8 de Outubro de 2007

Deceptions

"Of course I was drugged, and so heavily I did not regain consciousness until the next morning.I was horrified to discover that I had been ruined, and for some days I was inconsolable, and cried like a child to be killed or sent back to my aunt." Mayhew, London Labour and the London Poor Even so distant, I can taste the grief, Bitter and sharp with stalks, he made you gulp. The sun's occasional print, the brisk brief Worry of wheels along the street outside Where bridal London bows the other way, And light, unanswerable and tall and wide, Forbids the scar to heal, and drives Shame out of hiding.All the unhurried day, Your mind lay open like a drawer of knives. Slums, years, have buried you.I would not dare Console you if I could.What can be said, Except that suffering is exact, but where Desire takes charge, readings will grow erratic? For you would hardly care That you were less deceived, out on that bed, Than he was, stumbling up the breathless stair To burst into fulfillment's desolate attic. Philip Larkin


7 de Outubro de 2007

Dorothy Parker

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7 de Outubro de 2007

Contos de Dorothy Parker

Dorothy Parker é uma das autoras com lugar cativo no Modus. Não é, pois, de estranhar que a edição dos seus contos (Relógio d'Água, 2007), a partir da edição organizada pela autora em 1944, me tenha atraído a atenção gulosa e cintilante com quem se olham, folheiam e sopesam os livros escritos pelos que escolhem as palavras como desejaríamos fazer. Estes contos merecem bem a leitura. Como em qualquer colectânea, há os que nos parecem mais conseguidos e os que deixam um ligeiro sabor a pouco, sem contudo abalar a avaliação positiva do conjunto. Parker teve uma vida interessante e, por consequência inafastável, bastante agitada e por vezes até tempestuosa. A sua inteligência e perspicácia, a crueza do seu olhar sobre os outros e a feroz autocrítica com que se punia transparecem em quase todos os seus poemas e em alguns destes contos. Destaco Um Telefonema por ser, ainda hoje, um excelente exercício sobre a condição feminina nas relações amorosas (?), e uma ilustração fiel (reconhecível, infelizmente) da luta interior entre o que se sabe dever fazer e a tentação de se lançar exactamente no sentido oposto. Por isso, Liliana, aqui vai esta sugestão de leitura. Ler Dorothy Parker é certamente um desafio e um prazer.


7 de Outubro de 2007

Do calor

(gentileza de Amélia Pais) Aqueço-me com isto. Ao seu calor O nosso sangue é um e amadurece Boa-noite meu amor. Boa-noite, que amanhece. Pedro Tamen


6 de Outubro de 2007

Do anónimo rumor

Estou ouvindo sem ouvir o que sempre ouço o anónimo rumor de tudo ser o que é tão irrevogável como o silêncio que através dele é só silêncio Nunca uma palavra ou um gesto poderá alterar esta ausência do que nunca se manifesta mas que faz surgir os seres e as coisas Tal é o domínio da existência a que não se pode fugir e em que se morre com a boca apagada por um grito ou um suspiro O que acontece em cada dia é o fortuito fluir do que só é necessário em si mas não para nós Não nós não estamos no mundo mas na distância insuperável de um ser inacessível e essa distância somos nós Nunca poderemos conhecer o insondável ser que não é mais do que tudo o que é mas sem o ser Em vão procuramos a presença deste ausente Sabemos que se ele se manifestasse o mundo não seria o mundo e a sua presença seria um excesso que anularia a nossa liberdade Não há contrapartida para o desamparo não há consumação para o que no existir é a crispada urgência e a morte é sempre extemporânea António Ramos Rosa


6 de Outubro de 2007

Preso à voz

Quem diria, vou viver além do século gasto, só é pena o calendário me trocar a identidade (Venho contigo ao jardim com dedos vazios de rimas quem diria, eu que vou ser presidente dos cantores) Tenho na boca o aço do pesadelo real fiquei preso à voz do eco é banal! ao telefone só, de plástico, etc., procura, sigilosa, desejável foto (enfim, por fax, a cores). Quem diria, preso à voz não sei de quem, que me ouvia. António Franco Alexandre


6 de Outubro de 2007

Hurrahing In Harvest

Summer ends now; now, barbarous in beauty, the stooks arise Around; up above, what wind-walks! what lovely behaviour Of silk-sack clouds! has wilder, wilful-wavier Meal-drift moulded ever and melted across skies? I walk, I lift up, I lift up heart, eyes, Down all that glory in the heavens to glean our Saviour; And, éyes, heárt, what looks, what lips yet gave you a Rapturous love's greeting of realer, of rounder replies? And the azurous hung hills are his world-wielding shoulder Majestic—as a stallion stalwart, very-violet-sweet!— These things, these things were here and but the beholder Wanting; which two when they once meet, The heart rears wings bold and bolder And hurls for him, O half hurls earth for him off under his feet. Gerard Manley Hopkins


6 de Outubro de 2007

Boccioni

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6 de Outubro de 2007

Noturno azul e vermelho

Foi assim no vosso convívio um hóspede passageiro, obscuro como uma casa sem portas e janelas, escravo do passado atados a nós amargos. Tão longe, uma agonia num adorno de aparências, e no seu mundo invisível asas pela metade em azul cobalto, um medo incompreendido. Dividido e fugidio, não morto, evasivo, sem se deixar ser observado, escondido nuns óculos escuros, desertor de alguma guerra ou de alguma luta. Não se sabe o motivo deste outro ser, que suspira um ar, que busca na superfície onde permeia a latência, um desejo vermelho sangue. Que está convosco numa vontade de viver e sentir na realidade este sonho inconsciente, que procura sem cessar, uma satisfação jamais vista. José Aloise Bahia


5 de Outubro de 2007

Rosai

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5 de Outubro de 2007

Sobre as Horas

Ver-te dourava o corpo da pupila. A sombra. E as estátuas por onde ver-te vinha animal. E parava redondo na retina. Fernando Echevarría


5 de Outubro de 2007

Reencontro

E os meus olhos redescobriram-te através dos séculos. E as minhas mãos, conchas vazias, encheram-se de sonhos perdidos nos seixos lapidados de teu corpo amado. Regine Limaverde


5 de Outubro de 2007

Trombadori

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5 de Outubro de 2007

Os frutos

No cesto da feira, na vitrine gelada de um copo de suco, os frutos acendem a alegria das cores. Um fruto é o tempo que não esqueceu o sabor. É ainda o mesmo o novo fruto, e sempre antiga dessa polpa a tradução: na superfície da língua, no interior da pupila, são úmidas carícias dissolvidas em suco. Outro sol ilumina a eternidade de um fruto. De dentro pra fora, na textura da pele, explodem memórias de dulcíssimos nomes: uva, carambola, morango, graviola, pinha, laranja, melancia, mamão - de nomes doces até o tamarindo e o limão -, lembram o açúcar, a face da infância, o amargo e o doce da revivida lembrança. Weydson Barros Leal


5 de Outubro de 2007

Outubro

Caroço de tempestades, Nó de cobras ardentes, Este é um mês de chuvas cálidas E de ventos. Subversivo ao calendário, Fruto amargo Na colheita ancestral. É sempre outono Em outubro, É sempre vento. Nenhuma cintilação, Somente o escuro E no escuro esta sombra, Graciosa e febril, Dançando à luz dos raios — o canto áspero E o pescoço Carregado de contas. É sempre guerra Em outubro, Sempre vermelho e azul. Sempre pendões na ponta Das estacas Desse campo minado A que chamamos destino. Myriam Fraga


5 de Outubro de 2007

Carlo Socrate

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5 de Outubro de 2007

Fúria e falta

A noite é vasta. Vem devagar E habita meu silêncio Como se habita Um claustro. Teus beijos como Lâminas. Como espadas. Pasto de aves meu corpo Que trabalhas Como quem corta e lavra. Myriam Fraga


4 de Outubro de 2007

Rouault

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4 de Outubro de 2007

O búzio de Cós

Este búzio não o encontrei eu própria numa praia Mas na mediterrânica noite azul e preta Comprei-o em Cós numa venda junto ao cais Rente aos mastros baloiçantes dos navios E comigo trouxe o ressoar dos temporais Porém nele não oiço Nem o marulho de Cós nem o de Egina Mas sim o cântico da longa vasta praia Atlântica e sagrada Onde para sempre minha alma foi criada Sophia de Mello Breyner Andresen


4 de Outubro de 2007

Semeghini

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3 de Outubro de 2007

Este som que nos guarda

Deslavra Passei anos e anos a olhar para as coisas que se destroem. Muros de pedra, casas antigas, alpendres estrangulados pelo cerco do musgo e das lianas. Mas nunca pensei que tudo isso também fosse passando, devagarinho, para os donos do lugar. Nem que o lugar se tomasse de ruínas; nem que as ruínas pudessem ser vistas como um ricto necessário da paisagem senil: nódoa apenas do trauma silvestre. Este som que nos guarda. Jorge Tufic


3 de Outubro de 2007

O grande circo mexicano

Um dia, alguém escondido algum emissário das sombras pôs fogo no circo de lona e incendiou meu passado. As chamas que pela janela queimaram a minha infância gravaram por sobre a retina lampejos no meio da praça a dança de vultos, fumaça os baldes de mão em mão e alguém que chorando me abraça no meio da multidão. Quando um circo bom vai embora então o milagre termina para onde você foi, menina ? com seu vestidinho florido enquanto nas cinzas de agora procuro o meu sonho perdido. Luis Manoel Siqueira


3 de Outubro de 2007

Rouault

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2 de Outubro de 2007

Soneto do Apocalipse

O teu silêncio corta o dia claro em postas de penumbra acinzentada. Por mais que açoite o vento as folhas vastas, eu nada escuto, só escuto ausências. O teu silêncio arsênico assassina horas de lesmas que se arrastam torpes, e o dia é todo noite, e são fantasmas os que andam rente a mim, sem que eu os sinta. Silêncio pétreo... Meus ouvidos moucos recusam-se a escutar, pois nada existe, só horas que retalham pouco a pouco. Uma surdez nevada se esparrama dos fiapos deste dia que estraçalhas com o peso do silêncio apocalíptico. Gláucia Lemos


2 de Outubro de 2007

os fogos da fala

a fala aflora à flor da boca às vezes como fogos de artifício fulguração contra os terrores do silêncio só espada espavento espelho ou pedra ficção arremessada ou canção para cantar as graças as virilhas as maravilhas da amada a deusa idolatrada do amor: essa outra voz quase jazz que subjaz ventríloqua de si mesma Geraldo Carneiro


2 de Outubro de 2007

Duelo

Uma multidão de que te alheias. Vozes sobrepostas destroem o sentido e a tua inclinação por ideias de ordem desvia-te para um lugar escuro, silente (assim o pressentes), uma sala do lado esquerdo, ao fundo, onde ninguém está. Em rigor há uma luz dispersa, uma atmosfera de encanto e morte. Um espelho espreita. Os circunstantes degladiando-se num arremesso de vozes. Estão nele, são espreitados. Sonhas a armadilha que o voluntário espelho revela. O tempo suspende-se sob o efeito de um sortilégio. Nessa sala onde a obscuridade não é total (os olhos vêem mais depois da atenção), a multidão a teu lado, sitiando-te, é engolida pela perseguição geométrica. Antecedes o momento em que o mundo acaba e uma fúria de vitorioso esquecimento apaga os despojos das irredutíveis vozes e a imagem do teu rosto perseguindo o jogo perseguidor. Luís Quintais


2 de Outubro de 2007

Rouault

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2 de Outubro de 2007

Finisterrae

Aqui começa o fim Feito de vento. Enlouqueceu a bússola Do tempo. Naufragam as certezas Do infinito. Aqui se acaba o mapa Nasce o mito. Aqui começa a morte Em naves findas. Aqui começa o medo. Como um grito. Renata Pallottini


2 de Outubro de 2007

Formas

A lua e as estrelas, o sol e os alabastros, as cicatrizes de Deus e as mulheres nuas são formas puras do amor que reconheço, são como cactos que me ferem os olhos na distância, tais os mistérios densos, as perdas preciosas, a dor de não viver a vida presa na garganta. Dimas Macedo


1 de Outubro de 2007

Semeghini

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1 de Outubro de 2007

Vênus

Dá-me, Apeles, o sangue dos teus dedos e as cores deste mar, espuma ardente em que Vênus ressoa e se reparte entre deuses e bichos, céus e terras, para que a louve, prostituta imensa feita de orgasmo e sol. Pombos e cisnes a conduzem nos braços da Volúpia onde ela exerce, pleno, o seu domínio. Mas, de repente, queda-se cativa de um mortal como Adônis. Tão completa me parece esta deusa que seu brilho tem, sobre nós, a calma perspectiva de uma fúria saciada: um simples nome que a eternidade rútila consome. Jorge Tufic


1 de Outubro de 2007

Piano

Softly, in the dusk, a woman is singing to me; Taking me back down the vista of years, till I see A child sitting under the piano, in the boom of the tingling strings And pressing the small, poised feet of a mother who smiles as she sings. In spite of myself, the insidious mastery of song Betrays me back, till the heart of me weeps to belong To the old Sunday evenings at home, with winter outside And hymns in the cozy parlor, the tinkling piano our guide. So now it is vain for the singer to burst into clamor With the great black piano appassionato. The glamor Of childish days is upon me, my manhood is cast Down in the flood of remembrance, I weep like a child for the past. D.H. Lawrence


1 de Outubro de 2007

Rouault

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1 de Outubro de 2007

A Luz

(gentileza de amélia Pais) Não se pode prever. Sucede sempre quando menos o esperas. Pode acontecer que vás pela rua, depressa, porque se faz tarde para pôr uma carta no correio, ou que te encontres em casa de noite, a ler um livro que não consegue convencer-te; pode acontecer também que seja verão e te tenhas sentado na esplanada de um café, ou seja inverno e chova e te doam os ossos; que estejas triste ou fatigado, que tenhas trinta anos ou sessenta. É imprevisível. Nunca sabes quando nem como ocorrerá. Decorre tua vida igual a ontem, comum e quotidiana. «Um dia mais», dizes para ti. E de súbito desata-se uma luz poderosíssima dentro de ti e deixas de ser o homem que eras há só um momento. O mundo, agora, é para ti diferente. Dilata-se magicamente o tempo, como naqueles dias tão longos da infância e respiras à margem de seu escuro fluir e seu estrago. Pradarias do presente, por onde erras livre de cuidados e culpas. Uma agudeza insólita mora em teu ser: tudo está claro, tudo ocupa o seu lugar, tudo coincide e tu, sem luta, compreende-lo. Talvez dure um instante o milagre; depois as coisas voltam a ser como eram antes que essa luz te desse tanta verdade, tanta misericórdia. Mas sentes-te calmo, puro, feliz, salvo, cheio de gratidão. E cantas, cantas. Eloy Sánchez Rosillo, trad. José Bento _____________