Modus vivendi

"bene senescere sine timore nec spe"

blogue de Ana Roque

Arquivo de novembro 2005


30 de Novembro de 2005

Magritte

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30 de Novembro de 2005

Desencontro

eu disse: tenho sede tu disseste: nada sabes do destino das águas eu disse: tenho medo tu disseste: das águas nascem sedas eu disse: por esse rio não vou tu disseste: desliza na memória quente da seiva que nos agita eu disse: é fundo o sentido da corrente tu disseste: há tábuas onde o sol flutua eu disse: nos tojos o orvalho escorre tu disseste: e nele a vertigem da luz transitiva a miragem dos paraísos vegetais a razão da raíz a lucidez do sol magnífico no incontrolável desejo do olhar eu disse: eu quero a água; eu quero a seda; eu vou no rio; eu sou a tábua e tu disseste: eu sou o destino; eu sou a viagem; eu sou o sol; eu sou a mágoa Emanuel de Sousa


30 de Novembro de 2005

Mais - Menos

Quero dizer mais e digo: mais Mas cada vez digo menos o mais que sei e sinto Ana Hatherly


29 de Novembro de 2005

Balas de insulto

um fusil com balas de insulto pede-me a pontaria certa para a queda. a ferida entreaberta que desce o corpo , atabalhoadamente , sem cores, talvez rubra , talvez não , chama-me. doem-me as mortes , até as verdadeiras. como se fossem falsas , como se me agonizassem sem que eu peça que mintam. são mentira, as balas de insulto , de fel insulto. é mentira a arma com que se dispara a emoção , ou as rajadas de emoção. a inércia dá à costa , e as lágrimas dispõem-se em areal para a receber. então eu marco um lanche na minha agenda. um lanche comigo mesmo, ao qual não chegarei a tempo. tenho fome, tenho fome de um fusil de verdade. Nuno Travanca


29 de Novembro de 2005

Carpaccio

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29 de Novembro de 2005

Any Wife To Any Husband (II)

I have but to be by thee, and thy hand Would never let mine go, thy heart withstand The beating of my heart to reach its place. When should I look for thee and feel thee gone? When cry for the old comfort and find none? Never, I know! Thy soul is in thy face. Robert Browning


29 de Novembro de 2005

Ash Wednesday

I Because I do not hope to turn again Because I do not hope Because I do not hope to turn Desiring this man's gift and that man's scope I no longer strive to strive towards such things (Why should the agèd eagle stretch its wings?) Why should I mourn The vanished power of the usual reign? Because I do not hope to know The infirm glory of the positive hour Because I do not think Because I know I shall not know The one veritable transitory power Because I cannot drink There, where trees flower, and springs flow, for there is nothing again Because I know that time is always time And place is always and only place And what is actual is actual only for one time And only for one place I rejoice that things are as they are and I renounce the blessèd face And renounce the voice Because I cannot hope to turn again Consequently I rejoice, having to construct something Upon which to rejoice And pray to God to have mercy upon us And pray that I may forget These matters that with myself I too much discuss Too much explain Because I do not hope to turn again Let these words answer For what is done, not to be done again May the judgement not be too heavy upon us Because these wings are no longer wings to fly But merely vans to beat the air The air which is now thoroughly small and dry Smaller and dryer than the will Teach us to care and not to care Teach us to sit still. Pray for us sinners now and at the hour of our death Pray for us now and at the hour of our death. T.S. Eliot


28 de Novembro de 2005

Haynes King

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28 de Novembro de 2005

Desejo

Quero acabar entre rosas, porque as amei na infância. Os crisântemos de depois, desfolhei-os a frio. Falem pouco, devagar. Que eu não oiça, sobretudo com o pensamento. O que quis?Tenho as mãos vazias, Crispadas flebilmente sobre a colcha longínqua. O que pensei?Tenho a boca seca, abstracta. O que vivi?Era tão bom dormir! Álvaro de Campos


28 de Novembro de 2005

Killing The Love

I am the love killer, I am murdering the music we thought so special, that blazed between us, over and over. I am murdering me, where I kneeled at your kiss. I am pushing knives through the hands that created two into one. Our hands do not bleed at this, they lie still in their dishonor. I am taking the boats of our beds and swamping them, letting them cough on the sea and choke on it and go down into nothing. I am stuffing your mouth with your promises and watching you vomit them out upon my face. The Camp we directed? I have gassed the campers. Now I am alone with the dead, flying off bridges, hurling myself like a beer can into the wastebasket. I am flying like a single red rose, leaving a jet stream of solitude and yet I feel nothing, though I fly and hurl, my insides are empty and my face is as blank as a wall. Shall I call the funeral director? He could put our two bodies into one pink casket, those bodies from before, and someone might send flowers, and someone might come to mourn and it would be in the obits, and people would know that something died, is no more, speaks no more, won't even drive a car again and all of that. When a life is over, the one you were living for, where do you go? I'll work nights. I'll dance in the city. I'll wear red for a burning. I'll look at the Charles very carefully, weraing its long legs of neon. And the cars will go by. The cars will go by. And there'll be no scream from the lady in the red dress dancing on her own Ellis Island, who turns in circles, dancing alone as the cars go by. Anne Sexton


28 de Novembro de 2005

Denial

For shame, deny that thou bear'st love to any Who for thy self art so unprovident. Grant, if thou wilt, thou art beloved of many, But that thou none lov'st is most evident; For thou art so possessed with murd'rous hate, That 'gainst thy self thou stick'st not to conspire, Seeking that beauteous roof to ruinate Which to repair should be thy chief desire. O, change thy thought, that I may change my mind! Shall hate be fairer lodged than gentle love? Be as thy presence is gracious and kind, Or to thy self at least kind-hearted prove, Make thee another self, for love of me, That beauty still may live in thine or thee. William Shakespeare


27 de Novembro de 2005

Do cansaço maior

(gentileza de Amélia Pais) É tarde, muito tarde da noite, trabalhei hoje muito, tive de sair, falei com vária gente, voltei, ouço música, estou terrivelmente cansado. Exactamente terrivelmente com a sua banalidade é o que pode dar a medida do meu cansaço. Como estou cansado. De ter trabalhado muito, ter feito um grande esforço para depois interessar-me por outras pessoas quando estou cansado demais para me interessarem as pessoas. E é tarde, devia ter-me deitado mais cedo, há muito que devera estar a dormir. Mas estou acordado com o meu cansaço e a ouvir música. Desfeito de cansaço, incapaz de pensar, incapaz de olhar, totalmente incapaz até de repousar à força de cansaço. Um cansaço terrível da vida, das pessoas, de mim, de tudo. E fumo cigarro após cigarro no desespero de estar tão cansado. E ouço música (por sinal a sonata para violino e piano de César Franck, e depois os Wesendonck Lieder) num puro cansaço de dissolver-me como Brunhilda ou como Isolda no que não aceitarei nunca, l' amor che muove il sole e l' altre stelle. Nada há de comum entre esse amor de que estou cansado, e o outro que não ama, apenas queima e passa , e de cuja dissolução no espaço e no tempo em que vivo estou mais cansado ainda. Dissolvam-se essas damas que eram princesas ou valquírias, se preferem, no eterno. Eu estou cansado de não me dissolver continuamente em cada instante da vida, ou das pessoas, ou de mim, ou de tudo. Qu' ai-je à faire de l' eternel? I live here. Non abbiamo confusion. E aqui é que morrerei danado de cansaço, como hoje estou tão terrivelmente cansado. Jorge de Sena


27 de Novembro de 2005

Chagall

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27 de Novembro de 2005

Any Wife To Any Husband (I)

My love, this is the bitterest, that thou Who art all truth and who dost love me now As thine eyes say, as thy voice breaks to say— Shouldst love so truly and couldst love me still A whole long life through, had but love its will, Would death that leads me from thee brook delay! Robert Browning


27 de Novembro de 2005

My heart fell dead

All in green went my love riding on a great horse of gold into the silver dawn. four lean hounds crouched low and smiling the merry deer ran before. Fleeter be they than dappled dreams the swift sweet deer the red rare deer. Four red roebuck at a white water the cruel bugle sang before. Horn at hip went my love riding riding the echo down into the silver dawn. four lean hounds crouched low and smiling the level meadows ran before. Softer be they than slippered sleep the lean lithe deer the fleet flown deer. Four fleet does at a gold valley the famished arrow sang before. Bow at belt went my love riding riding the mountain down into the silver dawn. four lean hounds crouched low and smiling the sheer peaks ran before. Paler be they than daunting death the sleek slim deer the tall tense deer. Four tell stags at a green mountain the lucky hunter sang before. All in green went my love riding on a great horse of gold into the silver dawn. four lean hounds crouched low and smiling my heart fell dead before. e.e. cummings


27 de Novembro de 2005

Sara Afonso

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27 de Novembro de 2005

Na <em>mouche</em>

Há temposescrevi, a propósito do fim anunciado da revista Grande Reportagem, como lamentava perder (a par de outros textos, como os editoriais corajosos de Joaquim Vieira ou as crónicas "pessoais" de Pedro Mexia)as palavras directas,despreconceituadas, um tanto impiedosas mas tantas vezes bem humoradas publicadas sob pseudónimo na colunaO sexo e a Cidália.E, na edição de ontem da GR, a escrita da Cidália volta a dar-me inteira razão para tal; num texto intitulado Oabandono, cita Hanif Kureishi e termina com uma verdade ostensiva: Uma vez li num livro do Hanif Kureishi estas palavras certeiras: «Somos infalíveis na nossa escolha de amantes, particularmente quando precisamos da pessoa errada... a pessoa errada é, obviamente, certa para nos dar a impressão de não ser inadequada,mas quase certa, mantendo-nos assim presos no limbo do amor.» (...) Todos nós somos abandonados na altura ideal, mas só descobrimos depois.


27 de Novembro de 2005

Acreditei no mar

Percorri a umbria de um eclipse que nas vagas não reflectia Apaguei os olhos e sorri com uma lágrima Ao abrir , fitei o azul o azul do céu , do mar e da lua Ouvientão estremecerem as ondas e a areia lacrimar. Voltaram os raios lunares, voltei ao luar da noite húmida e fria em que me movo e te deito. Minha gárgula de vida, meu eterno mar. Nuno Travanca


27 de Novembro de 2005

Gerome

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26 de Novembro de 2005

Desert places

Snow falling and night falling fast, oh, fast In a field I looked into going past, And the ground almost covered smooth in snow, But a few weeds and stubble showing last. The woods around it have it—it is theirs. All animals are smothered in their lairs. I am too absent-spirited to count; The loneliness includes me unawares. And lonely as it is, that loneliness Will be more lonely ere it will be less— A blanker whiteness of benighted snow With no expression, nothing to express. They cannot scare me with their empty spaces Between stars—on stars where no human race is. I have it in me so much nearer home To scare myself with my own desert places. Robert Frost


26 de Novembro de 2005

Te loquor absentem

Te loquor absentem, te vox mea nominat unam; nulla venit sine te nox mihi, nulla dies. Quin etiam sic me dicunt aliena locutum, ut foret amenti nomen in ore tuum. Ovidi Nasonis, in Tristium Liber Tertius


26 de Novembro de 2005

Do lugar onde

mm-novoana ferreira.jpg foto de Ana Ferreira


26 de Novembro de 2005

Auto-retrato

Auto-retrato Espáduas brancas palpitantes: asas no exilio dum corpo. Os braços calhas cintilantes para o comboio da alma. E os olhos emigrantes no navio da pálpebra encalhado em renúncia ou cobardia. Por vezes fêmea. Por vezes monja. Conforme a noite. Conforme o dia. Molusco. Esponja embebida num filtro de magia. Aranha de ouro presa na teia dos seus ardis. E aos pés um coração de louça quebrado em jogos infantis. Natália Correia


26 de Novembro de 2005

Alma-Tadema

Welcome_Footsteps.jpgtadema.jpg Welcomefootsteps


25 de Novembro de 2005

Amadeu de Souza Cardoso

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25 de Novembro de 2005

Bom gosto & bom senso

A propósito do novo livro de Maria Filomena Mónica, Bilhete de Identidade, escrevePedro Mexia: "O intimismo em causa própria é inteiramente legítimo; o intimismo que implica terceiros é mais melindroso. Tenho por isso alguma pena que este desassombrado testemunho seja um sucesso de vendas pelas razões mais básicas: porque as pessoas querem saber quem dormiu com quem (e como correu). É justamente aí que reside a diferença exactaentre bom gosto e exibição (nada gratuita, por sinal). Não é de todo fácil escrever textos de algum modo intimistas e nunca nomear quem, por efeito do mero decurso do tempo (ou misericórdia dos deuses) não partilha o presente de quem escreve - estando, por isso, afastado da circunstância em que étrazido à pública narrativa o que foi vivido no foro privado. Mas, como se sabe, sobre o que não se pode (ou, neste caso, deve) falar é melhor calar. Puro bom senso.


25 de Novembro de 2005

Da paz aparente

À agitação sucedeu nele, gradualmente, a exaustão, e envolveu-o uma aparências de profunda calma. A fisionomia assumiu-lhe essa expressão de paz meditativa que se observa quase sempre no rosto dos que sofrem muito ou sabem demasiado. Ainda assim, continuou a vaguear sozinho e calado pelas ruas da cidade. Carson McCullers, in Coração solitário caçador, trad.e prefácio de José Rodrigues Miguéis, ed. Europa-América.


25 de Novembro de 2005

Alma-Tadema

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25 de Novembro de 2005

An ancient gesture

(ou a diferença de género) I thought, as I wiped my eyes on the corner of my apron: Penelope did this too. And more than once: you can't keep weaving all day And undoing it all through the night; Your arms get tired, and the back of your neck gets tight; And along towards morning, when you think it will never be light, And your husband has been gone, and you don't know where, for years. Suddenly you burst into tears; There is simply nothing else to do. And I thought, as I wiped my eyes on the corner of my apron: This is an ancient gesture, authentic, antique, In the very best tradition, classic, Greek; Ulysses did this too. But only as a gesture,—a gesture which implied To the assembled throng that he was much too moved to speak. He learned it from Penelope... Penelope, who really cried. Edna St. Vincent Millay


25 de Novembro de 2005

Fim da tarde (ainda)

The Sun Have you ever seen anything in your life more wonderful than the way the sun, every evening, relaxed and easy, floats toward the horizon and into the clouds or the hills, or the rumpled sea, and is gone-- and how it slides again out of the blackness, every morning, on the other side of the world, like a red flower streaming upward on its heavenly oils, say, on a morning in early summer, at its perfect imperial distance-- and have you ever felt for anything such wild love-- do you think there is anywhere, in any language, a word billowing enough for the pleasure that fills you, as the sun reaches out, as it warms you as you stand there, empty-handed-- or have you too turned from this world-- or have you too gone crazy for power, for things? Mary Oliver


25 de Novembro de 2005

Crepúsculo

O dia cai envolto em nuvens luxuosas de cinza. Apaga-se ligeiramente antes do tempo, numa concessão magnânima ao desejo que busca a noite,território ainda incerto onde o beijo devolverá a ordem ao universo invisível.


25 de Novembro de 2005

Dia conseguido

Quem é que viveu já um dia conseguido? À partida, a maioria nãohesitará provavelmente em afirmá-lo. E será, pois, necessário continuar a indagar. Queres dizer «conseguido» ou somente «belo»? É de um dia «conseguido» que falas, ou de um - é verdade que igualmente raro - «despreocupado»? Constitui para ti um dia que decorreu sem problemas já só por si um dia conseguido? Vês alguma diferença entre um dia feliz e o conseguido? Dizer, com a ajuda da memória, deste ou daquele dia conseguido é para ti diferente de o fazer agora mesmo, imediatamente na sua sequência, sem uma metamorfose pelo tempo-entre, na noite do mesmíssimo dia cujo qualificativo não pode depois ser um «superado» ou «ultrapassado», mas unicamente «conseguido»? Peter Handke, in Ensaio sobre o Dia Conseguido, ed. Difel.


25 de Novembro de 2005

The Art within the Soul

To own the Art within the Soul The Soul to entertain With Silence as a Company And Festival maintain Is an unfurnished Circumstance Possession is to One As an Estate perpetual Or a reduceless Mine. Emily Dickinson


25 de Novembro de 2005

Magritte

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25 de Novembro de 2005

Veludo

Um homem de veludo atravessa a estrada. Com ele leva a leveza do ser, sustenta-a, com dificuldade. Pára, sucedendo-lhe a brandura, o costume de parar, seguido do ímpeto de continuar. Sorri ao passeio, ao calcário, ao ornamento. O homem de veludo necessita de se encontrar. Regressa à estrada, deita-se cuidadosamente numa faixa branca, criteriosamente escolhida para descansar. O homem de veludo quer descansar. A travessia é amorfa, demorada, silente. Ao deitar-se cruza os braços, fecha os olhos, e sente o cheiro das madeiras. O homem de veludo é agora tolhido de movimento, caem-lhe lágrimas familiares no rosto, e não pode fazer nada. Nuno Travanca


25 de Novembro de 2005

Despedida

A despedida faz-se de pérolas. Como se nunca partisses pela estrada ou pelos outeiros da noite - assim te vejo, dias a fio, sem que te reconheça. Só assim, desta forma, consigo com que o corpo responda a um grito dado antecipadamente, muito por dentro, inaudivel. Quando te largavas por aí, por onde eu não via, não pensava sequer que te pudessem pedir as mãos, que te dissessem que hoje os pássaros saem de outro lugar que não este. O nosso sitio é este - aqui, onde as árvores lavam as mãos do passado, onde nos perdemos, tue eu quando se tornam suaves as crostas dos dias a irromper pelas mãos. No nosso colo a brisa leve da tristeza de quem não viaja ou de quem não parte. No cais, ribombam cascos de ferro das cidades, e perduram nas enseadas os vestígios dos corpos os riscos de quem se perdeu. Consigo que não esqueçam, aqui, por onde nós viemos. Vou fazer com que oiçam o som que as pálpebras fazem ao fechar, como se de um pequeno murmurar se tratasse. Uma cantiga. Uma melodia. As músicas ecoam pelas paredes, os quadros estão tingidos de uma cor pérfida de abandono. A casa é o que nunca foi - um simples cárcere de âmagos. E as janelas fecham-se, as portas fecham-se, os soalhos erguem-se e estalam. Chove. Por onde os nossos pés caminham, ficam marcas de giz como desenhos da nossa morte - são inspirações de ar que restaram. Ao perdê-las, fiz com que o mundo desse meia-volta, fiz com que se lavasse e limpasse a humidade do pensamento, sendo os olhos o oríficio por onde podíamos olhar quando tudo era simples, quando os filmes eram menos coloridos. São como grupos de histórias, as nossas mãos. . Tendem a ficar firmes quando lhes tocamos, ou simplesmente estendem-se pelo corpo e pelo sexo, esperando que nos deitemos e adormeçamos como se hoje existisse cansaço - vontade de esquecer. Nunca mais se vêem pardais pelos pêlos estendidos na estrada - os barcos partiram, as nossas mãos adornaram a despedida. O nosso gosto nunca foi este - o do a-deus. A religiosidade nunca foi o nosso forte, como que se nos custasse a engolir o peso que os outros deixam quando os vemos de costaslonge olhando para a frente e nos despedimos deles. Sérgio Xarepe


25 de Novembro de 2005

Georgia O´Keeffe

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25 de Novembro de 2005

Os troncos das árvores

Os troncos das árvores doem-me como se fossem os meus ombros Doem-me as ondas do mar como gargantas de cristal Dói-me o luar como um pano branco que se rasga. Sophia de Mello Breyner Andresen


25 de Novembro de 2005

Outra noite

Há um ano, este foi o último dia. Esteve seco e ensolarado, como de resto todo o outono, e não denunciou em nada a sua condição conclusiva. Mas encerrou um longo ciclo -uma década alquímica, decisivae dolorosa, determinante e iniciática. Negro, vermelho e branco, a anteceder o ouro de uma noite outra.


24 de Novembro de 2005

Bruit doux de la pluie

(gentileza de Amélia Pais) Il pleure dans mon coeur Comme il pleut sur la ville ; Quelle est cette langueur Qui pénètre mon coeur ? Ô bruit doux de la pluie Par terre et sur les toits ! Pour un coeur qui s'ennuie, Ô le chant de la pluie ! Il pleure sans raison Dans ce coeur qui s'écoeure. Quoi ! nulle trahison ?... Ce deuil est sans raison. C'est bien la pire peine De ne savoir pourquoi Sans amour et sans haine Mon coeur a tant de peine ! Paul Verlaine


24 de Novembro de 2005

Low-Tide

These wet rocks where the tide has been, Barnacled white and weeded brown And slimed beneath to a beautiful green, These wet rocks where the tide went down Will show again when the tide is high Faint and perilous, far from shore, No place to dream, but a place to die,— The bottom of the sea once more. There was a child that wandered through A giant's empty house all day,— House full of wonderful things and new, But no fit place for a child to play. Edna St. Vincent Millay


24 de Novembro de 2005

David d'Angers

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24 de Novembro de 2005

Porque não?

The Octopus Tell me, O Octopus, I begs Is those things arms, or is they legs? I marvel at thee, Octopus; If I were thou, I'd call me Us. Ogden Nash


24 de Novembro de 2005

The Beauty of Things

To feel and speak the astonishing beauty of things—earth, stone and water, Beast, man and woman, sun, moon and stars— The blood-shot beauty of human nature, its thoughts, frenzies and passions, And unhuman nature its towering reality— For man's half dream; man, you might say, is nature dreaming, but rock And water and sky are constant—to feel Greatly, and understand greatly, and express greatly, the natural Beauty, is the sole business of poetry. The rest's diversion: those holy or noble sentiments, the intricate ideas, The love, lust, longing: reasons, but not the reason. Robinson Jeffers


24 de Novembro de 2005

Caminho de palavras

Caminho um caminho de palavras (porque me deram o sol) e por esse caminho me ligo ao sol e pelo sol me ligo a mim E porque a noite não tem limites alargo o dia e faço-me dia e faço-me sol porque o sol existe Mas a noite existe e a palavra sabe-o. António Ramos Rosa


24 de Novembro de 2005

Van Dick

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24 de Novembro de 2005

Chamas

Até o próprio ar parecia em chamas, subtilmente inflamado de energia como acontece quando se é novo, quando as sinapses disparam loucamente e a morte se encontra ainda muito longe. Jeffrey Eugenides, in Middlesex, trad. Pedro Serras Pereira, ed. Dom Quixote.


24 de Novembro de 2005

Amadeu de Souza Cardoso

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24 de Novembro de 2005

Um dia

Há um dia em que indeléveis nos levantamos com um copo de água vazio da noite. Caminhamos até a uma torneira amiga e enchemos novamente o copo. Enquanto se verte a água que sobeja pensamos no jogo do pião, nas trocas nas maternidades e na vontade que temos em nascer todos os dias. É a primeira água da manhã que nos engravida os sentidos. Depois, apenas a mercearia persiste e é assaltada muitas vezes por ano, tal como a nossa juventude. Nuno Travanca


24 de Novembro de 2005

Respiração do tempo

a rectidão da água; o crescimento das avenidas, ao anoitecer, sob a nua vibração dos faróis; o laço, mesmo, das portas só entreabertas, onde a luz silenciosa se demora; são memórias, decerto, de um anterior esquecimento, uma inocente fadiga das coisas, como os corpos calados, abandonados na véspera da guerra, o teu jeito para o desalinho branco das palavras, altas as asas de nuvens no clarão do céu em vão rigor abrindo o destinado enigma: assim desconhecer-te cada dia mais ausente de recados e colheitas, em assustado bosque, em sombra clareira, ao risco dos rios frívolos descendo seixos polidos, desinscritos, imóveis movendo a luz do dia; a margem recortada, aonde vivem ausentes e seguros, os luminosos animais do inverno; assim são na verdade os muros claros; assim respira o tempo, a terra intensa. António Franco Alexandre


24 de Novembro de 2005

Amadeu de Souza Cardoso

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23 de Novembro de 2005

Em Zelazowa Wola

(gentileza de Amélia Pais) No jardim da casa onde nasceu Chopin através das cortinas que esvoaçam pelas janelas térreas escutamos: É um recital que um pianista invisível toca para nós como se fosse ele. Realmente a ilusão é perfeita e enquanto fascinados escutamos essa música gentil que a natureza à nossa volta explica escutamos também num contraponto raro o canto dos pássaros que a sublinha. Dentro nos retratos de família Chopin olha-nos de frente mas timidamente sem o perfil dramático de Delacroix. O quarto onde nasceu está vazio: à entrada colocaram uma enorme jarra com flores. Saindo procuramos fazer o menos ruído possível. Ana Hatherly


23 de Novembro de 2005

Carpaccio

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23 de Novembro de 2005

Silente grito

Silente grito aspergido pela saudade nos meus veios circunscrito. Capaz de derramar gotículas longínquas de presença, de tacanha fragilidade. Silente grito caminhante, viajante sem bagagem rumo a um norte fátuo. Nuno Travanca


23 de Novembro de 2005

Desconsolo

Passava a maior parte dotempo no retiro das mimosas, cada vez mais desesperado. De vez em quando caminhava até à praia para me sentar à beira-mar, mas passado pouco tempo também me deixei disso. A natureza não me trazia qualquer consolo. O mundo exterior tinha acabado. Não havia sítio nenhum onde não estivesse eu. Jeffrey Eugenides, in Middlesex, trad. Pedro Serras Pereira, ed. Dom Quixote.


22 de Novembro de 2005

Yamamoto Hideharu

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22 de Novembro de 2005

Ana Flor

Ó tu, bem-amada dos meus vinte e sete sentidos, amo-te! Tu teu tu a ti eu a ti tu a mim - Nós? Isto diga-se de passagem) não é daqui. Quem és tu, inumerável fêmea? Tu és - és tu? - Há quem diga que deves ser - deixa-os dizer, os que não sabem como o campanário está de pé. Trazes um chapéu nos teus pés e andas com as mãos, com as mãos é que tu andas. Olá roupas vermelhas e tuas,justas em pregas brancas. Vermelha te amo, Ana Flor, vermelha a ti amo - tu teu tu a ti eu a ti tu a mim - Nós? Isto (diga-se de passagem) pertence ao fogo frio. (...) Kurt Schwitters, trad. Jorge de Sena, in poesia do século XX, ed. ASA.


22 de Novembro de 2005

Bouguereau

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22 de Novembro de 2005

Drama(s)

Náufrago: em tua vida oculta se anuncia a luz. Desenterrada da sombra uma nova alegria. No silencioso ar gritam os mortos é aqui a terra. Mas teu rosto quebra o tédio imutável o obscuro dialecto. Despertas-me, escuto o mar, o vento, transparente como a noite. Na semente dispersa brota a memória de uma dócil casa conhecedora já dos dramas do universo. Ana Marques Gastão


22 de Novembro de 2005

The Catsup Bottle

First a little Then a lottle Ogden Nash


22 de Novembro de 2005

Ingres

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22 de Novembro de 2005

Funeral Blues

Stop all the clocks, cut off the telephone, Prevent the dog from barking with a juicy bone, Silence the pianos and with muffled drum Bring out the coffin, let the mourners come. Let aeroplanes circle moaning overhead Scribbling on the sky the message He is Dead. Put crepe bows round the white necks of the public doves, Let the traffic policemen wear black cotton gloves. He was my North, my South, my East and West, My working week and my Sunday rest, My noon, my midnight, my talk, my song; I thought that love would last forever: I was wrong. The stars are not wanted now; put out every one, Pack up the moon and dismantle the sun, Pour away the ocean and sweep up the woods; For nothing now can ever come to any good. W.H. Auden


22 de Novembro de 2005

Landscape

Now this must be the sweetest place From here to heaven's end; The field is white and flowering lace, The birches leap and bend, The hills, beneath the roving sun, From green to purple pass, And little, trifling breezes run Their fingers through the grass. So good it is, so gay it is, So calm it is, and pure. A one whose eyes may look on this Must be the happier, sure. But me- I see it flat and gray And blurred with misery, Because a lad a mile away Has little need of me. Dorothy Parker


22 de Novembro de 2005

Beauty

Always the beautiful answer who asks a more beautiful question e.e. cummings, in INTRODUCTION from New Poems.


21 de Novembro de 2005

Amadeu de Souza Cardoso

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21 de Novembro de 2005

Miracles

Miracles are to come. With you I leave a remembrance of miracles: they are somebody who can love and who shall be continually reborn,a human being;somebody who said to those near him,when his fingers would not hold a brush "tie it to my hand"-- e.e. cummings, in INTRODUCTION from New Poems.


21 de Novembro de 2005

A disturber of his times

Epitaph On A Disturber Of His Times We expected the violin's finger on the upturned nerve; Its importunate cry, too laxly curved: And you drew us an oboe-outline, clean and acute; Unadorned statement, accurately carved. We expected the screen, the background for reverie Which cloudforms usefully weave: And you built the immaculate, adamant, blue-green steel Arch of a balanced wave. We expected a pool with flowers to diffuse and break The child-round face of the mirrored moon: And you blazed a rock-path, begun near the sun, to be finished By the trained and intrepid feet of men. A.S.J. Tessimond


21 de Novembro de 2005

Alma-Tadema

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21 de Novembro de 2005

Esforço mínimo

Deuses, forças, almas de ciência ou fé, Eh! Tanta explicação que nada explica! Estou sentado no cais, numa barrica, E não compreendo mais do que de pé. Por que o havia de compreender? Pois sim, mas também por que o não havia? Águia do rio, correndo suja e fria, Eu passo como tu, sem mais valer... Ó universo, novelo emaranhado, Que paciência de dedos de quem pensa Em outras cousa te põe separado? Deixa de ser novelo o que nos fica... A que brincar?Ao amor?, à indif'rença? Por mim, só me levanto da barrica. Álvaro de Campos


21 de Novembro de 2005

Carl Frederic Aagaard

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21 de Novembro de 2005

Approach of Winter

The half-stripped trees struck by a wind together, bending all, the leaves flutter drily and refuse to let go or driven like hail stream bitterly out to one side and fall where the salvias, hard carmine— like no leaf that ever was— edge the bare garden. William Carlos Williams


21 de Novembro de 2005

William Morris

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21 de Novembro de 2005

Aniversário

(para a Maria João, que tem artes idênticas) O Rei da Ítaca A civilização em que estamos é tão errada que Nela o pensamento se desligou da mão Ulisses rei da Ítaca carpinteirou seu barco E gabava-se também de saber conduzir Num campo a direito o sulco do arado Sophia de Mello Breyner Andresen


20 de Novembro de 2005

Motley

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20 de Novembro de 2005

Recorrência

Torna un pensier d'amore nel cuore stanco, come nel tramonto invernale ritorna contro il sole il fanciullo alla casa. Sandro Penna Trona um pensar de amor ao seio exausto, como no entardecer de inverno regressa contra o sol o jovem a sua casa. Trad. de Jorge de Sena, in poesia do século XX, ed. ASA.


20 de Novembro de 2005

Desmemória

What lips my lips have kissed, and where, and why, I have forgotten, and what arms have lain Under my head till morning; but the rain Is full of ghosts tonight, that tap and sigh Upon the glass and listen for reply; And in my heart there stirs a quiet pain For unremembered lads that not again Will turn to me at midnight with a cry. Thus in the winter stands a lonely tree, Nor knows what birds have vanished one by one, Yet know its boughs more silent than before: I cannot say what loves have come and gone; I only know that summer sang in me A little while, that in me sings no more. Edna St. Vincent Millay Que lábios os meus lábios já beijaram, Onde e porquê, esqueci, como em que braços até pela manhã tive a cabeça; Mas esta noite a chuva traz espectros Que batem na vidraça, à escuta, à espera; e uma saudade calma há no meu peito, De jovens que não lembro e nunca mais, Noite alta, me desejam num soluço. Qual árvore isolada, assim, no Inverno Não sabe de aves idas uma a uma E só seus ramos sbe mais silentes, Nõ sei de amores que vieram e partiram: Apenas sei que o Verão em mim cantou Um breve tempo, e já não canta mais. Trad. de Jorge de Sena, in poesia do século XX, ed. ASA.


20 de Novembro de 2005

Suzuki Harunobu

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20 de Novembro de 2005

Além do Tempo

Esse amor sem fim, onde andará? Que eu busco tanto e nunca está E não me sai do pensamento Sempre, sempre longe Esse amor tão lindo que se esconde Nos confins do não sei onde Vive em mim além do tempo Longe, longe, onde? Por que não me surges nessa hora Como um sol Como o sol no mar Quando vem a aurora Esse amor que o amor me prometeu E que até hoje não me deu Por que não está ao lado meu? Esse amor sem fim, onde andará? Esse amor, meu amor, Onde andará? Vinicius de Moraes


20 de Novembro de 2005

Da flexibilidade

Não escolho nada deixo-me vestir Pela música discreta que tacteia Meu corpo em sua breve caminhada. Não desejo nada consinto apenas Que a dor me visite e a jovem ceifeira, Mãe das coisas todas, me seduza. Não escolho nada nem sequer o vaso Onde me derramo devagar Como se fosse água, ou leve lume. Casimiro de Brito


20 de Novembro de 2005

Proveniências

Etymological Dirge 'Twas grace that taught my heart to fear. Calm comes from burning. Tall comes from fast. Comely doesn't come from come. Person comes from mask. The kin of charity is whore, the root of charity is dear. Incentive has its source in song and winning in the sufferer. Afford yourself what you can carry out. A coward and a coda share a word. We get our ugliness from fear. We get our danger from the lord. Heather McHugh


20 de Novembro de 2005

Giorgio De Chirico

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20 de Novembro de 2005

Fósforo inda aceso

A 'sperança, como um fósforo inda aceso, Deixei no chão, e entardeceu no chão ileso. A falha social do meu destino Reconheci, como um mendigo preso. Cada dia me traz com que 'sperar O que dia nenhum poderá dar. Cada dia me cansa de Esperança ... Mas viver é sperar e se cansar. O prometido nunca será dado Porque no prometer cumpriu-se o fado. O que se espera, se a esperança e gosto, Gastou-se no esperá-lo, e está acabado. Quanta ache vingança contra o fado Nem deu o verso que a dissesse, e o dado Rolou da mesa abaixo, oculta a conta. Nem o buscou o jogador cansado. Fernando Pessoa


19 de Novembro de 2005

Vulcão

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19 de Novembro de 2005

Partilha

Todos os dias (ou noites...) há uma ideia que brilha de repente, uma palavra que acende a conversa, o olhar que mostra outros caminhos. Hoje, ainda a manhã mal tinha desenhado o traço dourado que a levaria à plenitude, foi este nome - Haroun Tazieff. A história de uma vida apaixonante fica aqui.


19 de Novembro de 2005

Vieira da Silva

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19 de Novembro de 2005

Adiamento

Depois de amanhã, sim, só depois de amanhã... Levarei amanhã a pensar em depois de amanhã, E assim será possível; mas hoje não... Não, hoje nada; hoje não posso. A persistência confusa da minha subjetividade objetiva, O sono da minha vida real, intercalado, O cansaço antecipado e infinito, Um cansaço de mundos para apanhar um elétrico... Esta espécie de alma... Só depois de amanhã... Hoje quero preparar-me, Quero preparar-rne para pensar amanhã no dia seguinte... Ele é que é decisivo. Tenho já o plano traçado; mas não, hoje não traço planos... Amanhã é o dia dos planos. Amanhã sentar-me-ei à secretária para conquistar o rnundo; Mas só conquistarei o mundo depois de amanhã... Tenho vontade de chorar, Tenho vontade de chorar muito de repente, de dentro... Não, não queiram saber mais nada, é segredo, não digo. Só depois de amanhã... Quando era criança o circo de domingo divertia-rne toda a semana. Hoje só me diverte o circo de domingo de toda a semana da minha infância... Depois de amanhã serei outro, A minha vida triunfar-se-á, Todas as minhas qualidades reais de inteligente, lido e prático Serão convocadas por um edital... Mas por um edital de amanhã... Hoje quero dormir, redigirei amanhã... Por hoje, qual é o espetáculo que me repetiria a infância? Mesmo para eu comprar os bilhetes amanhã, Que depois de amanhã é que está bem o espetáculo... Antes, não... Depois de amanhã terei a pose pública que amanhã estudarei. Depois de amanhã serei finalmente o que hoje não posso nunca ser. Só depois de amanhã... Tenho sono como o frio de um cão vadio. Tenho muito sono. Amanhã te direi as palavras, ou depois de amanhã... Sim, talvez só depois de amanhã... O porvir... Sim, o porvir... Álvaro de Campos


19 de Novembro de 2005

Living

Life,for mostpeople,simply isn't. Take the socalled standardofliving. What do mostpeople mean by "living"? They don't mean living. They mean the latest and closest plural approximation to singular prenatal passivity which science,in its finite but unbounded wisdom,has succeeded in selling their wives. If science could fail,a mountain's a mammal. Mostpeople's wives could spot a genuine delusion of embryonic omnipotence immediately and will accept no substitutes. e.e. cummings, in INTRODUCTION from New Poems.


19 de Novembro de 2005

Dórdio Gomes

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19 de Novembro de 2005

Perhaps

Perhaps I asked too large— I take—no less than skies— For Earths, grow thick as Berries, in my native town— My Basked holds—just—Firmaments— Those—dangle easy—on my arm, But smaller bundles—Cram. Emily Dickinson


18 de Novembro de 2005

Magritte

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18 de Novembro de 2005

Dia de Outono

Senhor, já é tempo; foi tão longo o Verão Estende as tuas sombras sobre as horas solares E solta os ventos sobre os campos Ordena aos últimos frutos que se completem Dá-lhes ainda dois dias de sul Condu-los à plenitude e encaminha o açúcar que resta até ao vinho pesado Aquele que agora não tem casa, já não irá construí-la Aquele que está só, assim ficará por muito tempo Irá despertar, ler, escrever longas cartas e caminhará pelas alamedas, inquieto, de um lado para o outro, enquanto as folhas se agitam. [Original: Herbsttag Herr: es ist Zeit. Der Sommer war sehr gross. Leg deinen Schatten auf die Sonnenuhren, und auf den Fluren lass die Winde los. Befiehl den letzten Fruchten voll zu sein; gieb innen noch zwei sudlichere Tage, drange sie zur Vollendung hin und jage die letzte Susse in den schweren Wein. Wer jetzt kein Haus hat, baut sich keines mehr. Wer jetzt allein ist, wird es lange bleiben, wird wachen, lesen, lange Briefe schreiben und wird in den Alleen hin und her unruhig wandern, wenn die Blatter treiben.] Rainer Maria Rilke


18 de Novembro de 2005

Van der Weyden

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18 de Novembro de 2005

Fire and ice

Sonnet 30 (Fire And Ice) My love is like to ice, and I to fire: how comes it then that this her cold so great is not dissolv'd through my so hot desire, but harder grows, the more I her entreat? Or how comes it that my exceeding heat is not delayed by her heart frozen cold, but that I burn much more in boiling sweat, and feel my flames augmented manifold? What more miraculous thing may be told that fire, which all thing melts, should harden ice: and ice which is congealed with senseless cold, should kindle fire by wonderful device? Such is the pow'r of love in gentle mind that it can alter all the course of kind. Edmund Spenser


18 de Novembro de 2005

Many times upon a time...

Sex Without Love How do they do it, the ones who make love without love?Beautiful as dancers, gliding over each other like ice-skaters over the ice, fingers hooked inside each other's bodies, faces red as steak, wine, wet as the children at birth whose mothers are going to give them away.How do they come to the come to thecome to theGodcome to the still waters, and not love the one who came there with them, light rising slowly as steam off their joined skin?These are the true religious, the purists, the pros, the ones who will not accept a false Messiah, love the priest instead of the God.They do not mistake the lover for their own pleasure, they are like great runners: they know they are alone with the road surface, the cold, the wind, the fit of their shoes, their over-all cardio- vascular health--just factors, like the partner in the bed, and not the truth, which is the single body alone in the universe against its own best time. Sharon Olds


17 de Novembro de 2005

Hiroshige

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17 de Novembro de 2005

Ontem, como hoje...

(gentileza de Amélia Pais) Ontem à tarde, quando o sol morria, A natureza era um poema santo, De cada moita a escuridão saía, De cada gruta rebentava um canto, Ontem à tarde, quando o sol morria. Castro Alves


17 de Novembro de 2005

Disfarce

Num apontamento de humor narrativo, alguém a descreveu olhando "embevecida o seu semi-deus". Satisfeita, pensou que não se sabia tão contida - não se notava, afinal, queera bem maior o seu encanto ante o Homem a quem pertencia por inteiro.


17 de Novembro de 2005

Almada Negreiros

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17 de Novembro de 2005

A jealous God

God is indeed a jealous God— He cannot bear to see That we had rather not with Him But with each other play. Emily Dickinson


17 de Novembro de 2005

Rios

Eu contarei a beleza das estátuas - Seus gestos imóveis ordenados e frios - E falarei do rosto dos navios Sem que ninguém desvende outros segredos Que nos meus braços correm como rios E enchem de sangue a ponta dos meus dedos. Sophia de Mello Breyner Andresen


16 de Novembro de 2005

Van der Weyden

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16 de Novembro de 2005

Que remédio! ...

Sou Eu Sou eu, eu mesmo, tal qual resultei de tudo, Espécie de acessório ou sobressalente próprio, Arredores irregulares da minha emoção sincera, Sou eu aqui em mim, sou eu. Quanto fui, quanto não fui, tudo isso sou. Quanto quis, quanto não quis, tudo isso me forma. Quanto amei ou deixei de amar é a mesma saudade em mim. E, ao mesmo tempo, a impressão, um pouco inconsequente, Como de um sonho formado sobre realidades mistas, De me ter deixado, a mim, num banco de carro eléctrico, Para ser encontrado pelo acaso de quem se lhe ir sentar em cima. E, ao mesmo tempo, a impressão, um pouco longínqua, Como de um sonho que se quer lembrar na penumbra a que se acorda, De haver melhor em mim do que eu. Sim, ao mesmo tempo, a impressão, um pouco dolorosa, Como de um acordar sem sonhos para um dia de muitos credores, De haver falhado tudo como tropeçar no capacho, De haver embrulhado tudo como a mala sem as escovas, De haver substituído qualquer coisa a mim algures na vida. Baste! É a impressão um tanto ou quanto metafísica, Como o sol pela última vez sobre a janela da casa a abandonar, De que mais vale ser criança que querer compreender o mundo — A impressão de pão com manteiga e brinquedos De um grande sossego sem Jardins de Prosérpina, De uma boa-vontade para com a vida encostada de testa à janela, Num ver chover com som lá fora E não as lágrimas mortas de custar a engolir. Baste, sim baste!Sou eu mesmo, o trocado, O emissário sem carta nem credenciais, O palhaço sem riso, o bobo com o grande fato de outro, A quem tinem as campainhas da cabeça Como chocalhos pequenos de uma servidão em cima. Sou eu mesmo, a charada sincopada Que ninguém da roda decifra nos serões de província. Sou eu mesmo, que remédio! ... Álvaro de Campos


16 de Novembro de 2005

Indiferença

Bem, hoje que estou só e posso ver Com o poder de ver do coração Quanto não sou, quanto não posso ser, Quanto se o for, serei em vão, Hoje, vou confessar, quero sentir-me Definitivamente ser ninguém, E de mim mesmo, altivo, demitir-me Por não ter procedido bem. Falhei a tudo, mas sem galhardias, Nada fui, nada ousei e nada fiz, Nem colhi nas urtigas dos meus dias A flor de parecer feliz. Mas fica sempre, porque o pobre é rico Em qualquer cousa, se procurar bem, A grande indiferença com que fico. Escrevo-o para o lembrar bem. Fernando Pessoa


16 de Novembro de 2005

Protesto bem humorado

Por causa da nova ERC - Entidade Reguladora para a Comunicação Social (e do artigo 6º da Lei nº 53/2005, em especial), a conversa em casa entra pela noite dentro, sai pela janela dos blogs, e volta a pousar no teclado, feita de animada troca de ideias. E dorme-se menos...


16 de Novembro de 2005

Da imagem

The Divine Image To Mercy Pity Peace and Love. All pray in their distress: And to these virtues of delight Return their thankfulness. For Mercy Pity Peace and Love, Is God our Father dear: And Mercy Pity Peace and Love, Is Man his child and care. For Mercy has a human heart Pity, a human face: And Love, the human form divine, And Peace, the human dress. Then every man of every clime, That prays in his distress, Prays to the human form divine Love Mercy Pity Peace, And all must love the human form. In heathen, Turk or jew, Where Mercy, Love and Pity dwell, There God is dwelling too. William Blake


16 de Novembro de 2005

Canova

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16 de Novembro de 2005

Sacode as nuvens

Sacode as nuvens que te poisam nos cabelos, Sacode as aves que te levam o olhar. Sacode os sonhos mais pesados do que as pedras. Porque eu cheguei e é tempo de me veres, Mesmo que os meus gestos te trespassem De solidão e tu caias em poeira, Mesmo que a minha voz queime o ar que respiras E os teus olhos nunca mais possam olhar. Sophia de Mello Breyner Andresen


16 de Novembro de 2005

John Frederick Lewis

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16 de Novembro de 2005

Poema

Para a minha cunhada Lídia, com um beijo, no dia de hoje. É tão suave a fuga deste dia, Lídia, que não parece, que vivemos. Sem dúvida que os deuses Nos são gratos esta hora, Em paga nobre desta fé que temos Na exilada verdade dos seus corpos Nos dão o alto prémio De nos deixarem ser Convivas lúcidos da sua calma, Herdeiros um momento do seu jeito De viver toda a vida Dentro dum só momento, Dum só momento, Lídia, em que afastados Das terrenas angústias recebemos Olímpicas delícias Dentro das nossas almas. E um só momento nos sentimos deuses Imortais pela calma que vestimos E a altiva indiferença Às coisas passageiras Como quem guarda a c'roa da vitória Estes fanados louros de um só dia Guardemos para termos, No futuro enrugado, Perene à nossa vista a certa prova De que um momento os deuses nos amaram E nos deram uma hora Não nossa, mas do Olimpo. Ricardo Reis


15 de Novembro de 2005

Utagawa Hirosada

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15 de Novembro de 2005

Serenata do adeus

Ai, a lua que no céu surgiu Não é a mesma que te viu Nascer dos braços meus... cai a noite sobre o nosso amor E agora só restou do amor Uma palavra: adeus... Ai, vontade de ficar Mas tendo de ir embora... Ai, que amor é se ir morrendo Pela vida afora É refletir na lágrima O momento breve De uma estrela pura cuja luz morreu... Ò mulher, estrela a refulgir Pane, mas antes de partir Rasga o meu coração... crava as garras no meu peito em dor E esvai em sangue todo o amor Toda a desilusão... Ah, vontade de ficar Mas tendo de ir embora... Ai, que amar é se ir morrendo Pela vida afora É refletir na lágrima O momento breve De uma estrela pura cuja luz morreu Numa noite escura Triste como eu... Vinícius de Moraes


15 de Novembro de 2005

Eduardo Viana

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15 de Novembro de 2005

Desprotecção

Com algum assombro, descobriu que, por mais muralhas que erguesse, por mais portas que trancasse,não conseguiaproteger-se de si própria.


15 de Novembro de 2005

Cuidado

Vivia pé ante pé, com medo de acordar o monstro que se lhe escondia, tormentoso, na profunda escuridão da alma.


15 de Novembro de 2005

Arpad Szenes

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15 de Novembro de 2005

As palavras impossíveis

Confession waiting for death like a cat that will jump on the bed I am so very sorry for my wife she will see this stiff white body shake it once, then maybe again "Hank!" Hank won't answer. it's not my death that worries me, it's my wife left with this pile of nothing. I want to let her know though that all the nights sleeping beside her even the useless arguments were things ever splendid and the hard words I ever feared to say can now be said: I love you. Charles Bukowski


15 de Novembro de 2005

As time goes by

When you are old and grey and full of sleep, And nodding by the fire, take down this book, And slowly read, and dream of the soft look Your eyes had once, and of their shadows deep; How many loved your moments of glad grace, And loved your beauty with love false or true, But one man loved the pilgrim Soul in you, And loved the sorrows of your changing face; And bending down beside the glowing bars, Murmur, a little sadly, how Love fled And paced upon the mountains overhead And hid his face amid a crowd of stars. William Butler Yeats


15 de Novembro de 2005

Never enough

you and I are not snobs. We can never be born enough. We are human beings;for whom birth is a supremely welcome mystery,the mystery of growing:which happens only and whenever we are faithful to ourselves. You and I wear the dangerous looseness of doom and find it becoming. Life,for eternal us,is now'and now is much to busy being a little more than everything to seem anything,catastrophic included. e.e. cummings, in INTRODUCTION from New Poems.


15 de Novembro de 2005

Gustave Doré

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15 de Novembro de 2005

L'infinito

Sempre caro mi fu quest'ermo colle, e questa siepe, che da tanta parte dell'ultimo orizzonte il guardo esclude. Ma sedendo e mirando, interminati spazi di là da quella, e sovrumani silenzi, e profondissima quiete io nel pensier mi fingo; ove per poco il cor non si spaura. E come il vento odo stormir tra queste piante, io quello infinito silenzio a questa voce vo comparando: e mi sovvien l'eterno, e le morte stagioni, e la presente e viva, e il suon di lei. Così tra questa immensità s'annega il pensier mio: e il naufragar m'è dolce in questo mare. Giacomo Leopardi


14 de Novembro de 2005

Bebido o luar

Bebido o luar, ébrios de horizontes, Julgamos que viver era abraçar O rumor dos pinhais, o azul dos montes E todos os jardins verdes do mar. Mas solitários somos e passamos, Não são nossos os frutos nem as flores, O céu e o mar apagam-se exteriores E tornam-se os fantasmas que sonhamos. Por que jardins que nós não colheremos, Límpidos nas auroras a nascer, Por que o céu e o mar se não seremos Nunca os deuses capazes de os viver. Sophia de Mello Breyner Andresen


14 de Novembro de 2005

Arpad Szenes

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14 de Novembro de 2005

Nunca (as much as I recall it)

Este nunca se dar agora nos vermelhos como ferros em brasa que entretanto se esfumam Nunca se dar, em negros, só, entre lobo e cão, branco como parede nem ao menos um ocre Ser que se escamoteia entre o roxo e seu não - os intervalos flavos, glauco estar mas em vão Nunca, sequer em tons, quebram-se, lascas roxas, sons se afogam na boca, nesta troca de nãos Régis Bonvicino


14 de Novembro de 2005

Pressa

Pensou escrever acerca do dia, azul acinzentado e tão frio como uma esperança vã. Mas não tinha tempo para saborear metáforas e saiu sem olhar para trás.


14 de Novembro de 2005

Abel Manta

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14 de Novembro de 2005

Delvaux

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14 de Novembro de 2005

Sonhos por contar

O verão deixa-me os olhos mais lentos sobre os livros. As tardes vão-se repetindo no terraço, onde as palavras são pequenos lugares de memória. Estou divorciada dos outros pelo tempo destas entrelinhas - longe de casa, tenho sonhos que não conto a ninguém, viro devagar a primeira página: em fevereiro, eles ainda faziam amor à sexta-feira. De manhã, ela torrava pão e espremia laranjas numa cozinha fria. Havia mais toalhas para lavar ao domingo, cabelos curtos colados teimosamente ao espelho. Às vezes, chovia e ambos liam o jornal, dentro do carro, antes de se despedirem. As vezes, repartiam sofregamente a infância, postais antigos, o silêncio - nada aconteceu entretanto. Regresso, pois, à primeira linha, à verdade que remexe entre as minhas mãos. Talvez os olhos estivessem apenas desatentos sobre o livro; talvez as histórias se repitam mesmo, como as tardes passadas no terraço, longe de casa. Aqui tenho sonhos que não conto a ninguém. Maria do Rosário Pedreira


13 de Novembro de 2005

Alexandre-Gabriel Decamps

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13 de Novembro de 2005

Dia acabado, ou quase

God's World O world, I cannot hold thee close enough! Thy winds, thy wide grey skies! Thy mists, that roll and rise! Thy woods, this autumn day, that ache and sag And all but cry with colour! That gaunt crag To crush! To lift the lean of that black bluff! World, World, I cannot get thee close enough! Long have I known a glory in it all, But never knew I this; Here such a passion is As stretcheth me apart,—Lord, I do fear Thou'st made the world too beautiful this year; My soul is all but out of me,—let fall No burning leaf; prithee, let no bird call. Edna St. Vincent Millay


13 de Novembro de 2005

Da expressão

A minha experiência diz-me que as emoções nunca se esgotam em palavras isoladas. Não acredito na «tristeza», na «alegria», nem no «remorso». Talvez a melhor prova de que a língua é patriarcal seja o facto de simplificar excessivamente os sentimentos. Jeffrey Eugenides, in Middlesex, trad. Pedro Serras Pereira, ed. Dom Quixote.


13 de Novembro de 2005

Vieira da Silva

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13 de Novembro de 2005

Aproveitar o tempo (ou da elegância de persistir)

Aproveitar o tempo! Mas o que é o tempo, que eu o aproveite? Aproveitar o tempo! Nenhum dia sem linha... O trabalho honesto e superior... O trabalho à Virgílio, à Mílton... Mas é tão difícil ser honesto ou superior! É tão pouco provável ser Milton ou ser Virgílio! Aproveitar o tempo! Tirar da alma os bocados precisos - nem mais nem menos - Para com eles juntar os cubos ajustados Que fazem gravuras certas na história (E estão certas também do lado de baixo que se não vê)... Pôr as sensações em castelo de cartas, pobre China dos serões, E os pensamentos em dominó, igual contra igual, E a vontade em carambola difícil. Imagens de jogos ou de paciências ou de passatempos - Imagens da vida, imagens das vidas. Imagens da Vida. Verbalismo... Sim, verbalismo... Aproveitar o tempo! Não ter um minuto que o exame de consciência desconheça... Não ter um acto indefinido nem factício... Não ter um movimento desconforme com propósitos... Boas maneiras da alma... Elegância de persistir... Aproveitar o tempo! Meu coração está cansado como mendigo verdadeiro. Meu cérebro está pronto como um fardo posto ao canto. Meu canto (verbalismo!) está tal como está e é triste. Aproveitar o tempo! Desde que comecei a escrever passaram cinco minutos. Aproveitei-os ou não? Se não sei se os aproveitei, que saberei de outros minutos?! (Passageira que viajaras tantas vezes no mesmo compartimento comigo No comboio suburbano, Chegaste a interessar-te por mim? Aproveitei o tempo olhando para ti? Qual foi o ritmo do nosso sossego no comboio andante? Qual foi o entendimento que não chegámos a ter? Qual foi a vida que houve nisto? Que foi isto a vida?) Aproveitar o tempo! Ah, deixem-me não aproveitar nada! Nem tempo, nem ser, nem memórias de tempo ou de ser!... Deixem-me ser uma folha de árvore, titilada por brisa, A poeira de uma estrada involuntária e sozinha, O vinco deixado na estrada pelas rodas enquanto não vêm outras, O pião do garoto, que vai a parar, E oscila, no mesmo movimento que o da alma, E cai, como caem os deuses, no chão do Destino. Álvaro de Campos


13 de Novembro de 2005

Concha fechada

Um lado do teu rosto era sempre o estio. Ondas, mansamente, a boca, o mormaço. Eu era um pássaro espiando a luz e o grão. Sem pressa, pousava: teus cabelos, a restinga, a chuva da tarde. Mas tua outra face não esperava e nela estranhos bichos subiam do mar fundo à terra. Se tocados, um líquido, mijo ou lágrima, queimava, repelia, insultava. Tudo em mim, então, era uma concha que se fechou de susto e os penhascos doíam sem nenhum remédio. Era quando, durante toda a noite, eu queria apenas morrer. E morria. Mais de uma vez, fui um homem que se afogou na barra. Eucanaã Ferraz


13 de Novembro de 2005

Vieira da Silva

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13 de Novembro de 2005

E de novo, Lisboa...

E de novo, Lisboa, te remancho, numa deriva de quem tudo olha de viés: esvaído, o boi no gancho, ou o outro vermelho que te molha. Sangue na serradura ou na calçada, que mais faz se é de homem ou de boi? O sangue é sempre uma papoila errada, cerceado do coração que foi. Groselha, na esplanada, bebe a velha, e um cartaz, da parede, nos convida a dar o sangue. Franzo a sobrancelha: dizem que o sangue é vida; mas que vida? Que fazemos, Lisboa, os dois, aqui, na terra onde nasceste e eu nasci? Alexandre O´Neill


13 de Novembro de 2005

Mohammed Racim

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13 de Novembro de 2005

Os perigos

Disse Mirtias (estudante sírio em Alexandria, sob o reinado de Constante Augusto e Constâncio Augusto; em parte gentio e em parte Cristão): "Fortalecido pela contemplação e o estudo, não temerei, como um covarde, minhas paixões. Entregarei meu corpo aos prazeres, aos gozos mais sonhados, aos mais ousados desejos eróticos, aos impulsos lascivos de meu sangue, sem medo algum, pois quando quiser - e hei de querer, fortalecido como estarei pela contemplação e o estudo - encontrarei de novo nos momentos mais críticos meu espirito ascético de outrora." Konstandinos Kavafis, tradução de Jorge de Sena.


12 de Novembro de 2005

Uma família outra

Aquele não era somente um amor entre dois seres mais ou menos descrentes e subitamente apostados na redenção de um tempo inóspito; era uma confluência de afectos, uma construção semelhante às cidades antigas - uma Éfeso viva e transbordante, a pertença para além do sangue, na margem do nomepor fim retomado.


12 de Novembro de 2005

Thomas Francis Dicksee

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11 de Novembro de 2005

Clearly non-Campos!

Não sei qual é o sentimento, ainda inexpresso, Que subitamente, como uma sufocação, me aflige O coração que, de repente, Entre o que vive, se esquece. Não sei qual é o sentimento Que me desvia do caminho, Que me dá de repente Um nojo daquilo que seguia, Uma vontade de nunca chegar a casa, Um desejo de indefinido. Um desejo lúcido de indefinido. Quatro vezes mudou a 'stação falsa No falso ano, no imutável curso Do tempo conseqüente; Ao verde segue o seco, e ao seco o verde, E não sabe ninguém qual é o primeiro, Nem o último, e acabam. Álvaro de Campos


11 de Novembro de 2005

Edward Lear

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11 de Novembro de 2005

Contra o fundo

Eu gosto da tua cara contra o fundo circunstancial, ocupas o espaço por onde a rua se intromete, as tuas pernas magras no passeio como as de um fantoche que só mexe os braços. Ao canto uma árvore fazia sombra pequena na desconversa. Estavas mais ou menos a dizer: nenhum futuro neste sofrimento. O teu melhor ângulo. Rui Pires Cabral


10 de Novembro de 2005

Edward Lear

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10 de Novembro de 2005

Epístola para os meus medos

Sois: os sons roucos, a espera vã, uma perdida imagem. O coração suspende o seu hálito e os lábios tremem sinto-vos, vindes ao rés da terra, como ventos baixos, poisais no peitoril. Sois muito antigos e jovens, da infância em que por vós chorava encostada a um rosto. Que saudade eu tenho, ó escuridão no poço, ó rastejar de víboras nos caniços, ó vespa que, como eu, degustaste o figo úbere. Depois, mundo maior foi a presença e a ausência, a alegria e as dores de outros que não eu. E um dia, no alto da catedral de Gaudí, chorei de horror da Queda, como os caídos anjos. Fiama Hassa Pais Brandão


10 de Novembro de 2005

Waterhouse

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10 de Novembro de 2005

Chaves na mão

(soneto dedicado à minha cunhada Guida, que o recita na perfeição) Chaves na mão, melena desgrenhada, Batendo o pé na casa, a mãe ordena Que o furtado colchão, fofo e de pena, A filha o ponha ali ou a criada. A filha, moça esbelta e aperaltada, Lhe diz coa doce voz que o ar serena: – «Sumiu-se-lhe um colchão? É forte pena; Olhe não fique a casa arruinada...» – «Tu respondes assim? Tu zombas disto? Tu cuidas que, por ter pai embarcado, Já a mãe não tem mãos?» E, dizendo isto, Arremete-lhe à cara e ao penteado. Eis senão quando (caso nunca visto!) Sai-lhe o colchão de dentro do toucado!... Nicolau Tolentino


10 de Novembro de 2005

Desvario

Estou e não me respondo. Assisto. Em mim se decide um inútil afã e se some a vida que me preside. E passo, ainda... Meu nome há muito não coincide comigo se estar se consome e tantas vezes me elide. Me move o tempo mais frio de tanto pranto afogado num quase mito de mim. Vou morando em desvario quase em sonho inaugurado para um começo, meu fim. Maria Ângela Alvim


9 de Novembro de 2005

Lou-Andreas Salomé

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9 de Novembro de 2005

Poema pe(r)dido

Passemos, tu e eu, devagarinho, Sem ruído, sem quase movimento, Tão mansos que a poeira do caminho A pisemos sem dor e sem tormento. Que os nossos corações, num torvelinho De folhas arrastadas pelo vento, Saibam beber o precioso vinho, A rara embriaguez deste momento. E se a tarde vier, deixá-la vir... E se a noite quiser, pode cobrir Triunfalmente o céu de nuvens calmas... De costas para o Sol, então veremos Fundir-se as duas sombras que tivemos Numa só sombra, como as nossas almas. Reinaldo Ferreira


9 de Novembro de 2005

A outra Penélope

(gentileza de Amélia Pais) Por entre as oliveiras vem a Penélope com os cabelos apanhados à trouxe mouxe e uma saia comprada no mercado azul marinho com florinhas brancas. Explica-nos que não foi por dedicação à ideia "Ulisses" que deixou os pretendentes durante anos a esperar na antecâmara dos misteriosos hábitos do seu corpo. Ali no palácio da ilha com os horizontes fictícios de um doce amor e o pássaro à janela a captar apenas isto, o infinito, ela pintou com as cores da natureza o retrato de eros. Sentado, de perna traçada, segurando uma chávena de café matinal, um pouco macambúzio, um pouco sorridente, a sair quente dos edredões do sono. A sombra dele na parede marca deixada por um móvel há pouco retirado sangue de antigo assassínio aparição solitária do Karanguiózi na tela, e por trás dele sempre a dor. Inseparáveis o amor e a dor como o balde e o menino na praia o ah! e um cristal que se escapa das mãos a mosca verde e o animal morto a terra e a pá o corpo nu e o lençol de Julho. E a Penélope, que ouve agora a música sugestiva do medo a bateria da renúncia o doce canto de um dia sereno sem bruscas mudanças de tempo e tom os complexos acordes de uma infinda gratidão por tudo o que não aconteceu, não se disse, não se diz, acena que não, não, não a outro amor não mais palavras e sussurros abraços e dentadinhas vozinhas na escuridão cheiros de corpo que arde à luz. A dor era o pretendente mais excelente e fechou-lhe a porta. Katerina Angheláki-Rooke, tradução inédita de Manuel Resende.


9 de Novembro de 2005

Jean-Leon Gerome

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9 de Novembro de 2005

Viagem

Viajaremos incógnitos por um tempo de astros desavindos e suspiros e musas tenebrosas e vorazes e, todavia, sempre compassivas. Por um tempo sem par nos trocaremos, por nada nos trocamos, pois um riso mortal virá dizer-nos que de onde nós partimos nos achamos. Será nosso esse riso ou do mapa entre os pés? Bocas de estátuas rindo, salvai as nossas almas. António Rebordão Navarro


8 de Novembro de 2005

Arpad Szenes

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7 de Novembro de 2005

The Love Song of J. Alfred Prufrock

S'io credesse chc mia risposta fosse A persona che mai tornasse al mondo, Questa Gamma staria senza piu scosse. Ma perciocche giammai di questo fondo Non torno viva alcun, s'i'odo il vero, Senza tema d'infamia ti rispondo. Let us go then, you and I, When the evening is spread out against the sky Like a patient etherised upon a table; Let us go, through certain half-deserted streets, The muttering retreats Of restless nights in one-night cheap hotels And sawdust restaurants with oyster-shells: Streets that follow like a tedious argument Of insidious intent To lead you to an overwhelming question... Oh, do not ask, 'What is it?' Let us go and make our visit. (...) T.S. Eliot


7 de Novembro de 2005

Thomas Francis Dicksee

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7 de Novembro de 2005

O sol nas noites e o luar nos dias

De amor nada mais resta que um Outubro e quanto mais amada mais desisto: quanto mais tu me despes mais me cubro e quanto mais me escondo mais me avisto. E sei que mais te enleio e te deslumbro porque se mais me ofusco mais existo. Por dentro me ilumino, sol oculto, por fora te ajoelho, corpo místico. Não me acordes. Estou morta na quermesse dos teus beijos. Etérea, a minha espécie nem teus zelos amantes a demovem. Mas quanto mais em nuvem me desfaço mais de terra e de fogo é o abraço com que na carne queres reter-me jovem. Natália Correia


7 de Novembro de 2005

Francesco Hayez

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7 de Novembro de 2005

Cinco poemas para um amor (5)

Ausência Num deserto sem água Numa noite sem lua Num país sem nome Ou numa terra nua Por maior que seja o desespero Nenhuma ausência é mais funda do que a tua. Sophia de Mello Breyner Andresen


7 de Novembro de 2005

Cinco poemas para um amor (4)

Litania O teu rosto inclinado pelo vento; a feroz brancura dos teus dentes; as mãos, de certo modo, irresponsáveis, e contudo sombrias, e contudo transparentes; o triunfo cruel das tuas pernas, colunas em repouso se anoitece; o peito raso, claro, feito de água; a boca sossegada onde apetece navegar ou cantar, ou simplesmente ser a cor de um fruto, o peso de uma flor; as palavras mordendo a solidão, atravessadas de alegria e de terror, são a grande razão, a única razão. Eugénio de Andrade


7 de Novembro de 2005

Cinco poemas para um amor (3)

A Divisibilidade: a Invisibilidade a Dois A mulher divide-se em gestos particulares o homem divide-se também. Se o átomo é divisível só poeta o diz. a mulher divide-se em gestos extremos coloridos arenosos destilados. dois homens são duas divisões de uma casa que já foi um animal de costas para o seu pólo mágico. A divisibilidade da luz aclara os mistérios. A mulher tem filhos. Descobrem-se partículas soltas um dedo mínimo o peso menos pesado da balança um cabelo eloquente em desagregação Gestos estrídulos dividem a mulher o homem divide-a ainda. Luiza Neto Jorge


7 de Novembro de 2005

Cinco poemas para um amor (2)

Escrito numa ânfora grega E o teu amor que espalha a tinta Na minha tela da cor da sede Paisagem que a tua paixão pinta Para eu pendurar numa parede. Candidatura a bem-amado Das minhas núpcias de aracnídeo, Contigo a ver-me de um telhado, Altura própria para um suicídio. Mas prometida a um olhar marujo Na lenda de um Fáon que nunca chega, Quanto mais me amas, mais eu te fujo. Falta cumprir a sina grega. Natália Correia


7 de Novembro de 2005

Cinco poemas para um amor (1)

Dois amantes felizes não têm fim nem morte, nascem e morrem tanta vez enquanto vivem, são eternos como é a natureza. Pablo Neruda


6 de Novembro de 2005

Da instabilidade

Amor, se uma mudança imaginada É com tanto rigor minha homicida, Que fará, se passar de ser temida, A ser, como temida, averiguada? Se só por ser de mim tão receada, Com dura execução me tira a vida, Que fará, se chegar a ser sabida? Que fará, se passar de suspeitada? Porém, já que me mata, sendo incerta, Somente o imaginá-la e presumi-la, Claro está, pois da vida o fio corta. Que me fará depois, quando for certa, Ou tornar a viver para senti-la, Ou senti-la também depois de morta. Soror Violante do Céu


6 de Novembro de 2005

Edwin Long

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6 de Novembro de 2005

Outono

(gentileza de Amélia Pais) Ninguém cheira melhor nestes dias do que a terra molhada: é outono. Talvez por isso a luz, como quem gosta de falar da sua vida, se demora à porta, ou então passa as tardes à janela confundindo o crepúsculo com as ruínas da cal mordidas pelas silvas. Quando se vai embora o pano desce rapidamente. Eugénio de Andrade


6 de Novembro de 2005

Almada Negreiros

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6 de Novembro de 2005

If love were away...

Troilus And Cressida Can life be a blessing, Or worth the possessing, Can life be a blessing if love were away? Ah no! though our love all night keep us waking, And though he torment us with cares all the day, Yet he sweetens, he sweetens our pains in the taking, There's an hour at the last, there's an hour to repay. In ev'ry possessing, The ravishing blessing, In ev'ry possessing the fruit of our pain, Poor lovers forget long ages of anguish, Whate'er they have suffer'd and done to obtain; 'Tis a pleasure, a pleasure to sigh and to languish, When we hope, when we hope to be happy again. John Dryden


6 de Novembro de 2005

Munch

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6 de Novembro de 2005

Noites várias

Pela noite à eterna dor se chega cruel é a terra, diversa terra quando teu rosto se esvai e a névoa com voz de pranto cai jamais leve sobre nós. De breve uso, cresce no peito uma tímida pálida alegria precioso corpo luz, borboleta de asas nítidas e tranquilas que vigia o coração dos mortos. Diz-me secretas brandas palavras porque sou refúgio e escombro de um vasto dia, áspero exílio nas suaves sílabas de precisos e curvos juncos, clarão sem sol. Desce então pelo fulgor da luz espírito suspenso em minhas mãos. A espera é movimento cego. Desce, sonâmbulo, extenso amor. Ana Marques Gastão


5 de Novembro de 2005

Gustave Doré

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5 de Novembro de 2005

O amor que tudo move

(...) A l'alta fantasia qui mancò possa; ma già volgeva il mio disio e 'l velle, sì come rota ch'igualmente è mossa, l'amor che move il sole e l'altre stelle. Dante Alighieri, in Divina Comédia


5 de Novembro de 2005

Morland

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5 de Novembro de 2005

Apesar

(gentileza de Amélia Pais) Apesar das ruínas e da morte, Onde sempre acabou cada ilusão, A força dos meus sonhos é tão forte, Que de tudo renasce a exaltação E nunca as minhas mãos ficam vazias. Sophia de Mello Breyner Andresen


4 de Novembro de 2005

Frederick John Lewis

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4 de Novembro de 2005

Da impossibilidade

Sempre um de nós foge. Sombria água trépida e contínua água em céu diverso como diversa eu sou chão sem flor. Vã palavra, múltipla palavra, longínqua semente entre o arco e a corda. Nada sara em meu cego corpo eu que imagem sou, não alegoria. Tremor antigo, árvore sem fruto, nada resiste nesta cidade sem casa - só a garça chega em seu liso voo porque o tempo nunca é longo. Ana Marques Gastão


3 de Novembro de 2005

Magritte

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3 de Novembro de 2005

Elegia

Elegia Dos teus olhos líquidos irrompem musgos transparentes onde existe um verso amarrotado ao meio-dia. Um cinzeiro plástico, resíduos da noite no óleo dos dedos. Fica. Senta-te aqui na estrofe desta ilha impar num triângulo solitário. Conversemos do curso que vais tirar, da sede que mato em teus olhos, de um animal atropelado, do empréstimo de um livro, do sono das aves para esconderem a morte. Conversemos de tudo em vez de olharmos as fontes secas e as folhas, o enxame de lágrimas no meio da rua. Não é meio-dia. Mentira enquanto acreditávamos. Agora só acredito em teu sonho. Gostava de acariciar teus olhos líquidos e alisar o verso amarrotado. Mas perdes-te no voo sonoro e pequenino do avião no horizonte. Eu queria falar contigo. Olha a minha voz sequiosa de ser ouvida nas arestas do silêncio. Eu queria era falar contigo. Vivo num tapete de pregos em brasa dentro do frio, numa lágrima cristalizada. Vivo de não viver jamais. Eu queria falar contigo. Luís Adriano Carlos


3 de Novembro de 2005

Sophie Anderson

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3 de Novembro de 2005

Lisboa sob névoa

Na névoa, a cidade, ébria oscila, tomba. Informes, as casas perdem o lugar e o dia. Cravadas no nada, as paredes são menires, pedras antigas vagas sem princípio, sem fim. Fiama Hasse Pais Brandão


2 de Novembro de 2005

Hishikawa Moronobu

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2 de Novembro de 2005

Ambição

(gentileza de Amélia Pais) Aprendo o silêncio, buscando falar. A.Kosmatopolous Se escrevo, não é porque tenho algo de novo a dizer. A gente teve sempre o mesmo lote As mesmas amarguras e as mesmas alegrias Aquilo a que se chama igualdade de oportunidades. Se escrevo, é porque me mato a procurar A mais concisa representação gráfica das lágrimas. Kharkianákis, trad. de Manuel Resende.


2 de Novembro de 2005

Magritte

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2 de Novembro de 2005

Proximizade

Proximidade e mão amiga. "Proximizade", feita do entusiasmo voluntário de quem quer ajudar a combater a apatia, a dispersão e a insensibilidade que nos ameaça se continuarmos indiferentes ao que se sabe e ao que se vê. Aqui, já está a acontecer.
Pessoas que precisam, invisíveis. E pessoas que têm muito para dar, quando não desperdiçam. Tempo, motivação, consciência. E dinheiro, também. Entre este binómio, uma via de comunicação. A blogosfera, internet no seu melhor quando o que se escreve e o que se lê tendem a conjugar-se no verbo aproximar. Dois mundos nos antípodas, um vítima dos excessos e outro à míngua das suas migalhas. Gente com fome, crianças, que sobrevivem apenas para ganharem forças para fugir à miséria. Rumo ao lado de cá, que os recusa. A caridade já não basta e é necessária intervenção. Amizade em estado puro, reunida por gente que bloga em torno de um objectivo comum: fomentar a generosidade como uma urgência e canalizá-la para as melhores mãos (as mais necessitadas). Proximidade e mão amiga. Proximizade, feita do entusiasmo voluntário de quem quer ajudar a combater a apatia, a dispersão e a insensibilidade que nos ameaça se continuarmos indiferentes ao que sabe e ao que se vê. E ao que se deixa por sentir. Nós sentimos assim. E acreditamos numa sociedade que quer sentir da mesma forma e intervir sem demora. Aqui, já está a acontecer.


2 de Novembro de 2005

Hopper

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2 de Novembro de 2005

Nocturno

A arte já sabemos nasce da imperfeição das coisas que trazemos para casa com o pó da rua quando a tarde finda e não temos água quente para lavar a cabeça. Tentamos regular com açudes de orações o curso da tristeza mudamos de cadeira e levamos a noite a dizer oxalá como se a palavra praticasse anestesia. José Miguel Silva


2 de Novembro de 2005

O eco de mil sinos de prata

O eco de mil sinos de prata emudece ante o labor da aranha O tempo emudece na cegueira do ar na sua geografia nula Que queres de mim matéria insensível? Nas coisas conhecidas o verbo ser emudece Ana Hatherly


1 de Novembro de 2005

Thomas Francis Dicksee

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1 de Novembro de 2005

Mais vale prevenir...

In Due Form I do not doubt you. I know you love me. It is a fact of your indoor face, A true fancy of your muscularity. Your step is confident. Your look is thorough. Your stay-beside-me is a pillow To roll over on And sleep as on my own upon. But make me a statement In due form on endless foolscap Witnessed before a notary And sent by post, registered, To be signed for on receipt And opened under oath to believe; An antique paper missing from my strong-box, A bond to clutch when hail tortures the chimney And lightning circles redder round the city, And your brisk step and thorough look Are gallant but uncircumstantial, And not mentionable in a doom-book. Laura Riding


1 de Novembro de 2005

Da repetição variável

Noivo e noiva executaram a dança de Isaías. Anca a anca, braços e mãos entrelaçados, Desdemona e Lefty tornearam o capitão uma e outra vez, tecendo o casulo da sua vida juntos. Não havia aqui qualquer linearidade patriarcal. Nós, os gregos, casamos em círculos, a fim de imprimirmos em nós próprios as realidades matrimoniais mais elementares. É assim que, para sermos felizes, precisamos de encontrar a variedade na repetição, e que para seguirmos em frente precisamos de voltar ao mesmo sítio de onde partimos. Jeffrey Eugenides, in Middlesex, trad. Pedro Serras Pereira, ed. Dom Quixote.


1 de Novembro de 2005

Arpad Szenes

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1 de Novembro de 2005

Todos os santos

- Caridade é uma palavra que hoje tem anticorpos. Não é politicamente correcta... - Mas tens a solidariedade, que é a caridade de esquerda. - Essa é imperdível, sorriu ela.


1 de Novembro de 2005

Quase de nada místico

Não, não deve ser nada este pulsar de dentro: só um lento desejo de dançar. E nem deve ter grande significado este vapor dourado, e invisível a olhares alheios: só um pólen a meio, como de abelha à espera de voar. E não é com certeza relevante este brilhante aqui: poeira de diamante que encontrei pelo verso e por acaso, poema muito breve e muito raso, que (aproveitando) trago para ti. Ana Luísa Amaral


1 de Novembro de 2005

Muralhas (Castelo de Montemor o Novo)

mm-muralhasjorge cascalho.jpg Foto de Jorge Cascalho


1 de Novembro de 2005

O primeiro dia

Há muralhas invisíveis que levam muito tempo a derrubar. Só o cerco do amor constante, a magia da palavra certa, o calor resiliente e firme do olhar podem retirar as pedras acantonadas na alma, uma a uma. E substituir a aridez defensiva pelo acolhimento no abraço pleno da intimidade profundamente partilhada.