Modus vivendi

"bene senescere sine timore nec spe"

blogue de Ana Roque

Arquivo de setembro 2008


30 de Setembro de 2008

Vallotton

valloton%20fel.jpg fim de dia, ou os equívocos do olhar


30 de Setembro de 2008

Recomendação prudente

Never give all the heart, for love Will hardly seem worth thinking of To passionate women if it seem Certain, and they never dream That it fades out from kiss to kiss; For everything that's lovely is But a brief, dreamy.Kind delight. O never give the heart outright, For they, for all smooth lips can say, Have given their hearts up to the play. And who could play it well enough If deaf and dumb and blind with love? He that made this knows all the cost, For he gave all his heart and lost. William Butler Yeats


30 de Setembro de 2008

Pintura Mughal

mughal-lady-with-lotus.jpg a serenidade da flor de lótus


30 de Setembro de 2008

O tempo devora as coisas

Regressamos sempre aos velhos lugares onde amámos a vida. E só então compreendemos que não voltarão jamais todas as coisas que nos foram queridas. O amor é simples, e o tempo devora as coisas simples. José Eduardo Agualusa in O Ano em que Zumbi tomou o Rio


29 de Setembro de 2008

Coming To This

We have done what we wanted. We have discarded dreams, preferring the heavy industry of each other, and we have welcomed grief and called ruin the impossible habit to break. And now we are here. The dinner is ready and we cannot eat. The meat sits in the white lake of its dish. The wine waits. Coming to this has its rewards: nothing is promised, nothing is taken away. We have no heart or saving grace, no place to go, no reason to remain. Mark Strand


29 de Setembro de 2008

Em traços largos

O mar entalado entre duas pedras enormes, tão longe dali quanto o céu - ou a esperança. O casario rolando num desconcerto ao longo das colinas batidas pelo sol. José Eduardo Agualusa in O Ano em que Zumbi tomou o Rio


29 de Setembro de 2008

William Morris

William%20Morris%20Flora%20Jacquard%20Woven%20Tapestry.jpg motivos românticos


29 de Setembro de 2008

Aparecer

Rompes a casca frágil mostra-te não há o que temer além da tua imagem aflorada essa já conheces desde o início. Pedro Du Bois


28 de Setembro de 2008

Canção

Do rio de lisboa da luz a humidade o pó a turva e lava no rio vai de inverno lisboa o pó lavando Em rio vai de pó inverno achando com que mudar as ruas de lisboa vai passando lisboa na luz turva de inverno de humidade já lavada de novo a luz do rio a vai turvando de novo acha o inverno a humidade e novamente o pó com que lavá-Ia Vai mudando o inverno o pó das ruas de turva areia ardente em puro pranto o rio de lisboa do inverno da amargura o rouco pó lavando De areia de tristeza a humidade erva das praias rio vai mudado o inverno vai do rio correndo de lisboa turva ainda acaso a água dos clarões do pó clarões canção do pó que a luz arrasta Gastão Cruz


28 de Setembro de 2008

Serusier

abc_serusier2.JPG paisagem em mancha


28 de Setembro de 2008

Mitos

«Os mitos não são outra coisa senão a memória degenerada, corrompida pelo passar dos séculos, de acontecimentos muito antigos.» José Eduardo Agualusa in O Ano em que Zumbi tomou o Rio


28 de Setembro de 2008

Resposta

Dúvidas permanentes cobrem o espaço vazio de lamentações e gritos; de nenhuma razão falamos aos filhos, as lutas inglórias do passado são meras referências do que não fizemos; estarmos aqui poderia ser a resposta, fosse outra a hora e fôssemos outros seres de igual ressonância e magnetismo, não mentirosos obscuros e irreais mascates das estradas; o destino exige pertinência e o castigo não aplicado; os castigos empobrecem os espíritos, como luas em noites sem nuvens: a visibilidade atrapalha o mistério e dá cores ao imperfeito horizonte; deveria ser cinza, claro ou escuro, cinza e apenas cinza em singeleza; as respostas acendem luzes, abrigam novas perguntas, geram respostas: o saber, o tecnológico saber salva vidas e as perde em semânticas; estarmos no acaso da passagem ou sermos permanentes inquilinos - proprietários sonham alguns - desse lugar ignorado na seqüência dos planetas; vida, apropriada maneira de não nos sentirmos sós e perdidos no universo: único conhecido, único vislumbrado em milhões de quilômetros de anos ditos luzes, nas limitações do corpo; físico esforço ao se lançar ao espaço: queda, volta, revolta e sonho; revoltas acalentam sonhos, tumultuam o sono; ir embora, o planeta inapetente à renovação; ter em mãos os projetos, verdadeiros tesouros que nos levarão aos ares e não nos trarão de volta; os primeiros corpos situados além das forças desprezam a gravidade que aqui nos protege, entendem que os corpos em músculos, ossos, nervos e neurônios em elétricas conexões e contatos são deuses livres aos espaços. Pedro Du Bois


28 de Setembro de 2008

Dinastia Mughal

Mugal%20dinastia.jpg ou antevisão de domingo


27 de Setembro de 2008

Etapas de la Vida de la Mujer Perfecta

No llores tanto. No te mojes otra vez. No te chupes el dedo. Duérmete mi sol. No seas una bebé malcriada. No toques todo. No rompas nada, no grites así­. No te comas las uñas. No seas una criatura tan traviesa. No me desobedezcas. No contestes de ese modo. Eso no se dice, eso no se hace. No seas una niña problema. No escribas con la mano izquierda. No salgas del renglón de doble raya. No pintes de azul el caballito. No dejes de usar el uniforme. No seas una alumna diferente. No andes con esas amistades. No te pongas esa ropa horrible. No te portes como una cualquiera. No confí­es en ellos; solo quieren una cosa. No seas una jovencita rebelde. No tendrás otro dios más que a mí­. No gastes tanto. No seas tan celosa. No plaguees más. ¿No sabes cocinar otra cosa? No seas una esposa fastidiosa. No revises mis cajones. No me aconsejes a tu estilo. No me des más sermones. No me digas "yo te dije". No seas una madre cargosa. No olvides tu medicina. No pierdas otra vez los anteojos. No comas eso que te hace daño. No repitas otra vez la misma historia. No lleves el gato a la cama. No seas caprichosa, abuela. Dirma Pardo Carugati


27 de Setembro de 2008

Serusier

serusier_trees.jpg céu em fundo a prometer chuva


27 de Setembro de 2008

Nome do mundo, diadema

Não te queria quebrada pelos quatro elementos. Nem apanhada apenas pelo tacto; ou no aroma; ou pela carne ouvida, aos trabalhos das luas na funda malha de água. Ou ver-te entre os braços a operação de uma estrela. Nem que só a falcoaria me escurecesse como um golpe, trémulo alimento entre roupa alta, nas camas. Magnificência. Levantava-te em música, em ferida - aterrada pela riqueza - a negra jubilação. Levantava-te em mim como uma coroa. Fazia tremer o mundo. E queimavas-me a boca, pura colher de ouro tragada viva. Brilhava-te a língua. Eu brilhava. Ou que então, entrecravados num só contínuo nexo, nascesse da carne única uma cana de mármore. E alguém, passando, cortasse o sopro de uma morte trançada. Lábios anónimos, no hausto de árdua fêmea e macho anelados em si, criassem um órgão novo entre a ordem. Modulassem. E a pontadas de fogo, pulsavam os rostos, emplumavam-se. Os animais bebiam, ficavam cheios da rapidez da água. Os planetas fechavam-se nessa floresta de som unânime pedra. E éramos, nós, o fausto violento, transformador da terra Nome do mundo, diadema. Herberto Helder


27 de Setembro de 2008

Vuillard

vuillard09.jpg jardim povoado em tons rosa


27 de Setembro de 2008

Quick And Bitter

The end was quick and bitter. Slow and sweet was the time between us, slow and sweet were the nights when my hands did not touch one another in despair but in the love of your body which came between them. And when I entered into you it seemed then that great happiness could be measured with precision of sharp pain.Quick and bitter. Slow and sweet were the nights. Now is bitter and grinding as sand— "Let's be sensible" and similiar curses. And as we stray further from love we multiply the words, words and sentences so long and orderly. Had we remained together we could have become a silence. Yehuda Amichai, translated by Assia Gutmann


26 de Setembro de 2008

Hoje

Hoje decidi sair de casa: desmanchei o telhado devolvi as telhas ao barro em cacos e poeira repus o madeirame em toras de replantadas árvores. Derrubei as paredes expondo o ridículo das portas e janelas. Quebrei os vidros e amassei o alumínio. No espaço obtido desfiz o sonho da segurança. A rua incorporada multiplicou a decisão. Fora da casa permaneço dentro na ilusão da vida correlata. Pedro Du Bois


26 de Setembro de 2008

Vallotton

valloton%20felix.jpg paisagem para outro fim de semana


26 de Setembro de 2008

Em silêncio

Em silêncio descobri essa cidade no mapa a toda a velocidade: gota sombria. Descobri as poeiras que batiam como peixes no sangue. A toda a velocidade, em silêncio, no mapa - como se descobre uma letra de outra cor no meio das folhas, estremecendo nos olmos, em silêncio. Gota sombria num girassol. - essa letra, essa cidade em silêncio, batendo como sangue. Era a minha cidade ao norte do mapa, numa velocidade chamada mundo sombrio. Seus peixes estremeciam como letras no alto das folhas, poeiras de outra cor: girassol que se descobre como uma gota no mundo. Descobri essa cidade, aplainando tábuas lentas como rosas vigiadas pelas letras dos espinhos. Era em silêncio como uma gota de seiva lenta numa tábua aplainada. Descobri que tinha asas como uma pêra que desce. E a essa velocidade voava para mim aquela cidade do mapa. Eu batia como os peixes batendo dentro do sangue - peixes em silêncio, cheios de folhas. Eu escrevia, aplainando na tábua todo o meu silêncio. E a seiva sombria vinha escorrendo do mapa desse girassol, no mapa do mundo. Na sombra do sangue, estremecendo como as letras nas folhas de outra cor. Cidade que aperto, batendo as asas - ela - no ar do mapa. E que aperto contra quanto, estremecendo em mim com folhas, escrevo no mundo. Que aperto com o amor sombrio contra mim: peixes de grande velocidade, letra monumental descoberta entre poeiras. E que eu amo lentamente até ao fim da tábua por onde escorre em silêncio aplainado noutra cor: como uma pêra voando, um girassol do mundo. Herberto Helder


26 de Setembro de 2008

William Morris

ai_morris_trellis.jpg motivos para florir


26 de Setembro de 2008

Indifference

I said,—for Love was laggard, O, Love was slow to come,— "I'll hear his step and know his step when I am warm in bed; But I'll never leave my pillow, though there be some As would let him in—and take him in with tears!" I said. I lay,—for Love was laggard, O, he came not until dawn,— I lay and listened for his step and could not get to sleep; And he found me at my window with my big cloak on, All sorry with the tears some folks might weep! Edna St. Vincent Millay


26 de Setembro de 2008

Recordação

Essa mulher cercou-me com as duas mãos. Vou entrando no seu tempo com essa cor de sangue, acendo-lhe as falangetas, faço um ruído tombado na harmonia das vísceras. Seu rosto indica que vou brilhar perpetuamente. Sou eterno, amado, análogo. Destruo as coisas. Toda a água descendo é fria, fria. Os veios que escorrem são a imensa lembrança. Os velozes sóis que se quebram entre os dedos, as pedras caídas sobre as partes mais trêmulas da carne, tudo o que é úmido, e quente, e fecundo, e terrivelmente belo - não é nada que se diga com um nome. Sou eu, uma ardente confusão de estrela e musgo. E eu, que levo uma cegueira completa e perfeita, acendo lírio a lírio todo o sangue interior, e a vida que se toca de uma escoada recordação. Herberto Helder


26 de Setembro de 2008

Vallotton

lfelix_vallotton_lachambrerouge_1898.jpg o vermelho da noite, depois dos holofotes


25 de Setembro de 2008

Caminhos do Espelho

(gentileza de Amélia Pais) I E sobretudo olhar com inocência. Como se nada se passasse, o que é certo. II Mas a ti quero olhar-te até estares longe do meu medo, como um pássaro no limite afiado da noite. III Como uma menina de giz cor-de-rosa num muro muito velho subitamente esbatida pela chuva. IV Como quando se abre uma flor e revela o coração que não tem. V Todos os gestos do meu corpo e voz para fazer de mim a oferenda, o ramo que o vento abandona no umbral. VI Cobre a memória da tua cara com a máscara daquela que serás e afugenta a menina que foste. VII A nossa noite dispersou-se com a neblina. É a estação dos alimentos frios. VIII E a sede, a minha memória é da sede, eu em baixo, no fundo, no poço, bebia, recordo. IX Cair como um animal ferido no lugar de hipotéticas revelações. X Como quem não quer a coisa. Nenhuma coisa. Boca cosida. Pálpebras cosidas. Esqueci-me. Dentro o vento. Tudo fechado e o vento dentro. XI Sob o negro sol do silêncio douravam-se as palavras. XII Mas o silêncio é certo. Por isso escrevo. Estou só e escrevo. Não, não estou só. Há alguém aqui que treme. XIII Ainda que diga sol e lua e estrelas refiro-me a coisas que me acontecem. E o que desejava eu? Desejava um silêncio perfeito. Por isso falo. XIV A noite parece um grito de lobo. XV Delícia de perder-se na imagem pressentida. Levantei-me do meu cadáver, fui à procura de quem sou. Peregrina, avancei em direcção àquela que dorme num país ao vento. XVI A minha queda sem fim na minha queda sem fim onde ninguém me esperava pois ao descobrir quem me esperava outra não vi senão a mim mesma. XVII Algo caía no silêncio. A minha última palavra foi eu embora me referisse à aurora luminosa. XVIII Flores amarelas constelam um círculo de terra azul. A água treme cheia de vento. XIX Deslumbramento do dia, pássaros amarelos na manhã. Uma mão desata as trevas, arrasta a cabeleira da afogada que não cessa de passar pelo espelho. Voltar à memória do corpo, hei-de regressar aos meus ossos de luto, hei-de compreender o que a minha voz diz. Alejandra Pizarnik, tradução de Luciana Leiderfarb


25 de Setembro de 2008

São Jerónimo

S%C3%A3o%20jer%C3%B3nimo.jpg Jerónimo de Strídon, de seu nome Eusebius Sophronius Hieronymus


24 de Setembro de 2008

In a dream

I should have thought in a dream you would have brought some lovely, perilous thing, orchids piled in a great sheath, as who would say (in a dream), "I send you this, who left the blue veins of your throat unkissed." Why was it that your hands (that never took mine), your hands that I could see drift over the orchid-heads so carefully, your hands, so fragile, sure to lift so gently, the fragile flower-stuff— ah, ah, how was it You never sent (in a dream) the very form, the very scent, not heavy, not sensuous, but perilous—perilous— of orchids, piled in a great sheath, and folded underneath on a bright scroll, some word: "Flower sent to flower; for white hands, the lesser white, less lovely of flower-leaf," or "Lover to lover, no kiss, no touch, but forever and ever this." Hilda Doolittle


24 de Setembro de 2008

Forte silêncio

Esta linguagem é pura. No meio está uma fogueira e a eternidade das mãos. Esta linguagem é colocada e extrema e cobre, com suas lâmpadas, todas as coisas. As coisas que são uma só no plural dos nomes. - E nós estamos dentro, subtis, e tensos na música. Esta linguagem era o disposto verão das musas, o meu único verão. A profundidade das águas onde uma mulher mergulha os dedos, e morre. Onde ela ressuscita indefinidamente. - Porque uma mulher toma-me em suas mãos livres e faz de mim um dardo que atira. - Sou amado, multiplicado, difundido. Estou secreto, secreto- e doado às coisas mínimas. Na treva de uma carne batida como um búzio pelas cítaras, sou uma onda. Escorre minha vida imemorial pelos meandros cegos. Sou esperado contra essas veias soturnas, no meio dos ossos quentes. Dizem o meu nome: Torre. E de repente eu sou uma torre queimada pelos relâmpagos. Dizem: ele é uma palavra. E chega o verão, e eu sou exactamente uma Palavra. - Porque me amam até se despedaçarem todas as portas, e por detrás de tudo, num lugar muito puro, todas as coisas se unirem numa espécie de forte silêncio. Herberto Helder


24 de Setembro de 2008

Altman

altman2ys8.jpg azul em fundo


24 de Setembro de 2008

Deambulações Oblíquas

Este poema é absolutamente desnecessário pela simples razão de que poderia nunca ser escrito e ninguém sentiria a sua falta Esta é a sua liberdade negativa a sua vacuidade dinâmica e o movimento da sua abolição a partir do seu vazio inicial Mas qual é a sua matéria qual o seu horizonte? Traçará ele uma linha em torno da sua nulidade e fechar-se-á como uma concha de cabelos ou como um [útero do nada? Ou será a possibilidade extrema de uma presença inesperada que surgiria quando chegasse a essa fronteira branca que já não separaria o ser do nada e no seu esplendor absoluto revelaria a integridade do ser antes de todas as imagens a sua violência inaugural a sua volúvel gestação? António Ramos Rosa


24 de Setembro de 2008

Delicadeza formal

1045338_the_chinese_girl.jpg outro padrão


24 de Setembro de 2008

Terceiro direito

O inferno, aqui. Deve ser normal. Um choro de criança, no andar de cima, sobrepõe-se à música que não ouço e que é talvez de Brel (nenhum quarteto de Mozart serviria agora) Há dias assim. Os guindastes da insónia não seguram a voz, desastre anunciado pela teimosia de pássaros suburbanos. Coisas de muito esquecer, se eu pudesse. Mas o corpo hesita, volta a ser o envelope vazio de um destino por assinar - e que nada tem, neste momento, de «literário», Sinto a luz na garganta, sufoco discretamente, alheio ao excesso . de imagens que me traz o dia. , A alegria, se quiserem, fica para mais tarde. Aqui, de novo, morre-se muito mal Manuel de Freitas


23 de Setembro de 2008

Da simplicidade

(gentileza de Amélia Pais) Not because of victories I sing, having none, but for the common sunshine, the breeze, the largess of the spring. Not for victory but for the day's work done as well as I was able; not for a seat upon the dais but at the common table. Charles Reznikoff em versão portuguesa de Júlia G. Ribeiro: Não é pelas vitórias que eu canto, que as não tive .... mas pela luz do sol, pela brisa, pela generosidade da primavera. Não pela vitória mas pelo dia de trabalho feito tão bem quanto fui capaz; não por um lugar à mesa de honra mas à mesa comum.


23 de Setembro de 2008

Lyonel Feininger

FeiningerChurchMinoritesII_wac_116e.jpg prodígio em forma de luz


23 de Setembro de 2008

Duas vezes nada

É assim, amiga. Encontramo-nos quando calha nos bares de antigamente, deixando que sobre o tampo azul das mesas volte a pousar um baço cemitério de garrafas. Constatamos o pior, os seus aspectos. Corpos e livros que foram ficando por ler na voracidade da noite de Lisboa. De facto, crescemos em alcoolémia, acordamos tarde, em pânico, e perdemos os dias e os dentes com uma espécie de resignação. Não temos, ao que parece, serventia. Sorrimos um pouco, ao terceiro gin, como quem renasce para a morte, seus gestos de ternura ou de exuberância. Talvez tenhamos calculado mal o ângulo da queda, esta vitória sem nobreza dos venenos todos. Mas agora é tarde. Tudo fechou para nós, para sempre. O amor, o desejo, até o onanismo da destruição. Antes de procurares a esmola do último táxi, fica esta imagem parada, a desvanecer-se no frio mais frio da memória: não dois corpos sentados a trocarem medo, cigarros e palavras póstumas, mas duas vezes nada, ninguém, o silêncio da noite destronando as cadeiras onde por razão nenhuma nos sentámos. Os anos, amiga, passaram. Manuel de Freitas


23 de Setembro de 2008

A Casa Diversa

Sem as ruas dispersas casas em pedra basalto domado em formas tramadas urdem tecidos intercalados multicoloridos e desmaiados - o ingresso em outro mundo - as árvores em plantas crescem sobre as paredes que se escondem e explodem em artifícios sem as casas as ruas se transformam e reaparecem nos primeiros caminhos. Pedro Du Bois


23 de Setembro de 2008

Esse Verão

Vinha meio nu Trazia uma cesta de vime cheia de amoras que colhera nas margens do rio Passara a tarde toda de silvado em silvado Na sua mão direita um pequeno arranhão - Tão quente tão quente esse verão Jorge Sousa Braga


22 de Setembro de 2008

Duchamp

duchamp2asu6.jpg outras cores de outono, estação iniciada hoje, às 16h44


22 de Setembro de 2008

Outono

(gentileza de Amélia Pais) Mais uma vez é preciso reaprender o outono - todos nós regressamos ao teu inesgotável rosto Emergem do asfalto aquelas inacreditáveis crianças e tudo incorrigivelmente principia Já na rua se não cruzam olhos como armas recebe-nos de novo o coração E sabe deus a minha humana mão Ruy Belo


22 de Setembro de 2008

Serusier

serusier-paul-07.JPG dias de outono


22 de Setembro de 2008

A dolorosa perfeição da indiferença

Finalement, finalement Il nous fallut bien du talent Pour être vieux sans être adultes Jacques Brel O desespero - percebes finalmente - era uma energia, uma espécie de caminho para quem não tinha passos. Os amigos (se assim lhes podias chamar) encontravam-se à volta de uma garrafa e injuriavam toda a noite o amor de que em breve se fariam escravos. Falavam de quase nada, os olhos parados na música, o corpo disponível para charros, risos e derrotas. Essas ruas, sabes, nunca mais foram assim o rastilho da descrença e o motim da desrazão. Coisas de facto imberbes - navalhas que fingiam a dolorosa perfeição da indiferença. Pouco importa. Outros sinais cresceram, fazendo desses rostos uma porta fechada onde nem pela memória esperas o milagre de encontrar alguém. Deve ser a morte, o fim, isso mesmo que julgavas esconjurar quando punhas flores no gargalo verde e vigiado das garrafas. A luz dos últimos bares tomba agora sobre um corpo esquivo, mais sozinho, que nem sequer nestas palavras acredita. Manuel de Freitas


21 de Setembro de 2008

El viento y el alma

Con tal vehemencia el viento viene del mar, que sus sones elementales contagian el silencio de la noche. Solo en tu cama le escuchas insistente en los cristales tocar, llorando y llamando como perdido sin nadie. Mas no es él quien en desvelo te tiene, sino otra fuerza de que tu cuerpo es hoy cárcel, fue viento libre, y recuerda. Luis Cernuda


21 de Setembro de 2008

Madrigais III (conclusão)

(gentileza de Ana Gomes Ferreira) O que já é bastante considerando que andamos todos ocupados cheios de gente em volta cheia de problemas além do que é sabido em vários continentes que sobretudo tu com tantas traduções não tens tempo agora para nada mas para mim terá sempre de haver tempo porque eu trago o número sete na algibeira contra o qual não há desculpas nem barreiras para te proteger nem queiras nem queiras proteger-te muito tudo muda tão depressa e fica tarde olha que desta vez vai ser ainda mais bizarro do que quando se pensava em linha recta porque a terra era plana e tudo ficou redondo de repente e foi preciso pensar em circunferências para o pensamento fazer algum sentido olha em volta quase ninguém recuperou desse choque ainda agora lá estão eles agarrados uns aos outros com medo de cair desta vez vai mudar mesmo para nós apesar de estarmos prontos para tudo e de termos sabido pressentir como ninguém uma ou duas das verdades que não mudam atenção os nosso filhos vão nascer o nosso exílio no pó eterno das espécies redimidas é preciso que deixemos bem claro que nós também amámos para que eles fossem a mesma humanidade que nós quisemos ser e que sabermos que o mundo ia mudar nunca nos fez renunciar o mundo que nós é que mudámos para além do nosso próprio entendimento. Mas é pena só é pena que de nós não vá ficar ao menos um intrigante leve fumo esverdeado a celebrar o lugar do nosso amor. É pena Helder Macedo


21 de Setembro de 2008

Carpaccio

carpaccio11.JPG o domínio do detalhe


21 de Setembro de 2008

Quanto ao mais, vamos andando

Não mais a literatura, os seus fúteis e imperiosos desígnios - julgamos dizer, insistindo numa ourivesaria do terror e em gestos que sabem o quanto chegam tarde. Quando sós, à boleia do crepúsculo, dizemos coisas assim, mentimos com os dentes todos que não temos. E a mentira (a literatura) é ainda a improvável derrota de que não nos salvaremos nunca. Tão igual à vida, portanto: pouso o copo, recupero o fôlego, fumo uma silepse. Sei que vou morrer. E isso que - talvez - nos diz é uma evidência que escurece (tivemos por amigo o desconforto). Quanto ao mais, vamos andando. Casados ou sozinhos. Mortos. Manuel de Freitas


21 de Setembro de 2008

Setembro, ainda

Por el campo tranquilo de septiembre, del álamo amarillo alguna hoja, como una estrella rota, girando al suelo viene. Si así el alma inconsciente, Señor de las estrellas y las hojas, fuese, encendida sombra, de la vida a la muerte. Luis Cernuda


21 de Setembro de 2008

Vallotton

valloton%2090.jpg exconjuro de todos os pesadelos


21 de Setembro de 2008

Madrigais II

(gentileza de Ana Gomes Ferreira) Certamente por pouco escaparei às balas do inimigo enfurecido merecendo a Cruz de Malta do Avô porque nem os os polícias nem bombeiros serão capazes de me ver verão apenas uma grande montanha de flores caminhando a passo rápido o que até eles concordarão que não é habitual e acharão mesmo bonito e felizmente ninguém se lembra de comentar "olha o Macedo como está mudado o amor transformou-o em arco-íris" porque eu sou muito correcto nessas coisas e teria de parar explicando logo ali que tu é que és todas as cores do arco-íris - mas as flores depressa abre-me a porta depressa antes que caiam todas para o chão e agora ajuda-me a espelhá-las sobre a cama e sobre a mesa e no tapete e põe algumas já no teu cabelo e as outras todas colocarei entre os teus seios e no teu ventre e no teu sexo Chegou a altura de sermos sem vergonha adolescentes quando era o tempo certo era tudo tão confuso e tinha tanto para resolver com grande urgência porque ser português também não ajudava e havia sempre o perigo de me transformar em alfinete de gravata e de ficar ali espetado a lamentar-me a vida toda mas posso agora confessar sem medo o grande e belo medo que me fazes porque tu existires durante a minha vida é o milagre maior da temporada foi mesmo para explicar coisas assim que deus foi inventado porque é mais fácil conceber um deus do que explicar o teu corpo e o meu corpo redescobrindo outra vez desde o princípio que embora o que têm para dizer contenha toda a morte e toda a vida sempre de cada vez conseguem dizer tudo quase tudo. Helder Macedo


21 de Setembro de 2008

Rain

a symphony orchestra. there is a thunderstorm, they are playing a Wagner overture and the people leave their seats under the trees and run inside to the pavilion the women giggling, the men pretending calm, wet cigarettes being thrown away, Wagner plays on, and then they are all under the pavilion. the birds even come in from the trees and enter the pavilion and then it is the Hungarian Rhapsody #2 by Lizst, and it still rains, but look, one man sits alone in the rain listening. the audience notices him. they turn and look. the orchestra goes about its business. the man sits in the night in the rain, listening. there is something wrong with him, isn't there? he came to hear the music. Charles Bukowski


20 de Setembro de 2008

Van Gogh

van_gogh.jpg simplicidade aparente


20 de Setembro de 2008

Rever

Onde estiverem os olhos descansados dos tempos passados estará a imagem permanente do que foi visto o retorno irreal com que o tempo esvaído em lembranças teima o esquecimento momento em que a oportunidade franze a testa ilumina os olhos suspira a noite acoberta o sonho das imagens refletidas no espaço. Pedro Du Bois


20 de Setembro de 2008

Pull A String, A Puppet Moves

each man must realize that it can all disappear very quickly: the cat, the woman, the job, the front tire, the bed, the walls, the room; all our necessities including love, rest on foundations of sand - and any given cause, no matter how unrelated: the death of a boy in Hong Kong or a blizzard in Omaha ... can serve as your undoing. all your chinaware crashing to the kitchen floor, your girl will enter and you'll be standing, drunk, in the center of it and she'll ask: my god, what's the matter? and you'll answer: I don't know, I don't know ... Charles Bukowski


19 de Setembro de 2008

William Morris

WILLIAM-MORRIS-1882-zoom.jpg motivos retirados da natura


19 de Setembro de 2008

Madrigais

(gentileza de Ana Gomes Ferreira) Estou a ver que não tenho outro remédio senão fazer-te mesmo madrigais para que entendas de uma vez por todas o amor que tudo em mim anda a dizer-te há tanto tempo. Vou perfumar já este verso e vou secá-lo recortado na forma duma estrela entre as páginas dum livro edificante, que deixarei na prateleira junto aos discos E entro depois casualmente meditando sobre a morte e a sua vida que nós somos sugerindo a certa altura que entre as páginas do livro perfumado não há talvez resposta para tudo mas pode haver resposta para muito "som, sobre aquilo de que falámos no outro dia" E enquanto lês a estrela que inventei para teu uso pessoal (seria embaraçoso estar presente enquanto lês) vou a correr buscar as flores todas de todos os jardins da vizinhança enfrentando heroicamente ferocíssimos cachorros e o que ainda é mais donas de casa para já nem falar nos jardineiros desolados com razão por lhes ter roubado de um só golpe a primavera toda para ti. Helder Macedo


19 de Setembro de 2008

Vallotton

vallottonnatureza.jpg antevisão do fim de semana


19 de Setembro de 2008

O fardo da memória

Os grandes acontecimentos da vida deixam-nos, com frequência, indiferentes; escapam à consciência e, quando pensamos neles, tornam-se irreais. Até as encarnadas flores da paixão parecem crescer nos mesmos prados das papoilas do olvido. Rejeitamos o fardo da sua memória e tornamo-las irreais dentro de nós. Mas as pequenas coisas, os pequenos instantes, permanecem. Em minúsculas células de marfim, o cérebro retém as mais subtis e fugazes sensações. Oscar Wilde, in O Retrato do Sr. W.H., trad. André Pinto


18 de Setembro de 2008

Silêncios

O silêncio entre eles era cheio de murmúrios, de sombras, de coisas que corriam ao longe, numa época distante, escuras e furtivas. Ou talvez não. Provavelmente ficaram apenas calados, um em frente do outro, porque nada acharam para falar, e eu imaginei o resto. José Eduardo Agualusa, in O Vendedor de Passados


18 de Setembro de 2008

Aunt Helen

Miss Helen Slingsby was my maiden aunt, And lived in a small house near a fashionable square Cared for by servants to the number of four. Now when she died there was silence in heaven And silence at her end of the street. The shutters were drawn and the undertaker wiped his feet-- He was aware that this sort of thing had occurred before. The dogs were handsomely provided for, But shortly afterwards the parrot died too. The Dresden clock continued ticking on the mantelpiece, And the footman sat upon the dining-table Holding the second housemaid on his knees-- Who had always been so careful while her mistress lived. T.S. Eliot


18 de Setembro de 2008

Rafael

474px-Raphael.woman.600pix.jpg frescura antiga


18 de Setembro de 2008

Dos conselhos

É sempre uma tolice dar conselhos, mas dar bons conselhos é absolutamente fatal. Oscar Wilde, in O Retrato do Sr. W.H., trad. André Pinto


17 de Setembro de 2008

Para Quem a Glória

(gentileza de Amélia Pais) A glória, nesta vida, é para quem paga os seus dias com tudo o que possui com pão, com alegria e com sangue para quem espalha as suas dádivas e dissipa os perfumes d'alma, do coração que escorre, gota a gota, do incêndio das dores A pura glória desta vida é só para quem morre por um princípio, uma ideia uma mão-cheia de terra pelo canto de um pássaro nos jardins amáveis por uma mulher com o rosto banhado em lágrimas um sorriso furtivo nas rugas do pai um chilreio nos lábios da criança pelo riso do rio uma tenda que os ventos açoitam de noite a brotar de uma planta na encosta da montanha Hassan Abdallah Al-Qorachi, versão de Muhammad Abdur Rashid Barahona


17 de Setembro de 2008

William Morris

morris%20william.jpg padrão floral


17 de Setembro de 2008

The Couriers

The word of a snail on the plate of a leaf? It is not mine. Do not accept it. Acetic acid in a sealed tin? Do not accept it. It is not genuine. A ring of gold with the sun in it? Lies. Lies and a grief. Frost on a leaf, the immaculate Cauldron, talking and crackling All to itself on the top of each Of nine black Alps. A disturbance in mirrors, The sea shattering its grey one ---- Love, love, my season. Sylvia Plath


17 de Setembro de 2008

Did You Never Know?

Did you never know, long ago, how much you loved me— That your love would never lessen and never go? You were young then, proud and fresh-hearted, You were too young to know. Fate is a wind, and red leaves fly before it Far apart, far away in the gusty time of year— Seldom we meet now, but when I hear you speaking, I know your secret, my dear, my dear. Sara Teasdale


17 de Setembro de 2008

Rivera

rivera124we2.jpg a (re)composição do dia


16 de Setembro de 2008

Ode Pítica I

(excerto) Até coisa de pouca monta se torna grande quando sai de ti. De muitas coisas tens a mordomia. Muitas são as fiéis testemunhas de coisas boas e más. Mantendo-te em florescente disposição, se gostas de ouvir sempre coisas agradáveis a teu respeito, não te canses demasiado dos gastos! Mas como o timoneiro desfralda a vela para o vento. Não sejas enganado, caro amigo, por ganhos vergonhosos: pois só a póstuma proclamação da fama revela a vida de homens que partiram para cronistas e poetas. Não perece a excelência amável de Creso; mas a fama detestável em toda a parte abrange Faláris de espírito cruel, que assava homens em touro de bronze. Não o acolhem as liras sob os tectos em suave consonância com vozes de rapazes. Passar bem é o primeiro de todos os prémios. Ter boa fama é o segundo. Mas o homem que encontra e agarra ambos, recebe a coroa mais sublime de todas. Píndaro, trad. Frederico Lourenço


16 de Setembro de 2008

Sem medo nem ânsia

«E você, é feliz?» «Eu estou finalmente em paz. Não receio nada. Não anseio por nada. Acho que a isto se pode chamar felicidade. Sabe o que dizia Huxley? A felicidade nunca é grandiosa.» «O que vai ser de si?» «Não faço ideia. Provavelmente serei avô». José Eduardo Agualusa, in O Vendedor de Passados


16 de Setembro de 2008

Lyonel Feininger

feininger-lyonel-gaberndorf-i.jpg inclinações


16 de Setembro de 2008

Lua de limão

My thoughts are crabbed and sallow, My tears like vinegar, Or the bitter blinking yellow Of an acetic star. Tonight the caustic wind, love, Gossips late and soon, And I wear the wry-faced pucker of The sour lemon moon. While like an early summer plum, Puny, green, and tart, Droops upon its wizened stem My lean, unripened heart. Sylvia Plath


15 de Setembro de 2008

Serusier

abc_serusier3.jpg paleta de cores para pintar os sonhos


15 de Setembro de 2008

Quimera

(gentileza de Amélia Pais) Por teu amor, destruía a razão e, com ela, todos os pensamentos, e das doces imagens região; alma soltava aos ventos, por teu amor. Por teu amor, árvore era no cume de rocha, verde folhagem vestia, sofrendo raio, temporal em fúria, e no Inverno morreria, por teu amor. Por teu amor, pedra da rocha era, ali no fundo em chama ardente, numa dor insuportável deveras, sofrendo mudamente, por teu amor. Por teu amor, alma solta um dia, a Deus pediria que devolvesse, ornando-me com virtude maior, e, alegre, eu ta daria, Vörösmarty Mihály, trad. Ernesto Rodrigues


15 de Setembro de 2008

Das recordações

A nossa memória alimenta-se, em larga medida, daquilo que os outros recordam de nós. Tendemos a recordar como sendo nossas as recordações alheias - inclusive as fictícias. José Eduardo Agualusa, in O Vendedor de Passados


15 de Setembro de 2008

Vallotton

vallonton%20felix.jpg em suspenso por uns tempos...


14 de Setembro de 2008

Declarações

As declarações de amor, mesmo as mais ridículas, comovem as mulheres. José Eduardo Agualusa, in O Vendedor de Passados


14 de Setembro de 2008

Soneto à Liberdade

Primeiro tu virás, depois a tarde com terras, mares, algas, vento, peixes. trarás, no ventre, a marca das idades e a inquietude dos pássaros libertos. virás para o enorme do silêncio flor boiando na órbita das águas tu não verás o fúnebre das horas nem o canto final do sol poente. primeiro tu virás, depois a tarde sem desejos e amor. virás sozinha como o nome saudade. virás única. eu não terei a posse do teu corpo nem me batizarei na tua essência, mas tu virás primeiro e eu morro livre. Manuel Lopes


13 de Setembro de 2008

Em boa verdade...

Simpatizo com paixões impossíveis. Sou, ou fui, um especialista nisso. José Eduardo Agualusa, in O Vendedor de Passados


13 de Setembro de 2008

Dos privilégios

Não há nada tão importante como o privilégio do amor. Jaime Roriz


13 de Setembro de 2008

Santa Luzia

santa%20luzia01a.jpg entardecer na Ria Formosa


13 de Setembro de 2008

Fish Crier

I Know a Jew fish crier down on Maxwell Street with a voice like a north wind blowing over corn stubble in January. He dangles herring before prospective customers evincing a joy identical with that of Pavlowa dancing. His face is that of a man terribly glad to be selling fish, terribly glad that God made fish, and customers to whom he may call his wares, from a pushcart. Carl Sandburg


13 de Setembro de 2008

Juan Gris

juan-gris-1887-1927-guitar-on-a-chair-www.artchive.com.jpg a forma da cor


13 de Setembro de 2008

Música Ligeira

(gentileza de Jaime Roriz) Nem a tristeza Me pesa Se te encontras a meu lado Mas onde estás, minha linda Que te não vi hoje ainda?... Por onde é que tens andado? Onde foste Que assim nada há que eu goste, De mim próprio separado? Valha-te Deus, não me deixes! Se me deixas, não te queixes Do mal que tenhas causado. Bem sabes que é noite o dia Que estou de ti apartado E a noite negra alumia Quando estamos lado a lado. Que o meu corpo nem é meu Se do teu Se vê cortado. Que tu sem mim, Sem ti eu Mentimos ambos ao Fado. Que o mundo é isto: nós dois, Peito com peito Somado. E venha a morte depois, Que o calor do nosso leito Será mais forte Que a morte! Será vida em duplicado! José Régio


12 de Setembro de 2008

The Red Poppy

The great thing is not having a mind. Feelings: oh, I have those; they govern me. I have a lord in heaven called the sun, and open for him, showing him the fire of my own heart, fire like his presence. What could such glory be if not a heart? Oh my brothers and sisters, were you like me once, long ago, before you were human? Did you permit yourselves to open once, who would never open again? Because in truth I am speaking now the way you do. I speak because I am shattered. Louise Glück


12 de Setembro de 2008

Vallotton

vallottonpraia.jpg rumo ao sul


11 de Setembro de 2008

A Realidade Inclinada

O teu corpo é um território sim deixa-me pensar que é assim e assim o percorro em círculos não o percorro sim apenas nele sinto texturas cores cheiros ecos mas penso em obstáculos não não digas não é um território é digo eu e digo e com fronteiras por isso a progressão deve ousar também não se pode parar não há tempo o que falta não é tempo não existe fim para esta expedição. Carlos Alberto Machado


11 de Setembro de 2008

Tu estás aqui

Estás aqui comigo à sombra do sol escrevo e oiço certos ruídos domésticos e a luz chega-me humildemente pela janela e dói-me um braço e sei que sou o pior aspecto do que sou Estás aqui comigo e sou sumamente quotidiano e tudo o que faço ou sinto como que me veste de um pijama que uso para ser também isto este bicho de hábitos manias segredos defeitos quase todos desfeitos quando depois lá fora na vida profissional ou social só sou um nome e sabem o que sei o que faço ou então sou eu que julgo que o sabem e sou amável selecciono cuidadosamente os gestos e escolho as palavras e sei que afinal posso ser isso talvez porque aqui sentado dentro de casa sou outra coisa esta coisa que escreve e tem uma nódoa na camisa e só tem de exterior a manifestação desta dor neste braço que afecta tudo o que faço bem entendido o que faço com este braço Estás aqui comigo e à volta são as paredes e posso passar de sala para sala a pensar noutra coisa e dizer aqui é a sala de estar aqui é o quarto aqui é a casa de banho e no fundo escolher cada uma das divisões segundo o que tenho a fazer Estás aqui comigo e sei que só sou este corpo castigado passado nas pernas de sala em sala. Sou só estas salas estas paredes esta profunda vergonha de o ser e não ser apenas a outra coisa essa coisa que sou na estrada onde não estou à sombra do sol Estás aqui e sinto-me absolutamente indefeso diante dos dias. Que ninguém conheça este meu nome este meu verdadeiro nome depois talvez encoberto noutro nome embora no mesmo nome este nome de terra de dor de paredes este nome doméstico Afinal fui isto nada mais do que isto as outras coisas que fiz fi-las para não ser isto ou dissimular isto a que somente não chamo merda porque ao nascer me deram outro nome que não merda e em princípio o nome de cada coisa serve para distinguir uma coisa das outras coisas Estás aqui comigo e tenho pena acredita de ser só isto pena até mesmo de dizer que sou só isto como se fosse também outra coisa uma coisa para além disto que não isto Estás aqui comigo deixa-te estar aqui comigo é das tuas mãos que saem alguns destes ruídos domésticos mas até nos teus gestos domésticos tu és mais que os teus gestos domésticos tu és em cada gesto todos os teus gestos e neste momento eu sei eu sinto ao certo o que significam certas palavras como a palavra paz Deixa-te estar aqui perdoa que o tempo te fique na face na forma de rugas perdoa pagares tão alto preço por estar aqui perdoa eu revelar que há muito pagas tão alto preço por estar aqui prossegue nos gestos não pares procura permanecer sempre presente deixa docemente desvanecerem-se um por um os dias e eu saber que aqui estás de maneira a poder dizer sou isto é certo mas sei que tu estás aqui Ruy Belo


11 de Setembro de 2008

Vallotton

valloton%20mulher.JPG olhar o dia


11 de Setembro de 2008

As velas da memória

Há nos silvos que as manhãs me trazem chaminés que se desmoronam: são a infância e a praia os sonhos de partida Abrir esse portão junto ao vento que a vida aquém ou além desta me abre? Em queoutro mundo ouvi o rouxinol tão leve que o voo lhe aumentava as asas? Onde adiava ele a morte contra os dias essa primeira morte? Vinham núpcias sem conto na inconcebível voz Que plenitude aquela: cantar como quem não tivesse nenhum pensamento. Quem me deixou de novo aqui sentado à sombra deste mês de junho? Como te chamas tu que me enfunas as velas da memória ventilando: «aquela vez...»? Quando aonde foi em que país? Que vento faz quebrar nas costas destes dias as ondas de uma antiga música que ouvida obriga a recuar a noite prometida em círculos quebrados para além das dunas fazendo regressar rebanhos de alegrias abrindo em plena tarde um espaço ao amor? Que morte vem matar a lábil curva da dor? Que dor me faz doer de não ter mais que morrer? E ouve-se o silêncio descer pelas vertentes da tarde chegar à boca da noite e responder Ruy Belo


11 de Setembro de 2008

Primeiro que o fogo

O homem está dobrado sobre a mesa, as palmas das mãos presas ao tampo, a morte na nuca. Em redor as mulheres delimitam a casa, são os pulsos da casa, e há um silêncio como uma pedra rasgada. Mas hão-de apagar-se as mulheres primeiro que o fogo. Jorge Melícias


10 de Setembro de 2008

They Did Not Expect This

They did not expect this. Being neither wise nor brave And wearing only the beauty of youth's season They took the first turning quite unquestioningly And walked quickly without looking back even once. It was of course the wrong turning. First they were nagged By a small wind that tugged at their clothing like a dog; Then the rain began and there was no shelter anywhere, Only the street and the rows of houses stern as soldiers. Though the blood chilled, the endearing word burnt the tongue. There were no parks or gardens or public houses: Midnight settled and the rain paused leaving the city Enormous and still like a great sleeping seal. At last they found accommodation in a cold Furnished room where they quickly learnt to believe in ghosts; They had their hope stuffed and put on the mantelpiece But found, after a while, that they did not notice it. While she spends many hours looking in the bottoms of teacups He reads much about association football And waits for the marvellous envelope to fall: Their eyes are strangers and they rarely speak. They did not expect this. Vernon Scannell


10 de Setembro de 2008

Serusier

serusier.jpg tríptico em fim de estação


10 de Setembro de 2008

Apontamento

A minha alma partiu-se como um vaso vazio. Caiu pela escada excessivamente abaixo. Caiu das mãos da criada descuidada. Caiu, fez-se em mais pedaços do que havia loiça no vaso. Asneira? Impossível? Sei lá! Tenho mais sensações do que tinha quando me sentia eu. Sou um espalhamento de cacos sobre um capacho por sacudir. Fiz barulho na queda como um vaso que se partia. Os deuses que há debruçam-se do parapeito da escada. E fitam os cacos que a criada deles fez de mim. Não se zanguem com ela. São tolerantes com ela. O que era eu um vaso vazio? Olham os cacos absurdamente conscientes, Mas conscientes de si mesmos, não conscientes deles. Olham e sorriem. Sorriem tolerantes à criada involuntária. Alastra a grande escadaria atapetada de estrelas. Um caco brilha, virado do exterior lustroso, entre os astros. A minha obra? A minha alma principal? A minha vida? Um caco. E os deuses olham-no especialmente, pois não sabem por que ficou ali. Álvaro de Campos


10 de Setembro de 2008

Magnólias e peónias

magn%C3%B3lias%20e%20pe%C3%B3nias%20china.jpg florir o dia


10 de Setembro de 2008

Translation of eternity

Lover,lead forth thy love unto that bed prepared by whitest hands of waiting years, curtained with wordless worship absolute, unto the certain altar at whose head stands that clear candle whose expecting breath exults upon the tongue of flame half-mute, (haste ere some thrush with silver several tears complete the perfumed paraphrase of death). Now is the time when all occasional things close into silence,only one tree,one svelte translation of eternity unto the pale meaning of heaven clings, (whose million leaves in winsome indolence simmer upon thinking twilight momently) as down the oblivious west's numerous dun magnificence conquers magnificence. e.e. cummings


10 de Setembro de 2008

Amares

Ao poeta nau atravessada palavras sobrepostas cargas em porões os ratos as traças o traçado do rio mar atravessado o convés vislumbrado na torre anunciada terra à vista o salto o passo a terra firme a palavra traduzida no alvor do dia em que sulca mares e a terra grávida de palavras trazidas ao tombadilho em porões de ratos e traças de descarregadas palavras como trilhas. Pedro Du Bois


9 de Setembro de 2008

Louis Anquetin

Louis%20Anquetin.jpg estado de alma


9 de Setembro de 2008

El deseo

El deseo: pájaro negro en la noche, abre sus alas y golpea. Muerta el alma el deseo la hace espuma, los caballos del mar ya no están quietos, se exaltan y pierden. El hombre se mueve, en esa marea ahoga sus sentidos. El deseo, no es un sentir apenas, yo lo he visto enrojecer los labios de los muertos. Silvia Tomasa Rivera


9 de Setembro de 2008

Consummation Of Grief

I even hear the mountains the way they laugh up and down their blue sides and down in the water the fish cry and the water is their tears. I listen to the water on nights I drink away and the sadness becomes so great I hear it in my clock it becomes knobs upon my dresser it becomes paper on the floor it becomes a shoehorn a laundry ticket it becomes cigarette smoke climbing a chapel of dark vines. . . it matters little very little love is not so bad or very little life what counts is waiting on walls I was born for this I was born to hustle roses down the avenues of the dead. Charles Bukowski


9 de Setembro de 2008

Vallotton

felix_valloton_baigneuse.jpg um céu de Setembro, à beira do equinócio


9 de Setembro de 2008

Um Barco para Ítaca

Quando um homem se põe a caminhar deixa um pouco de si pelo caminho. Vai inteiro ao partir repartido ao chegar O resto fica sempre no caminho quando um homem se põe a caminhar. Fica sempre no caminho um recordar fica sempre no caminho um pouco mais do que tinha ao partir do que tem ao chegar Fica um homem que não volta nunca mais quando um homem se põe a caminhar. Vão-se os rios sem margens para o mar Ai rio da memória: só imagens O mais é só um verde recordar é um ficar (sem as levar) nas verdes margens quando um homem se põe a caminhar. Manuel Alegre


8 de Setembro de 2008

Vallotton

La%20Lecture%20abandonn%C3%A9e%20-%20F%C3%A9lix%20Valloton.jpg a leitura antes de dormir


8 de Setembro de 2008

Estou Escondido na Cor Amarga do Fim da Tarde

estou escondido na cor amarga do fim da tarde. sou castanho e verde no campo onde um pássaro caiu. sinto a terra e o orgulho por ter enlouquecido. produzo o corpo por dentro e sou igual ao que vejo. suspiro e levanto vento nas folhas e frio e eco. peço às nuvens para crescer. passe o sol por cima dos meus olhos no momento em que o outono segue à roda do meu tronco e, assim que me sinta queimado, leve-me o sol as cores e reste apenas o odor intenso e o suave jeito dos ninhos ao relento valter hugo mãe


8 de Setembro de 2008

Da posse

Ínvios são os caminhos da posse. Invio láveis. Albano Martins


8 de Setembro de 2008

La Farge

la_farge.jpg azul em flor


8 de Setembro de 2008

Das Distâncias Permanentes

A poesia testemunha o rio sob a porta: deixa nas margens a sujeira do presente útil revoada do pássaro em busca de sobrevida no entretanto o político falseia a voz e a promessa não se concretiza em atos de bem comum o discurso poético predispõe o mito como verdade: a realidade na plataforma impede a saída da composição a afirmação derruba a rima: atrás se esconde o ladrão assustado com a responsabilidade de ser poeta e usar o receptáculo para alterar o dom e o esforço em se fazer melhor. Pedro Du Bois


8 de Setembro de 2008

Iniciação ao Remorso

Há a boca pisada de pedras, e o remorso é uma parede mordida pelo eco. A mulher fechou-se no quarto com a noite entre as mãos. Está funda na casa. Mas partidas todas as lâmpadas a cegueira é ainda uma forma de ver. Jorge Melícias


8 de Setembro de 2008

Vuillard

vuillard.jpg Sair por obrigação, ou da rentrée compulsiva


8 de Setembro de 2008

Out Of The Arms Of One Love...

out of the arms of one love and into the arms of another I have been saved from dying on the cross by a lady who smokes pot writes songs and stories and is much kinder than the last, much much kinder, and the sex is just as good or better. it isn't pleasant to be put on the cross and left there, it is much more pleasant to forget a love which didn't work as all love finally doesn't work ... it is much more pleasant to make love along the shore in Del Mar in room 42, and afterwards sitting up in bed drinking good wine, talking and touching smoking listening to the waves ... I have died too many times believing and waiting, waiting in a room staring at a cracked ceiling wating for the phone, a letter, a knock, a sound ... going wild inside while she danced with strangers in nightclubs ... out of the arms of one love and into the arms of another it's not pleasant to die on the cross, it is much more pleasant to hear your name whispered in the dark. Charles Bukowski


8 de Setembro de 2008

Mamma Mia!

Loja dos Pins - TXT238
LOJADOSPINS.COM
Um musical é sempre um género arriscado, ainda mais no século XXI, virado para um cinema de acção - e esse risco acentua-se naturalmente se é construído a partir de músicas pop dos anos setenta e oitenta, da autoria dos ABBA, um grupo sueco que ganhava festivais Eurovisão da canção: Mamma Mia! é tudo isto, mas sobretudo o kitsch ao serviço do puro gozo, entretenimento e convivência com memórias, próprias e alheias, colectivas, geracionais, em suma. Meryl Streep é uma actriz fulgurante e o filme gira em torno dela - acompanhada pelo talento das suas partenaires e pela beleza perfeita de Amanda Seyfried. A ver por quem andava por cá nos longínquos anos oitenta...


8 de Setembro de 2008

Por inteiro

e na palma da tua mão busco ternura sem contar meses, anos, dias, sem saber dizer se já te chorei por inteiro o suficiente para não voltar a perder-te. Vasco Gato


7 de Setembro de 2008

Dunoyer de Segonzac

Andre%20Dunoyer%20de%20Segonzac.jpg um modernismo bem francês


7 de Setembro de 2008

O mesmo nome

Hesito muito antes da palavra. porque um precipício se abre nela e não tem sentido, vibra apenas. porque pode ser a morte ou o nascimento para um lugar de cores e fadas e barcos de sol. porque me doem as mãos cada vez que tento segurar o mundo em traços redondos quadrados. por isso te digo: hesito e morro e nasço. e corro para a rua com a força de quem vai anunciar gritar chamar dizer. mas lá fora sorrio apenas enquanto caminho para um banco de jardim, devagarinho, como se por um momento eu soubesse o nome de tudo e tudo tivesse o mesmo nome. Vasco Gato


7 de Setembro de 2008

Vallotton

vallotton_ballon_512x400.jpg a tarde vista de cima


7 de Setembro de 2008

A hegemonia da sombra

Trespassa a hegemonia da sombra e descobrirás o ocluso coração da luz. O negro é apenas a cor onde todas as cores repousam. Não interrogues o dia sobre a miríade de tons em que ele se imprime. Procura a penumbra e ela responder-te-á com todo o contraste que lhe está negado. Jorge Melícias


7 de Setembro de 2008

Perto do fogão

Ponho a sopa a aquecer num tacho pequeno. sentado perto do fogão, pouso os braços na mesa vazia. Encosto ligeiramente a cabeça na parede enquanto ouço o som da sopa ao lume. Passados uns minutos, uma pequena sombra percorre tranquilamente a parede, mergulhando na penumbra o relógio, uma factura da E.D.P., o calendário, a fotografia de família... A ligeira corrente de ar que passa perto de mim leva o meu ouvido na direcção do pequeno rádio portátil, que toca baixinho, e deixa-me o outro ouvido sobre o fogão. Fico à escuta. Dentro de mim vou remisturando uma música que desenha no meu espírito imagens, algumas delas são bem fáceis de visualizar mas outras são tão simples que se perdem, deixando-me abandonado no ar, rodeado de uma luz ligeira e suave. João Miguel Queirós


7 de Setembro de 2008

Deflagração

O poema são fogueiras levantadas na garganta ou um sono inclinado sobre as facas. Alguém diz, a prumo todos os nomes queimam, e há uma deflagração assombrosa, a palavra acende-se com uma árvore de sangue ao centro. Jorge Melícias


7 de Setembro de 2008

Ukiyo-e

Ukiyoe-23.jpg elegância dominical


6 de Setembro de 2008

The Fury Of Overshoes

They sit in a row outside the kindergarten, black, red, brown, all with those brass buckles. Remember when you couldn't buckle your own overshoe or tie your own overshoe or tie your own shoe or cut your own meat and the tears running down like mud because you fell off your tricycle? Remember, big fish, when you couldn't swim and simply slipped under like a stone frog? The world wasn't yours. It belonged to the big people. Under your bed sat the wolf and he made a shadow when cars passed by at night. They made you give up your nightlight and your teddy and your thumb. Oh overshoes, don't you remember me, pushing you up and down in the winter snow? Oh thumb, I want a drink, it is dark, where are the big people, when will I get there, taking giant steps all day, each day and thinking nothing of it? Anne Sexton


6 de Setembro de 2008

Jean-Marc Nattier

Nattier%2C%20Jean-Marc%20Thalia.jpg Thalia, a comediante


6 de Setembro de 2008

Da estranheza

Estranhos são os desejos das mulheres nas Artes de foguear a paixão - nunca se lhes percebe se há um tempo, um lugar, um símbolo ou uma figura, ou isto tudo junto, que lhes irrompe o coração em turbulência e o espírito em agitação. Pedro Almeida Vieira, in Nove Mil Passos


6 de Setembro de 2008

À força do nome

Na ponta dos dedos batem as palavras sísmicas. E a testa abre-se profusamente à força do nome. Digo: aquele que escreve infunde o prodígio, respira ao cimo com a luz nos pulmões, atravessa como se florisse nos abismos. Jorge Melícias


6 de Setembro de 2008

Carle van Loo

Carle%20Van%20Loo.jpg as mesmas Graças, um outro olhar


6 de Setembro de 2008

So Now?

the words have come and gone, I sit ill. the phone rings, the cats sleep. Linda vacuums. I am waiting to live, waiting to die. I wish I could ring in some bravery. it's a lousy fix but the tree outside doesn't know: I watch it moving with the wind in the late afternoon sun. there's nothing to declare here, just a waiting. each faces it alone. Oh, I was once young, Oh, I was once unbelievably young! Charles Bukowski


5 de Setembro de 2008

Espaços Desocupados

Em cada construção reconheço a terra sobre o concreto armado sei do detalhe do calçamento sei da história desaparecida sei dos fundamentos enterrados sei das paredes erguidas sei dos interiores pórticos sei das árvores e dos frutos não sei quem habita as casas diferentes do meu passado: os que vieram de fora, os filhos dos que ficaram, os que se multiplicaram as construções ao inverso desconstroem minhas imagens embaçam as lembranças ir embora é exercício permanente de melancolia e saudade. Pedro Du Bois


5 de Setembro de 2008

Ingres

Madame%20Duvaucey.gif Madame Duvaucey, ou a serenidade neoclássica


5 de Setembro de 2008

Chuva

(gentileza de Amélia Pais) Quando a chuva cai, impiedosa e rija, encharcando de lágrimas os telhados das casas todas... Quando a chuva cai, dolorosa e triste, de um céu pesado de amargura e acusação,... agonias esquecidas nos sobem outra vez no peito... (ah! essa sensação de nada se ter feito!...) ...a lembrança das horas inúteis, dos anseios desprezados, dos gestos impiedosamente deturpados... Quando a chuva cai, toda a agonia de uma vida mesquinha, nos invade outra vez... para que a natureza não chore sozinha... Alda Lara


5 de Setembro de 2008

Quase uma Natureza Morta

Um braço de rio que se solta da margem os ramos prolongam, na água, a nostalgia de terra. A pureza da luz não atravessa a superfície para se perder num fundo que não se adivinha (ali, onde a corrente faz saltar as espumas do centro, ninguém se aventura - mesmo que as pedras separem o curso branco das águas). «Que é isto?», perguntas. A parábola capital a tua vida cortada ao meio, como se não houvesse uma direcção única a prosseguir até ao fim. «Nem no amor?» Porém, a tarde traz consigo o frio, a visão transparente dos montes, e até o canto dos pássaros parece mais nítido, como se nenhuma outra vibração o contaminasse. Respiro contigo o conhecimento da realidade mesmo que ele passe pela descoberta de outra vida, pelo contacto entre duas solidões, ou apenas por uma breve hesitação antes que os lábios se toquem, levando um e outro a saltar a outra margem - a mais abstracta a que apenas separa um corpo de outro corpo e, por cima disso, define os limites da razão e do sentimento. Nuno Júdice


5 de Setembro de 2008

Hans Baldung

3gra%C3%A7asbaldung.jpg as três graças iluminando um dia cinzento


5 de Setembro de 2008

The Silken Tent

She is as in a field a silken tent At midday when the sunny summer breeze Has dried the dew and all its ropes relent, So that in guys it gently sways at ease, And its supporting central cedar pole, That is its pinnacle to heavenward And signifies the sureness of the soul, Seems to owe naught to any single cord, But strictly held by none, is loosely bound By countless silken ties of love and thought To everything on earth the compass round, And only by one's going slightly taut In the capriciousness of summer air Is of the slightest bondage made aware. Robert Frost


4 de Setembro de 2008

Dá-me tua mão

Dá-me tua mão E eu te levarei aos campos musicados pela canção das colheitas Cheguemos antes que os pássaros nos disputem os frutos, Antes que os insetos se alimentem das folhas entreabertas. Dá-me tua mão E eu te levarei a gozar a alegria do solo agradecido, Te darei por leito a terra amiga E repousarei tua cabeça envelhecida Na relva silenciosa dos campos. Nada te perguntarei, Apenas ouvirás o cantar das águas adolescentes E as palavras do meu olhar sobre tua face muito amada. Adalgisa Nery


4 de Setembro de 2008

Da construção

Um literato consegue construir toda uma pessoa a partir de um único gesto, com os membros que forem necessários para ela fazer esse gesto e ainda com outros membros que para o caso sejam úteis. Constrói-a, mas não crê nela, e ama-a especialmente se puder crer nela como sua imaginação, desde que porém saiba mover-se na terra real e seja iluminada pelo sol de cada dia. E, se tal construção já existir, ele não se dará conta, porque isso não tem importância alguma para o seu pensamento. Italo Svevo, in Um embuste perfeito, trad.Vasco Gato


4 de Setembro de 2008

Lyonel Feininger

feininger_gelmeroda_IX.jpg a geometria da luz


4 de Setembro de 2008

Celery

Celery, raw Develops the jaw, But celery, stewed, Is more quietly chewed. Ogden Nash


4 de Setembro de 2008

As Pessoas Nominadas

História recontada de cantos escuros submersos aos tempos recuperados na estética ética forma de rememorar personagens abreviados de nós o mito transfigurado na realidade de sonhos transformados em nuvens férteis na imaginação das crianças o homem em marcha canta conta refaz o caminho refeito o trajeto, o tiro que matou o poeta o dia e a noite se faziam escuros. Pedro Du Bois


4 de Setembro de 2008

Frei Carlos

carlos_anunciacao1.jpg Anunciação, ou a certeza da mudança


4 de Setembro de 2008

Flowers

Flowers—Well—if anybody Can the ecstasy define— Half a transport—half a trouble— With which flowers humble men: Anybody find the fountain From which floods so contra flow— I will give him all the Daisies Which upon the hillside blow. Too much pathos in their faces For a simple breast like mine— Butterflies from St. Domingo Cruising round the purple line— Have a system of aesthetics— Far superior to mine. Emily Dickinson


3 de Setembro de 2008

Das coisas não ditas

As coisas não ditas têm uma vida menos evidente do que aquelas que foram reveladas pelas palavras, mas assim que adquirem esta vida não a deixam diminuir por outras palavras apenas. Italo Svevo, in Um embuste perfeito, trad.Vasco Gato


3 de Setembro de 2008

Há sol na rua

Há sol na rua Gosto do sol mas não gosto da rua Então fico em casa À espera que o mundo venha Com as suas torres douradas E as suas cascatas brancas Com suas vozes de lágrimas E as canções das pessoas que são alegres Ou são pagas para cantar E à noite chega um momento Em que a rua se transforma noutra coisa E desaparece sob a plumagem Da noite cheia de talvez E dos sonhos dos que estão mortos Então saio para a rua Ela estende-se até à madrugada Um fumo espraia-se muito perto E eu ando no meio da água seca . Da água áspera da noite fresca O sol voltará em breve Boris Vian


3 de Setembro de 2008

Ingres

rafael%20e%20a%20fornarina%20ingres.gif retrato imaginado de Rafael, com a mítica Fornarina


3 de Setembro de 2008

Não sei

não sei se o nevoeiro não abrir como posso eu encontrar caminhos por entre esses silvados as valas não as sinto nem os chocalhos dão sinais não seise o nevoeiro que as árvores soltam-se do cinzento só por momentos o silêncio tapa-me a visão não ouço o horizonte posso ficar assim parado sem medidas flutuando entre o orvalho e a erva silencioso e solto Henrique Ruivo


3 de Setembro de 2008

Com efeito

É preciso algo mais que palavras para sarar as feridas produzidas pelas palavras. Italo Svevo, in Um embuste perfeito, trad.Vasco Gato


3 de Setembro de 2008

Gostaria

Gostaria De vir a ser um grande poeta E que as pessoas Me pusessem Muitos louros na cabeça Mas aí está Não tenho Gosto suficiente pelos livros E penso demais em viver E penso demais nas pessoas Para estar sempre contente De só escrever vento Boris Vian


3 de Setembro de 2008

Hugo Pratt

HugoPratt%20corto%20maltese.jpg Corto Maltese, ou um azul imaginado


3 de Setembro de 2008

Crença

Acreditava que em todos os países civilizados os direitos ao embuste se encontrassem reconhecidos. Italo Svevo, in Um embuste perfeito, trad.Vasco Gato


3 de Setembro de 2008

Primeiros conselhos do outono

Ouve tu, meu cansado coração, O que te diz a voz da natureza: - «Mais te valera, nu e sem defesa, Ter nascido em aspérrima solidão, Ter gemido, ainda infante, sobre o chão Frio e cruel da mais cruel deveza, Do que embalar-te a Fada da Beleza, Como embalou, no berço da Ilusão! Mais valera à tua alma visionária, Silenciosa e triste ter passado Por entre o mundo hostil e a turba vária, (Sem ver uma só flor das mil, que amaste,) Com ódio e raiva e dor - que ter sonhado Os sonhos ideais que tu sonhaste!» - Antero de Quental


2 de Setembro de 2008

Josefa de Óbidos

josefa_madalena1.jpg Madalena, ou da escuridão


2 de Setembro de 2008

Experiência

Experimento um grito Contra o teu silêncio Experimento um silêncio Entro e saio De mãos pálidas nos bolsos Alexandre O´Neill


2 de Setembro de 2008

Dos (pre)conceitos

Pode dizer-se que Mario não era um mau observador, mas que era, infelizmente, um observador literário, daqueles podem ser trapaceados com o mínimo esforço, pois sabem fazer aobservação exacta para de imediato a deformarem à força de conceitos. Ora, os conceitos jamais faltam a quem tem um pouco de experiência nesta vida, onde as mesmas linhas e as mesmas cores se adaptam às mais variada coisas, que apenas o literato recorda na sua totalidade. Italo Svevo, in Um embuste perfeito, trad.Vasco Gato


2 de Setembro de 2008

Nascimento último

Como se não tivesse substância e de membros apagados. Desejaria enrolar-me numa folha e dormir na sombra. E germinar no sono, germinar na árvore. Tudo acabaria na noite, lentamente, sob uma chuva densa. Tudo acabaria pelo mais alto desejo num sorriso de nada. No encontro e no abandono, na última nudez, respiraria ao ritmo do vento, na relação mais viva. Seria de novo o gérmen que fui, o rosto indivisível. E ébrias as palavras diriam o vinho e a argila e o repouso do ser no ser, os seus obscuros terraços. Entre rumores e rios a morte perder-se-ia. António Ramos Rosa


2 de Setembro de 2008

Seymour Fogel

Seymour%20Fogel%E2%80%99s%20Industrial%20Life%20%281941%29.jpg Industrial Life (1941)


1 de Setembro de 2008

Lyonel Feininger

l%20feininger.jpg azul em fim de dia


1 de Setembro de 2008

Andar

Su andar es largo como la tarde, la tarde, es ella quien es el alba. La espalda de sus pasos es larga como la sombra, la sombra es ella quien es la noche. La tarde es alarga; más larga es la noche. La nada es larga como el camino, el camino que es el recuerdo de ella quien es el paso. Ricardo Quijano


1 de Setembro de 2008

Vieira Portuense

portuense_pintura1.jpg pintando a pintora


1 de Setembro de 2008

After Apple Picking

My long two-pointed ladder's sticking through a tree Toward heaven still. And there's a barrel that I didn't fill Beside it, and there may be two or three Apples I didn't pick upon some bough. But I am done with apple-picking now. Essence of winter sleep is on the night, The scent of apples; I am drowsing off. I cannot shake the shimmer from my sight I got from looking through a pane of glass I skimmed this morning from the water-trough, And held against the world of hoary grass. It melted, and I let it fall and break. But I was well Upon my way to sleep before it fell, And I could tell What form my dreaming was about to take. Magnified apples appear and reappear, Stem end and blossom end, And every fleck of russet showing clear. My instep arch not only keeps the ache, It keeps the pressure of a ladder-round. And I keep hearing from the cellar-bin That rumbling sound Of load on load of apples coming in. For I have had too much Of apple-picking; I am overtired Of the great harvest I myself desired. There were ten thousand thousand fruit to touch, Cherish in hand, lift down, and not let fall, For all That struck the earth, No matter if not bruised, or spiked with stubble, Went surely to the cider-apple heap As of no worth. One can see what will trouble This sleep of mine, whatever sleep it is. Were he not gone, The woodchuck could say whether it's like his Long sleep, as I describe its coming on, Or just some human sleep. Robert Frost


1 de Setembro de 2008

Aforismo

As mulheres aprendem a sentir muito mais depressa do que os homens a pensar. Voltaire, in O ingénuo, trad. João Gaspar Simões


1 de Setembro de 2008

Setembro

361px-Les_Tr%C3%A8s_Riches_Heures_du_duc_de_Berry_septembre.jpg a vindima no castelo de Saumur, começada pela arte dos irmãos Limbourg e completada setenta anos depois por Jean Colombe